Protecção pública de menores aplaudida

Esta semana, o Ministério Público apelou à alteração da classificação dos crimes sexuais contra menores, pedindo que passassem a ser considerados crimes públicos. O apelo só peca por tardio, dizem o sociólogo Leung Kai Yin e o professor de Criminologia Spencer Li. O assunto ainda é tabu e as famílias tendem a lidar com ele à porta fechada, explicam.
 Inês Santinhos Gonçalves
Nos primeiros cinco meses de 2013 registou-se um aumento de 60 por cento de casos de abuso sexual de menores, em comparação com o ano passado,  garante o Ministério Público (MP). Este tipo de ofensa é actualmente classificada de crime semi-publico, estando, portanto, dependente de queixa. O MP quer ver isso mudar e apelou esta semana a uma revisão da lei.
“Devia ser a forma mais séria de crime público. [Estes crimes] violam o bem-estar dos membros mais vulneráveis da nossa sociedade”, reage Spencer Li, professor de Criminologia da Universidade de Macau.
O mesmo considera o sociólogo Leung Kai Yin, para quem a actual legislação não protege eficazmente as vítimas. A lei estabelece que quem praticar um “acto sexual de relevo” com um menor de 14 anos é punido com pena de prisão de um a oito anos – a pena é agravada para 14 anos se o agressor for directamente relacionado com a vítima. Nestes casos, não é levado em conta o consentimento ou a idade da pessoa com quem o menor se relaciona. Mas se o menor tiver entre os 14 e os 16 anos, a pena não é automática. De acordo com a lei, “quem praticar acto sexual com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência (…) é punido com pena de prisão até três anos”.
“Em Macau, se a rapariga tiver menos de 14 anos, não interessa se é consentido ou não, o rapaz vai ser acusado de violação. Mas se uma rapariga entre os 14 e 16 anos tiver relações sexuais com um homem ou um rapaz, ele pode não ser responsabilizado criminalmente”, aponta Leung.
Na nota de imprensa, o MP sustentou o seu pedido de mudança para crime público fazendo uso de um exemplo recente: dois casos de “estupro e abuso sexual de crianças, em que os suspeitos tiveram relações sexuais com as suas namoradas, que eram estudantes com menos de 16 anos de idade”.
O sociólogo considera que o crime semi-público “não protege adequadamente as raparigas”, empurrando a responsabilidade de lidar com a questão para os pais, que preferem, muitas vezes, fazê-lo de forma discreta. “Na sociedade chinesa, muitos pais acham que é vergonhoso trazer o assunto para o domínio público. Se o crime for público vai ter mais visibilidade e é uma vergonha para toda a família. Muitos casos são resolvidos casando, mais tarde, o rapaz e a rapariga, ou, em caso de gravidez, fazendo abortos em Zhuhai. A maioria dos pais não reporta à polícia. É mais comum pedirem uma compensação financeira à família do rapaz, entre mil a cinco mil patacas” conta Leung Kai Yin.
Spencer Li aponta também para “razões históricas”, que justificam que os crimes sexuais ainda não sejam públicos: “Muitas pessoas vêem estas questões como assuntos de família, que envolvem parceiros íntimos, mesmo havendo diferenças de idade”.
Li acredita que o aumento do número de casos possa ser justificado por uma maior consciência pública, mas salienta que “muitos casos ficam por reportar”. Com a classificação de crime público, a denúncia pode chegar de várias pessoas com conhecimento dos casos. “As denúncias podem vir de médicos, professores, assistentes sociais, pessoas que têm um contacto regular com as crianças”, aponta.
Leung Kai Yin lembra ainda que o programa de educação sexual em Macau está “ultrapassado” e que seria importante revê-lo, para melhor preparar os jovens, e os pais, para lidar com as questões da sexualidade. “Continua a ser um tabu para muitos pais chineses, não costumam falar dessas coisas com os seus filhos. A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude deve rever a educação sexual nas escolas primárias e secundárias