Se a denúncia for encaminhada ao Tribunal de Justiça (TJ) podem ocorrer mudanças no andamento do processo dos réus já denunciados
Mais de 130 dias depois da maior tragédia do Rio Grande do Sul, o futuro do processo com mais de 50 volumes sobre o incêndio na boate Kiss e a morte de 242 pessoas permanece incerto. Enquanto o destino do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, não for decidido por procuradores de Justiça e desembargadores em Porto Alegre — ele pode ser denunciado por homicídio culposo —, tudo que for feito na vara criminal local pode perder o valor, dos depoimentos às audiências.
O apontamento de indícios contra o prefeito é analisado desde 11 de abril pelo Ministério Público (MP). O prazo para decidir pela denúncia ou não de Schirmer estourou há mais de um mês e não há previsão para que a procuradora de Justiça Eva Margarida Brinques de Carvalho se pronuncie sobre sua decisão.
Assolada por uma pilha de mais de 10 mil páginas, a procuradora dos Prefeitos conta com a ajuda de seis promotores. Ampliado recentemente com necessidade de analisar ainda documentos referentes ao inquérito civil protocolados por um dos advogados de defesa no MP, o trabalho não tem prazo para ser concluído.
O maior temor é de que uma eventual denúncia encaminhada ao Tribunal de Justiça (TJ) possa atrasar ou paralisar o andamento do processo em relação aos réus já denunciados, entre eles, os proprietários da casa noturna e os integrantes da banda. Isso porque o desembargador relator do caso na 4ª Câmara Criminal do TJ, Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, pode decidir aproveitar ou não o que está sendo feito na vara criminal de Santa Maria. Até mesmo a separação do processo em dois, decidida recentemente, pode ser revertida. Ou seja: todo o trabalho na esfera judicial pode perder a validade.
Apesar de integrantes do MP e do Judiciário preferirem o silêncio em relação à situação de Schirmer, a decisão da Justiça de ouvir as primeiras testemunhas em audiência em Santa Maria só daqui a duas semanas seria um reflexo da indefinição. O juiz Ulysses Louzada espera ouvir, a partir de 26 de junho, cerca de 13 testemunhas por dia. Antes disso, qualquer esforço poderia ser em vão.
Aguardando o desfecho, Schirmer tem optado também por uma estratégia de poucas palavras. Em entrevista ao Diário de Santa Maria na manhã de sexta-feira, o prefeito se disse convicto de sua inocência no episódio.
Enquanto o rumo do processo criminal não se mostra claro, o MP deve concluir até o final de junho — um mês antes do prazo final — o inquérito civil aberto em 30 de janeiro para investigar possíveis responsabilidades de agentes públicos no caso Kiss. Nove pessoas, bombeiros e funcionários da prefeitura, foram apontados pela Polícia Civil por improbidade administrativa. Ao fim da investigação, esse número pode ser igual, menor ou maior. As penalidades podem chegar a perda do cargo público e a suspensão de direito políticos. O inquérito tem 1,6 mil folhas, divididas em oito volumes. Também reúne o inquérito policial digitalizado e terá o inquérito policial-militar (IPM) em anexo. Já foram ouvidas 30 pessoas — sete da prefeitura, 20 bombeiros e três de outros setores.
O promotor Maurício Trevisan, que conduz o inquérito civil, junto à colega Ivanise de Jesus, não quis adiantar resultados. Sem revelar os nomes de quem prestou depoimento até agora, ele informou que faltam menos de 10 pessoas a serem ouvidas. Trevisan não confirmou se o prefeito Cezar Schirmer está entre os que já prestaram esclarecimentos.
— Estamos investigando o procedimento para concessão de alvarás. As pessoas responsáveis por cada ato acabam entrando na investigação — disse Trevisan.
Já o IPM que apura a conduta de bombeiros no episódio deve apontar até cinco indiciados por falhas na fiscalização da prevenção de incêndio da casa noturna. Prevista para a última sexta-feira, a entrega do inquérito ao Comando-geral foi transferida para este semana por conta da agenda do comandante-geral, Fábio Duarte Fernandes.
Confira cada uma das etapas no Judiciário
Pelo escaninhos da Justiça gaúcha tramita o processo que vai julgar os responsáveis pela maior tragédia da história do Rio Grande do Sul.
O processo
O processo de mais de 50 volumes tramita na 1ª Vara Criminal de Santa Maria. O juiz Ulysses Louzada aceitou, na íntegra, a denúncia feita pelo MP e abriu processo contra oito réus no dia 3 deste mês. Quatro acusados (Elissandro Sphor, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha e Marcelo dos Santos) vão responder criminalmente pelas mortes e pelos feridos. Outros quatro (Gerson Pereira, Renan Severo Berleze, Elton Uroda e Volmir Panzer) responderão por crimes menores. O primeiro passo do processo foi notificar os réus. Está previsto para o dia 26 o início das audiências com tomada de depoimentos. Treze pessoas devem ser ouvidas por dia.
O relator
Após o apontamento do prefeito Cezar Schirmer pela Polícia Civil por indícios de homicídio culposo, o caso foi encaminhado ao Tribunal de Justiça. Como o prefeito tem foro privilegiado, cabe ao TJ se manifestar sobre o futuro de Schirmer. No dia 10 de abril foi escolhido, por sorteio, o relator do processo. O desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da 4ª Câmara Criminal, foi o sorteado.
A análise
O desembargador encaminhou o caso à Procuradoria de Prefeitos do Ministério Público, que avalia se há indícios de crime contra Schirmer.
O MP pode ou não oferecer denúncia contra o prefeito. Desde 11 de abril, seis promotores analisam o material. O período legal para que a análise fosse feita é de 15 dias, mas foi excedido.
A denúncia
Se Schirmer for denunciado pela Procuradoria de Prefeitos, a 4ª Câmara Criminal terá de decidir se aceita ou não a posição do MP. Aceitando a denúncia, desembargadores decidirão se os demais envolvidos serão julgados pelo TJ, com o prefeito, ou pela comarca de Santa Maria.
Caso Schirmer vire réu
O processo criminal deve subir por completo ao TJ. Ou seja, todos os envolvidos serão julgados em Porto Alegre e não mais em Santa Maria. A hipótese de apenas Schirmer ser julgado no Tribunal existe, mas especialistas a consideram improvável. Na prática, juristas ouvidos por Zero Hora acreditam que deve, no mínimo, dobrar o tempo para que os réus sejam julgados. Mantido o enquadramento dos proprietários da casa e dos integrantes da banda por homicídio com dolo eventual, os quatro não iriam mais a júri popular em Santa Maria, mas seriam julgados por desembargadores.
Uma eventual denúncia do prefeito pode também tornar inválidos todos os procedimentos adotados na vara criminal de Santa Maria durante a instrução do processo, entre eles, as audiências e os depoimentos colhidos. Os desembargadores podem decidir ouvir todos novamente e, inclusive, anular a separação do processo. Nesse caso, todos os réus fariam parte novamente de um único processo, que incluiria Schirmer.
Se Schirmer não virar réu
Se não for denunciado pelo MP, a apuração é arquivada pelo TJ, e os processos cindidos seguem normalmente na 1ª Vara Criminal em Santa Maria com os réus já conhecidos.
Mesmo denunciado, Schirmer pode não virar réu se o TJ não concordar com o MP. Neste caso, o MP pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), dependendo do argumento usado pelos desembargadores para arquivar a denúncia.
Em banco de dados, acompanhe a situação dos envolvidos na tragédia:
VÍDEO: a homenagem aos filhos de Santa Maria

Clique na imagem e confira o perfil das 242 vítimas:
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