O papa Francisco instituiu um governo colegiado e prepara a reforma da Cúria Romana. Entretanto, problemas graves continuam intocados: a questão do celibato obrigatório para o clero, a ordenação de mulheres e a democratização das instâncias decisórias da Igreja.
O que significa a primeira visita ao Brasil de um papa latino-americano? A viagem do papa possui significados explícitos e implícitos, sobre os quais é necessário refletir em busca de uma análise objetiva. As dimensões explícitas referem-se aos aspectos oficiais e midiáticos e as implícitas correspondem aos bastidores dessa viagem apenas aparentemente rotineira.
Aspectos explícitos
O papa vem ao Brasil para sinalizar o seu apreço para com o país de maior população católica do mundo e com maior número de bispos em sua conferência episcopal. Vem fortalecer o trabalho missionário da Igreja Romana, dirigido principalmente aos jovens. O contexto eclesial de sua visita é a Jornada Mundial da Juventude, um evento criado por seu antecessor, João Paulo II, com o mesmo objetivo: procurar impedir o avanço do indiferentismo religioso entre os jovens. Em seus sermões e mensagens na primeira época do seu pontificado, Francisco tem destacado que o indiferentismo é o primeiro passo para a adesão a outros antivalores: o individualismo exacerbado, o consumismo sem limites e o niilismo.
Essa viagem terá, portanto, um caráter missionário e ecumênico, algo que pode parecer paradoxal. Por quê? Como o fortalecimento do catolicismo pode resultar no reforço da linha ecumênica? Se, de um lado, a visita tentará reforçar pastoralmente a instituição católico-romana, de outro lado, servira como reforço para aquelas igrejas que já caminham com base no dialogo ecumênico. E significara também, nesse aspecto, um freio para a atuação e o avanço de igrejas neopentecostais que fazem do Evangelho um instrumento de lucratividade, em nome da cura das doenças e do acesso a riqueza (teologia da prosperidade).
Aspectos implícitos
Implicitamente, a viagem pontifícia será mais um momento para testar a estratégia da Igreja Romana de deixar definitivamente no passado a imagem de uma instituição carcomida pelos escândalos, traduzidos em casos de lavagem de dinheiro, pedofilia e disputas mafiosas internas. O comportamento do Papa caminha na direção contrária, evidentemente, e, até agora, ele tem sido bem-sucedido. Instituiu praticamente um governo colegiado com oito cardeais que com ele dividem o governo da Igreja e que preparam o projeto de reforma da Cúria Romana. Se conseguir levar a termo esse projeto, Francisco não apenas completará as tentativas feitas por seus antecessores Paulo VI e João Paulo II, como passará a história como responsável pelo restabelecimento do poder do papa diante do poder da burocracia eclesiástica.
Contudo, os problemas mais graves continuam intocados: a questão do celibato obrigatório para o clero, a ordenação de mulheres e a democratização das instâncias decisórias da Igreja. Quanto à pedofilia, há um dado objetivo: o Vaticano não pode mais ser condescendente com esse crime porque os prejuízos financeiros são enormes, resultantes das pesadas indenizações que acabaram recaindo sobre as arquidioceses e dioceses às quais pertencem os padres acusados como pedófilos. Ainda implicitamente, a visita do papa voltará a indicar as características básicas da instituição eclesiástica, em termos de governança: hierárquica e burocrática.
Qualquer que seja a linha básica do discurso do papa, ele sabe que, para qualquer mudança, deverá levar em conta os limites do seu poder. Em síntese, a visita do papa argentino tem tudo para ser um sucesso. No entanto, os resultados práticos dependerão de profundas mudanças que ainda estão por acontecer.