Casos de pedofilia provocam tensão diplomática entre o Vaticano e a Irlanda


O Vaticano convocou nesta segunda-feira (25/7) "para consultar" seu núncio apostólico na Irlanda, num gesto que ilustra a tensão entre a Santa Sé e o país católico traumatizado por centenas de casos de abusos sexuais de crianças por parte de autoridades religiosas.
A medida incomum foi anunciada uma semana depois que o primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny, acusou a Santa Sé de ter impedido investigações sobre um relatório que revelava atos de pedofilia cometidos em 1996 e 2009 por 19 sacerdotes da diocese de Cloyne, no sul do país. "O estupro e a tortura dos meninos foram subestimados ou 'administrados' para preservar a instituição, seu poder e sua reputação", denunciou Kenny.
O Vaticano considerou que essas alegações eram "exageradas". Segundo Kenny, "o relatório Cloyne põe em evidência a disfunção, a desconexão (da realidade), o elitismo e o narcisismo que dominam a cultura do Vaticano".
O relatório, publicado no dia 14 de julho, aponta que as quarenta vítimas, que a investigação estudou, sentiram-se "abandonadas pela Igreja". "Tiveram a impressão (...) de que a única preocupação (da Igreja católica) era proteger a instituição, mais do que o bem-estar dos meninos", acrescenta. Vários eclesiásticos mencionados já faleceram, mas três deles foram denunciados na justiça.
O Vaticano explicou que a convocação para consultas de seu núncio (embaixador) Giuseppe Leanza era uma medida "em que o Vaticano recorre raramente" e que tinha por objetivo preparar a resposta ao governo irlandês. "Isto demonstra a seriedade da situação e a vontade da Santa Sé em enfrentá-la com objetividade e determinação", declarou à imprensa um responsável do Vaticano, que expressou sua "surpresa e desapontamento por algumas reações exageradas".
O governo irlandês comentou sobriamente que a convocação do núncio era "um assunto da Santa Sé" e que considerava "previsível que o Vaticano quisesse consultar amplamente o núncio" a respeito da situação.
A Igreja da Irlanda sofre uma forte perda de prestígio desde a publicação em novembro de 2009 de um relatório que revelou abusos sexuais de meninos cometidos durante décadas por sacerdotes e membros de ordens religiosas e os esforços da hierarquia eclesiástica da região de Dublin para ocultar as denúncias.
O papa Bento XVI denunciou, após a divulgação do documento, a inércia da hierarquia católica da Irlanda e exigiu medidas "concretas" para restaurar a credibilidade moral e espiritual da Igreja. Bento XVI também enviou uma mensagem pastoral aos católicos irlandeses, que se tornou o primeiro documento firmado por um Papa no que aborda o tema da pedofilia.
Em sua Carta Pastoral, o Papa expressa sua "vergonha" e seu "remorso" e afirma que os sacerdotes culpados de abusos sexuais deverão responder tanto "diante de Deus" quanto à justiça.
A cultura da ocultação foi acatada por décadas pelos clérigos até que em 2000 estourou um grave escândalo de pedofilia nos Estados Unidos, seguido por outras denúncias em vários países da Europa - incluindo a Alemanha, o país do Papa - e da América Latina, como México, Brasil e Chile.



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