Além reforçar o combate ao trabalho infantil com alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e na CLT, o deputado propõe regras mais rígidas para a atuação de crianças na área artística
Tramita na Câmara dos Deputados desde o início do ano um projeto de lei cujo objetivo é impedir que se criem brechas legais para o trabalho exercido por crianças e adolescentes com menos de 14 anos de idade – o que se torna viável na condição de aprendiz segundo a versão atual do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA 8.069/90). A ênfase do projeto (PL 4968/2013) está na alteração do artigo 60 do ECA, que diz respeito à participação artística da criança e do adolescente. O deputado federal Jean Wyllys (P-Sol/RJ), autor do PL, afirma que o principal objetivo é criar medidas protetivas para meninos e meninas envolvidos com produções como novelas e filmes, cujas atuações elogiadas muitas vezes são fruto de exaustão e sofrimento nos bastidores. A mudança do ECA também se adéqua à atual redação da Constituição Federal, que institui a idade de 16 anos como mínima para a admissão do trabalho.
No PL de Jean, a participação artística infanto-juvenil antes dos 14 anos de idade conta com uma lista de exigências. Em primeiro lugar, a criança só pode participar da obra se não for possível substituí-la por um adolescente de 16 anos. E caso participe, deve contar com um alvará concedido pela autoridade judiciária do trabalho, incluindo a solicitação formal dos pais ou responsáveis e o consentimento do Ministério Público do Trabalho (MPT). O alvará precisa ainda especificar o limite de horas, o local adequado, o acompanhamento médico, o reforço escolar, entre outras medidas que protejam crianças e adolescentes da situação do trabalho.
Já a anulação de parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 5452 de 1º de maio de 1943), evita que o trabalho infantil seja justificado pela necessidade de providenciar ajuda à renda familiar. A causa do deputado não surgiu à toa. Jean Wyllys teve a infância dedicada ao trabalho a partir dos 10 anos de idade. “Para mim essa é uma pauta muito cara. Tive uma família que viveu em situação de miséria, e a necessidade impunha que eu ajudasse minha mãe, mas ao menos ela nunca quis me tirar da escola”, conta o deputado. A seguir, saiba mais sobre a proposta na entrevista concedida por Jean Wyllys ao Portal dos Direitos das Crianças e Adolescentes da Bahia.
Portal DCA: Há um grande destaque de suas ações voltadas para a questão LGBT na imprensa nacional, o que o motivou a elaborar o projeto de lei contra o trabalho infantil?
JEAN WYLLYS: Sou um defensor dos direitos humanos, incluindo o direito da criança e do adolescente. Não tem como não tocar nesse tema. Como diz Arnaldo Antunes em uma de suas músicas: “Todo mundo foi neném e teve infância.” Eu tive que trabalhar cedo por viver em situação de pobreza. Por isso o trabalho infantil é um tema muito caro para mim. Além disso, atuo em outras questões ligadas à infância e adolescência. Sou vice-presidente da CPI contra a exploração sexual infantil e toco o Plenarinho [projeto em que estudantes sugerem um projeto de lei e se tornam deputados por um dia na Câmara dos Deputados, em Brasília] desde que me tornei deputado. A imprensa dá mais visibilidade à minha atuação na questão LGBT porque não há quem fale publicamente sobre isso.
DCA: Quais ou qual a alteração mais significativa proposta em seu projeto de lei?
JW: Quando a gente fala em trabalho infantil, pensa na criança explorada nas ruas, na carvoaria, nos sinais de trânsito. E no enfrentamento desse tipo de trabalho infantil o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) já é muito bom. Mas a gente não pensa na atuação da criança em campanhas de publicidade ou novelas da TV como trabalho infantil. Não pensa no impacto que geram na vida da criança. Meu projeto fala especialmente desse tipo de trabalho infantil. Um exemplo, com todo o respeito que tenho por Fernando Meirelles [diretor de cinema], é o do menino que chora quando leva um tiro na mão no filme Cidade de Deus. Ele chegou a esse resultado porque a diretora de elenco disse que sua mãe havia morrido. A gente não conhece os bastidores e não pensa no impacto desse tipo de atitude sobre a vida da criança. Ela precisa ser preservada de cenas como essa e do conjunto do filme, seu tempo no estúdio deve ser limitado, ela precisa se alimentar e descansar, entre outros cuidados que garantam seus direitos. Sempre trabalhei como jornalista na OAF [Organização de Auxílio Fraterno] e tive essa preocupação. Agora, como parlamentar, é minha chance de materializar esse projeto.
DCA: O trabalho infantil doméstico este ano é tema da campanha mundial contra o trabalho infantil da OIT. Como o Sr. acha que isso pode ser combatido?
JW: Quando atuei como jornalista, escrevi uma matéria sobre atividades laborais culturais que dependem do aprendizado desde muito cedo, através do ensinamento dos pais. Uma delas é a cerâmica de Maragogipe. Por isso, o trabalho infantil doméstico é um problema que precisa ser discutido com cuidado. É preciso traçar uma linha clara entre a transmissão do trabalho, como no caso da cerâmica, e a exploração doméstica. A resposta para isso é identificar a quantidade de horas em que a criança faz aquela atividade, e a autonomia dela para deixar de participar quando cansar. Ela deve ter prazer em fazer isso. Não vejo problema nenhum em uma mãe e um pai lavarem louça com os filhos, como forma de educação doméstica e assimilação de responsabilidades. Desde que não se imponha como obrigação e não retire da criança o direito de brincar e de se apropriar ludicamente do mundo. Até começar a trabalhar, tive uma infância muito pautada para o lúdico. Brincava de ciranda, de picula. Quando minha mãe ia lavar roupa no rio, a gente ajudava, mas também ficava nadando e brincando. Até aí o meu brincar foi garantido, mas a partir dos 10 anos, eu vendia produtos na rua. Depois trabalhei em bar, que é inadequado para crianças, e em gráfica, mas nunca deixei de ir à escola.
DCA: O projeto já tramita desde o início do ano. Quais são as perspectivas de aprovação?
JW: O projeto é um consenso. Já estive em reunião com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com a Secretaria dos Direitos Humanos, ambos a favor. Além disso, o deputado federal Rogério Carvalho (PT/SE) já topou ser o relator do projeto.