MAIORIA DOS CASOS QUE CHEGAM À DELEGACIA NÃO SÃO DE POLÍCIA

Maioria dos casos que chegam à delegacia não são de polícia

(Fotos: Arquivo / A Tribuna)
A Lei Maria da Penha, criada há quase sete anos para combater a violência doméstica, ainda é usada por muitas mulheres como pretexto para problemas conjugais que não se resolvem na delegacia. De 40 registros realizados diariamente na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Criciúma, 95% não são casos de polícia. Apenas 30% dos casos levados à delegacia chegam à fase final no Judiciário. O motivo: a desistência das "vítimas", que acabam voltando para o companheiro e novamente sendo agredidas, formando um clico da violência contra a mulher.
Os problemas familiares têm sobrecarregado a única delegacia especializada da região. Segundo o titular, delegado Márcio Campos Neves, o problema de falta de conscientização da população é agravado pelo efetivo aquém da necessidade e da falta de estrutura do distrito policial. A situação vem se agravando tanto que o próprio e único delegado pediu transferência da delegacia por "não suportar mais a situação". O pedido, por enquanto, foi negado pelo delegado regional Jorge Koch, que alega que Neves é a autoridade mais capacitada para atuar na delegacia especializada e que só mostrou bom trabalho desde quando assumiu como titular.
Entrevista
A Tribuna: Quais os casos mais frequentes que chegam à delegacia?
Márcio Campos Neves: As brigas de marido e mulher, que só serão resolvidas com a separação ou com o diálogo. Muitas chegam aqui me pedindo para dar um susto no companheiro. A polícia não é trem fantasma para dar susto em ninguém. Estamos aqui para resolver problemas sérios, não picuinhas entre casal que se brigou e quer resolver na polícia. Exceto em alguns casos, como de agressão e ameaça, esses sim, fizemos questão de atuar, mas infelizmente muitas mulheres ainda voltam com o marido.
AT: Quem está passando por uma situação delicada na relação, qual o caminho?
Neves: Procurar um advogado, ir até a Vara da Família e buscar uma separação amigável, com todos os direitos. A polícia não resolve divisão de bens, muito menos guarda de filhos. Atuamos no combate à violência.
AT: Quais são os casos mais absurdos?
Neves: Muita mulher chega aqui dizendo que o marido a chamou de feia, de gorda. Isso não é problema nosso. O que também não é raro é a mulher se passar por vítima, mas foi ela quem provocou o ex ou o companheiro. Os falsos estupros também são absurdos.
AT: Muitas mentiras?
Neves: Muitas. Existe muito caso Lívia Marini por aí (referido-se à personagem de Claudia Raia em Salve Jorge que se autoagrediu para acusar Théo, personagem de Rodrigo Lombardi). Também o que acontece é garota, adolescente e mulher inventando ser vítima de estupro, ou para se safar do marido ou dos pais. Isso movimenta uma máquina do Estado gigante. A polícia, a perícia, o hospital, são alguns exemplos disso.
AT: Além de Criciúma, há muita procura de pessoas de outros municípios?
Neves: Também. Somos uma delegacia especializada, mas uma mulher que foi agredida pelo marido em Içara, por exemplo, pode buscar atendimento lá mesmo.
AT: Tem algum dia mais crítico?
Neves: Sem dúvida a segunda-feira. Eles brigam no final de semana e deixam para lotar a delegacia na segunda.
AT: Em relação aos adolescentes?
Neves: Já os casos envolvendo os adolescentes são o contrário. A maioria é sério, 70%. Também há muita reincidência desses garotos na criminalidade. Grande parte não respeita nem a polícia. Eles se acham os "caras" e sabem muito bem da proteção da Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Histórico de desestrutura familiar, de falta de exemplo na família e resultado também de ne-gligência do Estado.
AT: Esses casos que vão parar na delegacia acabam atrapalhando os crimes de fato a serem investigados?
Neves: De maneira nenhuma. Quando há um caso grave, é prioridade para nós. Paramos tudo e vamos resolver para dar uma rápida resposta às vítimas e à sociedade.
AT: Muitos problemas têm drogas envolvidas?
Neves: Com certeza. Álcool e crack na maioria. As mulheres chegam aqui achando que a polícia pode resolver o problema de alcoolismo de mais de dez anos do companheiro. Não é assim. Oriento a procurar os órgãos específicos.
AT: Maior efetivo resolveria essas demandas desnecessárias?

Neves: Só vai suprir a demanda. As pessoas têm que parar de achar que tudo se resolve na delegacia. Quando viram as costas da delegacia e chegam em casa, o problema continua. É separação, busque um advogado. É mais fácil pedir para o delegado dar um susto do que ter uma conversa e resolver de vez uma situação. Falta consciência social.