Bento 16 se distancia de João Paulo II na questão da pedofilia

Le Monde




Nos últimos meses, a torrente de revelações sobre os casos de pedofilia envolvendo padres católicos tiveram repercussões na Igreja Católica e deixaram sequelas. Mas os escândalos e a forma de lidar com eles, por mais caótico que tenha parecido, poderiam permitir ao papa Bento 16 imprimir sua marca em seu pontificado e torná-lo diferente do de João Paulo II, de quem, por mais de vinte anos, foi um dos mais fieis e próximos colaboradores. Já se havia notado o estilo radicalmente diferente dos dois homens, um enfoque aparentemente mais conservador do papa atual em alguns temas, especialmente no caso da liturgia; uma inquietude mais definida diante da maldade do mundo, a descristianização da Europa e a “ausência de Deus”; uma visão mais racional que emocional do mundo e dos assuntos da Igreja. Em cinco anos, Bento 16 renovou e rejuvenesceu uma parcela importante dos funcionários da Cúria, a administração eclesiástica. Mas a questão da pedofilia deverá ficar como a marca principal das divergências entre os dois pontificados.



Em cinco meses, certamente obrigado pelos escândalos de abuso sexual revelados na Irlanda e Alemanha, Bento 16 rompeu com a cultura do silêncio, ainda que em seu próprio ritmo, através de suas palavras, de seus atos e estabelecendo novas regras. Sua carta aos católicos irlandeses, em março, foi o primeiro passo significativo nesse sentido: uma constatação das falhas da instituição católica irlandesa e a acusação direta à sua hierarquia.

Depois, a despeito dos reflexos tão arraigados para proteger a igreja, o papa flexibilizou seu discurso. “A maior perseguição contra a igreja não vem de seus inimigos externos, mas nasce dos pecados da própria igreja”, declarou em maio.



Esse mea culpa coletivo se completou em junho quando pediu “perdão a Deus e às pessoas afetadas. E em julho atualizou as regras canônicas para acelerar os procedimentos e impor sanções mais rápidas quando for o caso.

Esta atitude foi discutida por alguns membros da hierarquia católica, tradicionalmente contidos pelo medo do escândalo e o temor de ter que expulsar a um número importante de sacerdotes culpados. Além de indispor a velha guarda com a nova, essas divergências também deram lugar a trocas públicas de declarações acerbas entre os prelados, coisa rara de se ver no Vaticano. Assim, dos protegidos de João Paulo II, os monsenhores Ângelo Sodano e Darío Castrillón Hoyos, que pareciam justificar o silêncio da igreja, foram repreendidos pelo entorno de Bento 16, sinal da batalha de imagem que se disputa agora no Vaticano sobre esses incidentes.

Esta “sequência vaticana”, que o entorno de Bento 16 sabe que é vital para a credibilidade da instituição religiosa, poderia ter um efeito secundário: frear a beatificação rápida de João Paulo II, processo que há alguns meses já se dava por feito. “Ao destacar a intransigência de Bento 16 diante dos casos de pedofilia, o Vaticano corre o risco, por comparação, de prejudicar a imagem de João Paulo II”, comentou Andrea Tornielli, vaticanista do diário italiano Il Giornale.

O risco é bem real, pois desde 2007 os funcionários encarregados do processo de beatificação questionam a atitude benevolente do papa João Paulo II ante as infâmias cometidas por Marcial Maciel, sacerdote fundador dos Legionários de Cristo, acusado e depois condenado por delitos sexuais. A marginalização do padre Maciel, decretada por Bento 16 em 2006, quando o religioso, já morto, foi acusado pelo Vaticano de “condutas gravíssimas”, constituiu um dos primeiros sinais de ruptura com o pontificado anterior no tema. Agora os Legionários de Cristo se encontram sob a tutela de um prelado nomeado pelo próprio Bento 16.

Depois de anunciar a modificação das regras canônicas aplicáveis nos casos de pedofilia, para que o tratamento dos casos seja mais rápido e mais transparente, agora o Vaticano reitera que se deve respeitar “a justiça civil”. Mas nada assegura que a lei do silêncio observada durante os pontificados anteriores possa ser levantada de maneira total e definitiva.

As recriminações de Roma às disputas da Igreja Católica da Bélgica com a justiça, pela realização de investigações e auditorias na instituição, ressaltam a dificuldade do Vaticano para aceitar a gestão “profana” de seus assuntos.

Foram anunciadas melhoras nos processos de seleção, formação e acompanhamento dos membros do clero, mas ninguém sabe até onde chegarão. Por causa do trauma causado pelos escândalos de pedofilia, alguns bispos propuseram novamente o debate sobre o celibato obrigatório para os sacerdotes. A proposta, no entanto, recebeu uma negativa firme e definitiva nos muros de São Pedro. Se do lado das sanções se levou a cabo uma “limpeza” inédita na Igreja Católica, com as renúncias aceitas de vários bispos de todo o mundo, existe o temor de que a força da inércia da igreja torne a tarefa difícil.

As declarações do bispo de Dublin, Diarmuid Martin, empenhado no saneamento da igreja irlandesa, suscitaram certas esperanças. Em maio, ele manifestou seu desânimo e acusou as “forças poderosas (dentro da igreja) que preferem que não se revele a verdade”.

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