Em entrevista ao Terra, Geoffrey Robinson disse que, ao reavaliar ensinamentos sobre moralidade sexual, a Igreja poderia evitar abusos

  • Direto de Sydney
Humilde, idealista e revolucionário, o bispo australiano Geoffrey Robinson está propondo mudanças radicais na Igreja Católica: a inclusão das mulheres no sacerdócio, o fim do celibato obrigatório e a reavaliação dos ensinamentos relacionados à moralidade sexual. Segundo o religioso, essas alterações contribuiriam para o fim dos casos de abuso sexual nas paróquias e instituições ligadas à Igreja. Com outros dois bispos, Robinson lançou um abaixo-assinado pedindo a criação de um Concílio para tratar do assunto.
Geoffrey Robinson é autor do livro For Christ's Sake: End Sexual Abuse in the Catholic Church... For Good! (Pelo Amor de Cristo: Pare o Abuso Sexual na Igreja Católica... Para Sempre!) Foto: Divulgação
Geoffrey Robinson é autor do livro For Christ's Sake: End Sexual Abuse in the Catholic Church... For Good! (Pelo Amor de Cristo: Pare o Abuso Sexual na Igreja Católica... Para Sempre!)
Foto: Divulgação
Autor do livro For Christ's Sake: End Sexual Abuse in the Catholic Church... For Good!(Pelo Amor de Cristo: Pare o Abuso Sexual na Igreja Católica... Para Sempre!), ainda sem tradução para o português, Robinson falou com exclusividade para o Terra.
Modesto, o bispo nega a liderança de uma revolução dentro da Igreja, mas suas propostas enfrentam resistências. “A petição precisava ser feita. Estou enfrentando desafios enormes, mas não estou preocupado com as consequências. Sei que existem pessoas que estão contra, mas recebo apoio de várias outras”, desabafa o religioso, que também defende maior participação dos fiéis nos rumos da Igreja.
O abaixo-assinado pedindo mudanças surge logo após a criação de uma comissão nacional para investigar os casos de abuso sexual de menores, especialmente na Igreja Católica, na Austrália. Durante os trabalhos, que devem terminar em dezembro de 2015, pelo menos cinco mil vítimas serão ouvidas. “Existem três fatores fundamentais na erradicação do problema: identificar e afastar os ofensores, encontrar e dar apoio a todas as vítimas e sobreviventes, e identificar e resolver as causas. Esse último não está sendo analisado”, lamentou.
O celibato obrigatório é perigoso para o catolicismo, na opinião do religioso. “Nâo tenho nada contra o celibato em si, como o de Madre Teresa por exemplo, mas há um grande número de padres forçados a viver uma abstinência que não querem”, diz.
Para Robinson, a moralidade sexual pregada nos ensinamentos também precisa mudar. “Toda a moralidade hoje é baseada no conceito de que o pecado sexual é um pecado direto contra Deus, e isso dá muita importância ao assunto, que é tratado como blasfêmia. Se há pecado envolvido, é um pecado contra outro ser humano, como nos casos de pedofilia e estupro”, avalia.
A alteração nos ensinamentos e na compreensão da moralidade deve vir do Papa, explica o bispo. “Há somente duas autoridades na Igreja capazes de fazer mudanças: o Papa e um Concílio Ecumênico e, para promover grandes mudanças, o próprio Papa precisa de um Concílio”, diz.
Robinson comenta, ainda, os prejuízos para a Igreja. “É uma catástrofe! Ninguém sabe quantos fiéis estão deixando o catolicismo por causa dos abusos. Isso também significa que a Igreja não pode falar sobre nenhum outro assunto com autoridade, porque as pessoas rebatem falando disso”, observa.
O papel das mulheres
O bispo também é enfático na defesa de uma maior participação das mulheres na Igreja Católica. “Não é apenas uma questão da ordenação ao sacerdócio, mas ainda quero ver o feminino atuando em toda a fábrica da Igreja, onde homens e mulheres serão iguais”, argumenta.
Para ele, os casos de abuso sexual não teriam sido acobertados por tanto tempo se as mulheres tivessem mais participação. “A resposta teria sido muito diferente, porque mulheres não estariam tão preocupadas com a manutenção das aparências e do bom nome da Igreja. Elas teriam um cuidado natural pelos mais jovens, com um senso maior de proteção às crianças”, analisa.
Solidão sem amor
A solidão da vida religiosa é outra preocupação do bispo australiano. “Às vezes, você vê grandes casas paroquiais com uma pessoa sozinha, trabalhando altas horas da noite, sem apoio e sem nenhuma noção de amar e ser amado. A única resposta da Igreja para isso é ‘reze mais’. Sou muito a favor da oração, mas também sou a favor do carinho humano”, ressalta. 
Ele defende, ainda, a melhoria nas condições de trabalho dos sacerdotes e religiosos. “Em alguns orfanatos, onde muitos abusos acontecem, os cuidadores chegam a ficar com trinta crianças 24 horas por dia. A demanda é muito grande e penso que isso levou a alguns abusos”, sugere.
Conselho aos brasileiros 
Aos brasileiros, Robinson dá um conselho: “Primeiramente, é necessário investigar a extensão do problema. Os bispos precisam convidar as pessoas a contar suas histórias sem medo, sem ameaças. As vítimas não devem falar com padres, mas com alguém como elas. Se a Igreja não enfrentar o abuso sexual, não pode dizer que o problema não existe”, enfatiza.
Abusado na infância - não por um padre, mas por um estranho - Geoffrey Robinson sabe do que está falando quando afirma que o dano causado às vítimas não pode ser reparado. Por isso, a prevenção é fundamental. “Há mais consciência sobre o abuso sexual entre os católicos, mas há gente dentro do Vaticano que não quer mudanças. Tenho esperanças de que os fiéis entendam que sua participação pode alterar essa triste realidade”, conclui.
Especial para Terra