Violência sexual: prática do estupro e mentalidades doentias

Fomos bombardeados nas últimas semanas com notícias sobre casos de estupros. Mas afinal, o que é o estupro e quais suas motivações? O estupro é o crime sexual mais praticado em todas as épocas, com criminosos de todas as classes sociais. Na Antiguidade, muitas vezes quando uma terra era invadida, seus dominantes estupravam as mulheres e matavam as crianças.
Relembro aqui do estupro coletivo a uma turista e a agressão ao namorado dela por três homens na madrugada de 30 de abril, no Rio de Janeiro. Com cerca de 20 anos, ela foi estuprada e roubada por três homens numa van de transporte alternativo. Seu namorado, de mesma faixa etária e também estrangeiro, foi algemado, espancado e roubado, e assistiu a tudo sem poder reagir. A ação durou seis horas. O caso ganhou repercussão na imprensa internacional. Os três homens foram reconhecidos e presos. Também no Rio de Janeiro, dias depois, em 3 de maio, por volta das 15h30, uma mulher de 30 anos foi estuprada em um ônibus da Linha 369 (Bangu x Carioca) por um criminoso ainda assaltou e agrediu os passageiros. O adolescente de 17 anos foi reconhecido pela vítima e outras duas pessoas que presenciaram tudo. O criminoso foi encaminhado para a Vara de Infância e Juventude e pode ficar apreendido por até três anos.
Esses casos de estupros me remetem aos recorrentes casos de abusos e violência sexual na Índia, em que crimes deste tipo vêm aumentando nos últimos meses. O estupro coletivo ocorreu com uma estudante de fisioterapia num coletivo em movimento por cinco rapazes. O ataque fez com que a população ficasse indignada e provocou protestos ao redor de toda a Índia, alguns deles violentos, sobre a questão da segurança das mulheres e também contra a polícia, acusada de demorar em investigar os crimes e diminuir a gravidade dos abusos sexuais. Crimes sexuais contra criança e mulheres na Índia se tornaram comuns. Em Nova Délhi, a capital do país, é a cidade que apresenta o maior número de crimes, com a média alarmante de um estupro a cada 18 horas. Vale mencionar que no dia 15 de abril uma menina de 5 anos foi sequestrada e mantida como refém no porão do próprio prédio, onde foi estuprada e torturada. A criança veio a óbito por não resistir aos ferimentos e em decorrência de parada cardíaca.
De acordo com o Código Penal Brasileiro, estupro é a penetração do pênis na vagina sem o consentimento da mulher. Aqui vale a pena fazer uma diferenciação dos tipos de agressão sexual.  A agressão por penetração é a introdução de partes do corpo ou objetos, que não o pênis, sem o consentimento do outro. É crime também quando se oferece substâncias a alguém com o intuito de praticar relações sexuais, sem a permissão desta pessoa.  A agressão sexual nada mais é, portanto, do que a violação dos limites da pessoa e a não permissão ao toque do seu corpo. Muitas mulheres são alvo destes abusos em coletivos, metrô e trens lotados, por exemplo. Alguns homens se aproveitam do aperto do transporte público para apalpar partes íntimas de outras pessoas, e as mulheres são as principais vítimas disso. Existe até um termo próprio para estes gestos, um fetiche, o Frotteurismo, excitação sexual resultante da fricção dos órgãos genitais no corpo de uma pessoa completamente vestida.
A questão do consentimento, que alicerça o ato de estupro e as agressões sexuais, baseia-se na submissão que as mulheres tinham diante dos homens. As esposas deveriam, mesmo contra a sua vontade, satisfazer as necessidades sexuais dos maridos. O ato sexual para o homem era uma maneira de extravasar seus conflitos e respaldar a liberdade e soberania masculina. O sexo para a mulher era aprisionador, arbitrário e impositivo, muitas vezes, utilizado como forma de conseguir alguma coisa a favor delas, moeda de troca e barganha. Esta construção sexual sobre o sexo determinou a relação entre homens e mulheres. O sexismo é uma herança cultural e social, pois, privilegia-se um sexo quando esse passa a ter mais direitos do que o outro, ou quando, para se firmar socialmente, diminui-se ou enfraquece o outro. Este sexismo praticado originou a misoginia, ódio ou desprezo ao sexo feminino. É nesta diminuição da importância da mulher que se ancora o estupro.
Esta cultura do estupro é uma relação que se baseia no poder e não está ligada ao sexo ou desejo sexual, mas na intimidação, que pretende causar medo e assim, controle. É o pênis que se transforma na arma contra a vagina e que inclusive, pune e pode matar. As mulheres eram consideradas propriedades privadas. O marido mantinha a esposa enclausurada na casa do casal. Na Grécia antiga, existia até um quarto, geralmente ficava na parte superior da casa, em que a esposa deveria ficar o dia inteiro ali, sem ter contato com as pessoas, apenas com algumas empregadas, o gineceu. Esta medida asseguraria que a esposa seria fiel e que os filhos seriam legítimos, minimizando a possibilidade de filhos “bastardos”.
A coação às mulheres é justificada através das regras que elas não respeitam. Não querem ser escravas ou objetos de uso dos homens. Não são submissas, não devem ser autônomas, livres e ter as próprias opiniões, posturas e posicionamentos. Regras tão arcaicas quanto Tutancâmon e absurdas, como algumas sugestões de alguns periódicos jurídicos que orientavam desprezar denúncias de estupro porque as mulheres teriam tendências a mentir. A falta de respeito e violência contra as mulheres é amoral e hipócrita. Em 22 de outubro de 2009, a aluna da Faculdade Uniban, Geisy Arruda foi hostilizada por outros alunos com xingamentos e comentários vulgares por usar um vestido curto, num país que faz do carnaval, sua festa mais celebrada, de corpos nus e erotismo. Mas quem disse que a mulher não pode usar o que ela quiser. O decote da blusa, a calça agarrada ao corpo, a saia curta não é um convite ao homem para copular.
O abuso sexual, a agressão e o estupro, do ponto de vista social, é a imposição masculina sobre a feminina. A violência praticada determina uma superioridade dos homens sobre as mulheres, portanto, mantém o errôneo conceito de determinar os gêneros, ou seja, os papéis sociais deveriam ser cumpridos: mulheres obedientes, concordatas, castas e recatadas; homens soberanos, líderes, inquestionáveis, determinados e no controle do corpo e do sexo. Esta é a cultura vigente, estereotipada e que, felizmente, está mudando, mas que necessita de muitas transformações. São estas as bases da homofobia, para visualizarmos outro grupo de pessoas que sofrem a opressão da determinação dos gêneros. Homens que não cumprem o papel masculino são punidos. O estuprador é um homem covarde, que usa o ato sexual como maneira de se impor não como indivíduo, mas para manter uma hegemonia do homem sobre a mulher e assim, revelando toda a sua incapacidade de reconhecer a emancipação e autonomia feminina. O agressor é na verdade, incompetente emocional, retrógrado e de mentalidade simplistas, preconceituosas e enfadonhas. Vive como se estivesse na época medieval.
Para combatermos esses atos desenfreados de estupros, primeiro temos de compreender que não podemos generalizar. Os homens não são estupradores em potenciais e nem as mulheres suas eternas vítimas. Não podemos perpetuar os estereótipos, mas precisamos combater o sistema patriarcal que ainda impera nos relacionamentos sociais e amorosos. Não deve-se excluir os homens da discussão sobre o estupro, mas inseri-los nesta reflexão. Mulheres e homens devem dar um basta ao determinismo dos gêneros, pois, masculino e feminino devem coexistir, despolarizando e entendendo que não existem hierarquias sexuais.
(Breno Rosostolato, psicólogo; professor – Faculdade Santa Marcelina/ FASM)