Menores que mataram dono de padaria da Asa Norte eram reincidentes
Mariana Sacramento
Saulo Araújo
Publicação: 24/08/2010 07:46
Centenas de pessoas acompanharam, no Cemitério Campo da Esperança, o velório de Tião, descrito por familiares e amigos como um homem trabalhador e leal
Dois dos adolescentes acusados de tirar a vida do comerciante Sebastião Carneiro de Souza já tinham passado diversas vezes por centros de reabilitação para menores. O mais novo deles, de 14 anos, foi apreendido quatro vezes por lesão corporal, duas por furto, três por porte de drogas, uma por roubo a pedestre e uma por tráfico de drogas. Outro jovem, de 15, praticou dois roubos, o último no mês passado. O terceiro adolescente também foi autor de diversos atos infracionais, mas sua ficha não foi levantada. O trio teria se conhecido numa instituição destinada a jovens que cumprem medida socioeducativa em regime semiaberto, no Gama. Eles ganharam o direito de passar o fim de semana em casa, mas antes decidiram cometer o assalto na Asa Norte. “Como eles já passaram pelo Caje, provavelmente já conheciam bem a região”, ressaltou a delegada-chefe da 2ª DP, Mônica Loureiro.
A indignação pela morte brutal do comerciante era evidente no enterro de Sebastião. Ainda mais por ter sido causada por menores de idade. “Estamos muito abalados. De uma hora para outra você perde uma pessoa querida que dedicou a vida ao trabalho e à família por causa de um moleque desses. Eu acho que a legislação deveria ser revista. Eles (adolescentes) acham que podem fazer e acontecer e ficarão impunes”, desabafou Hélio Medeiros, cunhado da vítima. Centenas de pessoas compareceram ontem à tarde ao Cemitério Campo de Esperança para se despedir do comerciante — descrito por familiares e amigos como trabalhador e leal.
Alguns familiares não aguentaram a dor da despedida e precisaram ser amparados durante o sepultamento. Enquanto isso, o filho único de Sebastião permaneceu todo tempo ao lado do caixão do pai. “Ele deixou um filho de 20 anos e uma neta de seis meses. Impediram-no de ver a família crescer. Espero que esse triste exemplo sirva para mudar alguma coisa. Precisamos viver de esperança”, disse Hélio. Segundo o cunhado da vítima, Sebastião — que abriu a padaria há 30 anos — já tinha sido assaltado diversas vezes. “Dessa vez, ele agiu em solidariedade a um colega.”
A barbárie causou revolta nos comerciantes da 710 Norte, que fizeram questão de comparecer ao enterro. Eles pretendem realizar um protesto ainda esta semana contra a violência na região e em homenagem ao colega de ofício. “É uma dor muito grande. Ele era amigo de todo mundo. Um pai de família dedicado. Eu acho o fim passar por isso. Justiça tem que ser feita”, afirmou Vicente de Paulo Torres da Silva, 55 anos. O amigo conta que Sebastião fazia questão de atender os fregueses atrás do balcão e não costumava tirar férias. “A revolta é que esses meninos são presos e depois estão soltos novamente para cometer outros crimes e fazer novas vítimas. Mas não podemos deixar que as coisas continuem assim”, argumentou a cabeleireira Janaína Batista de Souza, 31 anos, proprietária de um salão de beleza vizinho à padaria de Sebastião.
Efetivo policial é insuficiente
FUGA NO CAJE Quatro rapazes de 18 anos fugiram ontem do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Eles jogavam futebol pela manhã em uma quadra esportiva da unidade. Enquanto o portão abria para a entrada de um automóvel, os jovens aproveitaram e saíram correndo. Os agentes do Caje conseguiram recapturar três deles. O quarto garoto continuava foragido até o fim da tarde de ontem. De acordo com a Secretaria de Justiça, um juiz da Vara de Infância e Juventude foi comunicado da fuga e expedirá o mandado de busca e apreensão. Ao contrário dos rapazes que mataram Sebastião, os fugitivos já atingiram a maioridade. Estavam no Caje porque cumpriam medidas socioeducativas relativas a delitos anteriores.
>> Lucas Tolentino
Especial para o Correio
Crimes como o que tirou a vida de Sebastião Carneiro de Sousa, 52 anos, colocam a população da Asa Norte em estado de alerta. Moradores, comerciantes e frequentadores ficam cada vez mais preocupados com a quantidade de ocorrências no local (veja Memória). A segurança da área compete ao 3º Batalhão de Polícia Militar. A unidade, no entanto, também é responsável pelo patrulhamento da Vila Planalto, da Granja do Torto, do Setor Militar Urbano e dos pontos centrais do lado norte do Plano Piloto. Ao todo, 360 policiais percorrem toda a região.
A equipe designada para coibir as infrações na extensa área está abaixo do necessário. O subcomandante do 3º Batalhão da PM, major Giuliano Costa de Oliveira, conta que o quadro organizacional da unidade prevê 600 policiais. “A população da Asa Norte é muito grande”, explica. “O ideal seria trabalhar com todo o efetivo. Mas nos desdobramos para atender a demanda.” Quinze viaturas servem o 3º BPM. O major acrescenta que os maiores problemas do local são os furtos em veículos e em residências. “Os assaltos a comércios aumentaram no mês passado.”
A quadra onde Sebastião morreu fica a cerca de 200 metros do Posto Comunitário de Segurança (PCS) da 709/909 Norte. O presidente do Conselho Comunitário do bairro, Raphael Rios, afirma que, sozinho, o equipamento não surte efeitos. “É como se você colocasse uma bandeira de aviso para os bandidos. Mas os agentes têm de sair, circular pelas ruas. Não basta ficar lá dentro”, opina. Rios ressalta que as autoridades esperam os crimes hediondos se concretizarem para adotar soluções. “O grande problema é que a polícia tem sido reativa.”
De acordo com a corporação, as diretrizes de funcionamento dos postos garantem que as equipes devem receber e despachar as demandas dos moradores, mas podem ir às ruas em ocorrências mais graves. “O policiamento ostensivo é feito pelas patrulhas. Mas, dependendo do caso, eles mesmos fazem o socorro”, enfatiza o assessor de Polícia Comunitária do Comando Geral da PMDF, coronel Walter Sobrinho. Segundo ele, a proximidade do local do assassinato com o PCS da 709/909 Norte não garante o pronto atendimento. “Provavelmente, não deu para eles ouvirem os disparos”, explica o coronel Sobrinho. “O infrator tem artimanhas para cometer o crime sem ser visto”, afirma o major Giuliano.
memória
Rotina de crimes
29 de março - Thiago de Almeida Martins, 29 anos, levou dois tiros ao tentar impedir o roubo de um malote de dinheiro. O homem, que trabalhava como segurança de uma loja da 306 Norte, morreu antes de receber socorro.
28 de maio - Uma mulher foi encontrada morta com as mãos atadas em um apartamento da 308 Norte. As investigações apontaram que Ana Maria Pinto da Costa, 23 anos, seria garota de programa e usaria o local do crime para atender clientes.
7 de julho - Três homens com os rostos cobertos invadiram uma pizzaria da 214 Norte. Armados, eles levaram dinheiro e objetos pessoais dos clientes. Durante o arrastão, os criminosos trancaram as pessoas em uma sala do estabelecimento. No mesmo dia, o canteiro de obras da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação (FACE) foi assaltado. Dois homens roubaram aparelhos eletrônicos, quatro cartões de crédito, documentos e cerca de R$ 160.
10 de julho - Um casal de adolescentes é baleado depois de um assalto na 706 Norte. Os jovens de 16 anos entregaram o que tinham nos bolsos ao assaltante. Insatisfeito, o bandido efetuou os disparos. Após cirurgias, os dois tiveram alta médica. Não ficaram com sequelas.
11 de julho - Três homens armados invadiram as portarias de dois blocos residenciais da 109 Norte, renderam os porteiros e levaram aparelhos eletrônicos, celulares e dinheiro. O trio ainda assaltou o posto de gasolina da mesma quadra.
Hospital não tinha aparelho
Além da falta de segurança, a morte de Sebastião chamou a atenção para a precária aparelhagem da rede pública de saúde. Antes de ser operado no Hospital de Base (HBDF), o comerciante não foi submetido a tomografia. “O único lugar que tinha o tomógrafo era no Hospital do Paranoá. Devido ao estado de saúde dele (Sebastião), a transferência seria arriscada”, disse o cunhado do comerciante, Hélio Medeiros.
Um terço dos aparelhos de tomografia que atendem à população do DF passa por reparos, de acordo com a Secretaria de Saúde. Dos nove equipamentos, três estão inoperantes — dois do HBDF e outro do Hospital Regional da Asa Norte. O tempo médio de espera para a realização do exame é de quatro a cinco meses. A secretaria informou que “não há previsão de funcionamento dos aparelhos, mas já está em andamento processo para compra das peças necessárias para os reparos.”
Enquanto isso, a gerente comercial Matilde Farias, 32 anos, luta para que o irmão seja submetido ao exame. O paciente está há dois meses internado no Hospital de Base com graves problemas neurológicos. “Dizem que uma peça está quebrada. E precisa vir de São Paulo. Estou preocupada com ele e com os demais. Ele é apenas um entre mil”, afirmou Matilde. A reportagem entrou em contato com o HBDF, mas não obteve retorno
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agosto 25, 2010
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