Caso de pedofilia obrigou políticos a alterar as leis

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Os sete arguidos do caso de pedofilia, acusados de crimes de abuso sexual, vão conhecer a sentença no dia 3, após mais de cinco anos passados em tribunal. É o fim do julgamento de um processo iniciado a 23 de Novembro de 2002 que escandalizou os portugueses, abalou os mundos da política e da justiça e, sobretudo, provocou uma revolução das leis penais.

O julgamento do processo de pedofilia da Casa Pia chega dia 3 ao fim. Os sete arguidos acusados por crimes de abuso sexual vão conhecer a sentença no Campus da Justiça de Lisboa, depois de mais de cinco anos de audiências. É o mais longo julgamento da história da justiça portuguesa. Mas não só: é também o caso que mais influenciou os políticos a alterar as leis penais, originando a reforma dos códigos Penal e de Processual Penal aprovada em 2007. Essa reforma, porém, foi novamente alterada ao cair do pano do julgamento, sem que tivesse havido, sequer, mudança de Governo.

O escândalo rebentou em Novembro de 2002 e, depois disso, muita coisa mudou no mundo do judiciário, nomeadamente as mais polémicas leis penais - prisão preventiva, segredo de justiça, prazos da investigação, detenção em flagrante delito, escutas telefónicas. Mexeu-se também no mapa judiciário, férias judiciais e decidiu-se a "morte" do Tribunal da Boa Hora.

O caso fica, assim, conotado com um dos períodos de maior turbulência da justiça em Portugal e também com o maior fiasco da política legislativa: as normas penais alteradas em 2007, por influência daquele processo, voltaram a ser alteradas no Parlamento no início de Agosto, com o aval do PS e do PSD, incluindo a questão das férias judiciais, que o Presidente da República acaba de promulgar. Nalguns casos, voltou-se a repor as leis anteriores a 2007.

Quanto ao Tribunal da Boa Hora, o velho convento continua a ser invocado, não tanto pelo edifício em si, mas pela alternativa encontrada: o Estado arrendou o Campus da Justiça, no Parque das Nações, por 1,2 milhões de euros mensais, mas recentemente o presidente do tribunal fez saber que ali não existem sequer condições para se praticar a justiça. Entretanto, a entrada em vigor do novo mapa judiciário foi adiada para 2014. Ou seja, a revolução judiciária da Casa Pia revelou- -se uma mão-cheia de quase nada.

Hoje, ao ver alterar-se novamente as leis que haviam sido mudadas há menos de três anos, aponta-se o dedo à influência do caso de pedofilia sobre o legislador. "Legislou-se a pensar num caso concreto", acusam. "Foi um erro", garantem.

Recorde-se, porém, que um ano após o escândalo, ou seja, em Dezembro de 2003, realizou-se o Congresso da Justiça, o evento mais marcante da justiça portuguesa neste terceiro milénio. Nele participaram todos os operadores judiciários, e só depois disso, ainda com o Governo PSD no poder, no fervilhar do escândalo de pedofilia, com a comunicação social a conotar com o processo nomes de relevo, como Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues, Jaime Gama, Carlos Cruz, Herman José, é que se falou na possibilidade de se alterar as leis penais com base nas propostas do Congresso.

Foi no seguimento daquele encontro que os dois principais partidos, PS e PSD, formalizaram um pacto de regime para avançarem com a reforma dos códigos Penal e Processo Penal. Em 2005, já com o PS no Governo, foi criada uma comissão de trabalho, presidida pelo actual ministro da Administração Interna, Rui Pereira, com representantes de todos os sectores judiciários, para se pensar as alterações. Em 2007, a reforma foi aprovada com os votos do PSD e do PS, a abstenção do CDS/PP e os votos contra dos restantes.

Tudo aconteceu enquanto Carlos Cruz, Carlos Silvino, Manuel Abrantes, Jorge Ritto, Hugo Marçal, Ferreira Diniz, e Gertrudes Nunes eram julgados por crimes de abuso sexual. Termina o julgamento, e algumas das leis mudadas em 2007 voltaram agora a ser alteradas.

Os sete arguidos

Carlos Silvino, Bibi

Ex-funcionário da Casa Pia Tem 53 anos e 450 euros de reforma. Foi aluno da instituição desde os quatro anos. Passou a funcionário aos 19 anos.

Acusado 639 crimes de natureza sexual, abusos sexuais e lenocínio em relação a 32 jovens.

Carlos Cruz

Apresentador de televisão Tem 68 anos e 3100 euros de reforma. Foi director de programas da RTP e foi o rosto de Portugal na candidatura ao Euro 2004.

Acusado seis crimes - cinco de abusos e um de actos com adolescentes - sobre três jovens.
Ferreira Dinis

Médico tem 55 anos e seis mil euros de rendimentos. Foi médico de alunos da Casa Pia ao longo de vários anos.

Acusado 18 crimes de abusos sexuais, cometidos em Elvas e no seu consultório, em Belém.

Jorge Ritto

Embaixador 74 anos, tem 3045 euros de aposentação. O embaixador melómano e reservado assumiu em tribunal as suas tendências homossexuais
Acusado 11 crimes, nove de abusos e dois de lenocínio em Cascais, Lisboa e na casa de Elvas.

Manuel Abrantes

Ex-provedor adjunto da Casa Pia 55 anos, tem 2200 euros de reforma. Aos 11 anos estudava na instituição onde depois fez carreira.
Acusado 51 crimes: 48 de abusos sexuais, dois de lenocínio e um de peculato.
Hugo Marçal

Ex-advogado 49 anos, tem 1800 euros de rendimento. Chegou a defender Bibi durante quase dois meses, mas passou depois à condição de arguido.
Acusado 36 crimes de abusos sexuais e lenocínio referentes à "casa das orgias", em Elvas.

Gertrudes Nunes

Dona da casa de Elvas 68 anos, tem de reforma 400 euros. Foi-lhe imputada a cedência da sua habitação para que os arguidos praticassem actos sexuais.



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