Continua a polêmica sobre o projeto de lei que pretende enquadrar os pais que venham a aplicar palmadas, puxão de orelha ou outros corretivos leves contra os filhos menores. Pelo projeto, a criança e o adolescente devem ser educados sem o uso de “castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante”, como formas de correção, disciplina ou educação. Isto é óbvio, porque ninguém é a favor de qualquer ato de violência contra criança ou adolescente.
A meu ver, a proposta legislativa não convence porque parece igualar um puxão de orelha ou uma palmada a um castigo corporal. E isto é um grande equívoco. Aliás, quando se enfatiza a infância e a adolescência, corre-se o risco de esquecer a violência contra os adultos. Por isso, não creio que o Congresso transforme em lei esse desnecessário e inútil projeto.
No caso de castigos, maus-tratos, lesão corporal ou tortura, já existem diversas normas penais incriminando essas formas de violência contra crianças e adolescentes. Basta aplicá-las quando ocorrer excesso no exercício do poder disciplinar.
Há muito tempo, o Código Penal já prescreve penas privativas de liberdade para quem causar lesão corporal leve, grave ou gravíssima, abandonar pessoa incapaz ou praticar maus-tratos contra qualquer pessoa. É evidente que essas normas de controle penal devem ser aplicadas com maior rigor quando a vítima for criança ou adolescente. E, mais ainda, quando o autor do crime for o pai ou a mãe.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê também uma série de penalidades civis e criminais contra pais que submetam os filhos a constrangimento. Além disso, há a lei contra a tortura, que prescreve aumento da pena de reclusão para atos de crueldade contra os filhos.
Assim, se o projeto vir a ser aprovado, será apenas mais uma lei inócua, condenada a permanecer no mundo abstrato das intenções jurídicas. Dificilmente as normas de controle serão ritualizadas no ambiente formal das salas de audiência. Fica difícil imaginar um poder estatal capaz de controlar as condutas familiares. A privacidade precisa ser respeitada.
Assim, as medidas disciplinares para corrigir o comportamento das crianças e adolescentes continuarão confinadas às quatro paredes de um lar infeliz. E o silêncio e o remorso continuarão sendo as testemunhas e, ao mesmo tempo, os juízes dessas pequenas maldades próprias da imperfeição humana.
jjoseleal@gmail.com
JOÃO JOSÉ LEAL, PROMOTOR DE JUSTIÇA APOSENTADO E PROFESSOR
Palmadas e puxão de orelha
julho 25, 2010
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