Atendimento a crianças abusadas cai 40%

Henrique Munhos
Especial para o Diário


O número de novos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes atendidos pelo Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância) em 2010 caiu 40% em relação a 2009. Ao contrário do que parece, autoridades no assunto afirmam que a estatística não é positiva, e um caminho árduo ainda tem de ser percorrido para combater este tipo de crime.
A coordenadora técnica do Crami, Ligia Vezzaro Caravieri, 41 anos, explicou que houve mudança no fluxo de atendimento. Essa seria uma das causas para a diminuição. Antes de a vítima ser encaminhada ao serviço, passa pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social dos municípios. Por isso, a redução de casos atendidos não significa que os crimes tenham diminuído.
O Crami trabalha em Santo André, São Bernardo e Diadema. Em Santo André, foram 13 casos novos de abuso sexual atendidos em 2010, contra 30 de 2009. Em São Bernardo, a diminuição foi ainda mais significativa: de 63 para 22 casos novos. Diadema teve seus registros praticamente inalterados, com 26 casos atendidos em 2009 e 27 em 2010.
O juiz da Vara da Infância e Juventude de São Bernardo, Luiz Carlos Ditommaso, atribuiu a queda de atendimentos do Crami ao fato de que muitos ainda se calarem diante da exploração sexual contra crianças e adolescentes. "O mais difícil ainda é a identificação destes casos. As pessoas têm muito medo de falar."
Dos casos notificados pelo Crami em 2010, 73% das crianças afetadas eram meninas. A maior parte dos abusados tinha entre 8 e 12 anos (42%), seguidos da faixa etária de 2 a 7 anos (33%) e dos 13 aos 18 anos (25%).
A maioria dos crimes acontece dentro da própria família. Pais e mães são os abusadores em 44% das vezes. Em outras 32%, outros parentes estão envolvidos. Os padrastos são os criminosos em 19% das oportunidades.
Para o mestre em assistência social Marcelo Gallo, que realizou pesquisa a pedido da Fundação Criança, a forma como esses crimes são cometidos fazem com que muitos casos sejam velados. "As pessoas travam ao falar de sexo. Como muitos desses casos são intra-familiares, as pessoas não denunciam. Acontece o chamado segredo de família."
Médicos e professores são fundamentais para identificação dos casos. "Os médicos devem sentir as alterações no corpo da criança, enquanto os professores, que estão com eles quase todos os dias, devem notar a mudança em seus comportamentos," declarou o promotor de justiça da Vara da Infância e Juventude de São Bernardo, Jairo Edward de Luca.
Outro ponto fundamental na discussão é punição e o tratamento dos abusadores. "A pena para estupro de vulnerável, com menos de 14 anos, chega a 12 anos de prisão. Com a progressão da pena, esse criminoso vai para o regime semiaberto. Portanto a vítima provavelmente verá o algoz depois do crime. É necessário tratamento psicológico na cadeia, pois cedo ou tarde ele voltará à rua," diz Ditommaso. O Crami da região é o único que trata o agressor, além da criança abusada.

Menina foi abusada com o consentimento da mãe 
Moradora do bairro Cooperativa, em São Bernardo, uma jovem de 16 anos chora todos os dias ao lembrar do que passou. Aos 12 anos, foi estuprada em um motel. "Uma amiga minha me apresentou um rapaz e ele, a força, me levou ao motel e me amarrou na cama", contou.
A mesma garota viveu outra situação de abuso no ano passado. A mãe dela trabalhava como empregada doméstica e a levava junto. O patrão, 42 anos, abusava da jovem e dava a ela R$ 30. Tudo isso com o consentimento da mãe.
O dinheiro era usado para comprar pedras de crack, droga em que a jovem se viciou a partir dos 12 anos. Antes de conhecer o empregador da mãe, a menina chegou a se prostituir. "Odiava fazer isso. Mas precisava do dinheiro para comprar droga", admitiu. 
ATENDIMENTO
Quando completou 15 anos, a adolescente e a família começaram a frequentar osserviços de apoio. Foi quando a história do abuso veio à tona. O patrão da mãe vem sendo investigado por pedofilia após a denúncia da menina. "Muitas garotas faziam o mesmo e iam na casa dele direto", declarou a jovem.
Sem usar drogas há seis meses, após a chegada no abrigo Arco-Íris, a garota sonha em ser educadora e morar novamente com os pais. "Eles gostam muito de mim e eu gosto muito deles também", completou.

Crami tem dificuldade em localizar vítimas de exploração 
Os três municípios em que o Crami trabalha registraram apenas dois casos novos de exploração sexual. De acordo com a coordenadora técnica do centro, Ligia Vezzaro Caravieri, nesse tipo de crime o tratamento das vítimas é mais complexo.
"Em geral, são crianças que estão na rua. Portanto, é difícil que elas venham realizar tratamento. Quando saímos à procura, dificilmente as encontramos."
É o caso de uma jovem de 15 anos, que morava com a mãe e sete irmãos no bairro Ferrazópolis, em São Bernardo. Ela começou a usar drogas com 10 anos e, aos 12, fugiu de casa. "Não tinha como morar com minha mãe. Ela batia em mim e nos meus irmãos toda semana."
Durante cinco meses, a menina se prostituiu com uma amiga para conseguir dinheiro. "Chegamos a conseguir R$ 100 em uma noite," afirmou a menina, que cobrava R$ 20 por programa. A maior parte dos clientes era de homens acima de 40 anos.
Encontrada por um homem ligado à Fundação Criança, a adolescente foi para o abrigo Arco-Íris. Anos antes, por conta da falta de condição da mãe, a menina e seus irmãos já haviam passado pelo serviço de acolhimento. Hoje, sete dos oito irmãos estão sob responsabilidade da entidade.
Há três anos no Arco-Íris, a jovem conta que foge para usar crack. "Gosto daqui e recebo carinho. Porém, em alguns momentos, sinto raiva e preciso de liberdade."

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