A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes está entre as situações que mais geram comoção na sociedade. Nos últimos anos, não foram poucos os casos de abuso sexual, exploração sexual comercial, pedofilia, entre outras violações de direitos que ganharam repercussão no noticiário – o que motivou entre cidadãos e cidadãs, além do compreensível sentimento de indignação, a percepção de que vêm aumentando os registros desse tipo de violência no Brasil. De fato, o problema tem alcançado maior visibilidade desde meados dos anos 1990, quando movimentos organizados da sociedade civil, setores governamentais e organismos internacionais, entre outros atores, passaram a debater mais abertamente tal realidade – impulsionados, em grande parte, por um processo mundial de mobilização.
No entanto, mais do que um cenário de aumento puro e simples dos casos de violência sexual, o que as estatísticas revelam é uma expansão na quantidade de denúncias registradas. Um exemplo dessa realidade é o volume de ligações recebidas pelo Disque Denúncia Nacional, o serviço telefônico coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Em 2007, foram contabilizadas 7.121 denúncias de abuso sexual. Em 2009, esse número subiu para 9.638. Tal contexto pode ser associado ao fato de o pacto de silêncio e o tabu, que sempre marcaram o fenômeno, estarem sendo progressivamente desconstruídos.
Não resta dúvida de que a imprensa brasileira passou a ter um importante papel nesse contexto. Como demonstram os estudos conduzidos pela ANDI sobre a cobertura dos temas relacionados aos direitos das novas gerações, vem crescendo nos jornais a presença de pautas cujo foco são os crimes sexuais cometidos contra a população infanto-juvenil. Em 2005, os temas ligados a abuso e exploração sexual correspondiam a 4,08% do total de matérias publicadas nos 53 jornais acompanhados pela ANDI. Em 2009, essa taxa já era de 5,14%. Cabe perguntar, contudo, com quais limites os jornalistas têm se deparado ao lidar com uma realidade tão complexa e multifacetada. Existe uma abordagem diferenciada no noticiário em relação aos vários tipos de violência sexual identificados no País?
ABUSO SEXUAL X EXPLORAÇÃO SEXUAL
Tratar o Abuso Sexual e a Exploração Sexual como sinônimos é um equívoco bastante frequente na abordagem de questões relacionadas à violência sexual contra crianças e adolescentes, seja no noticiário, seja na voz das próprias fontes de informação. Como veremos, há de fato elementos comuns – como os relacionados, por exemplo, às conseqüências para as vítimas – que permeiam os vários crimes sexuais praticados contra meninos e meninas. No entanto, conhecer e diferenciar as diversas outras características que também definem essas formas de violência é um passo necessário no processo de mobilização e conscientização da sociedade.
Como afirma o documento Abuso Sexual Infantil y Explotación Sexual Comercial Infantil em América Latina y El Caribe – Informe Genérico Situacional, produzido em 2006 pela Save The Children Suécia, o principal elemento de diferenciação entre esses dois tipos de crime está relacionado ao interesse financeiro que está por trás da Exploração Sexual. Daí, inclusive, o fato de muitas instituições e especialistas terem passado a explicitar o termo “comercial” ao referir-se aos casos de exploração de crianças e adolescentes no âmbito da prostituição.
Em uma definição mais geral, podemos dizer que tanto o Abuso Sexual quanto a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes fazem parte de um conjunto de condutas exercidas, com ou sem consentimento dos vitimados, por uma pessoa maior de idade, que utiliza seu poder ou autoridade para a obtenção de favores ou vantagens sexuais. Para facilitar o entendimento sobre a diferença entre o Abuso e a Exploração Sexual sintetizamos a seguir, ainda que possa parecer redundante, a definição conceitual usualmente utilizada pelos especialistas.
Abuso Sexual – O abuso sexual pode se manifestar dentro ou fora da família e acontece pela utilização do corpo de uma criança ou adolescente para a satisfação sexual de um adulto, com ou sem o uso da violência física. Desnudar, tocar, acariciar as partes íntimas, levar a criança a assistir ou participar de práticas sexuais de qualquer natureza também constituem características desse tipo de crime.
Exploração Sexual Comercial (ESCCA) – Consiste na utilização de crianças e adolescentes em atividades sexuais remuneradas, como a exploração no comércio do sexo, a pornografia infantil ou a exibição em espetáculos sexuais públicos ou privados. A ESCCA não se restringe aos casos em que ocorre o ato sexual propriamente, mas inclui também qualquer outra forma de relação sexual ou atividade erótica que implique proximidade físico-sexual entre a vítima e o explorador. Segundo a definição elaborada no I Congresso Mundial de Combate à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes – realizado em Estocolmo, Suécia, em 1996 –, nesse tipo de violação aos direitos infanto-juvenis, o menino ou menina explorado passa a ser tratado como um objeto sexual ou mercadoria. Assim ficam sujeitos a diferentes formas de coerção e violência – o que, em muitos casos, implica trabalho forçado e outras formas contemporâneas de escravidão. É esse cenário de subjugação dos mais fortes pelos mais fracos que torna inadequado o uso do termo “prostituição” para identificar crianças e adolescentes vítimas de Exploração Sexual.
Conceitos científicos
A Organização Mundial de Saúde considera a pedofilia como a preferência sexual por meninos e/ou meninas pré-púberes ou no início da puberdade. A Associação Americana de Psiquiatria detalha um pouco mais a noção, classificando pedofilia dentro do grupo das parafilias, que são anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que causam sofrimento ou prejuízo da vida social ou ocupacional do indivíduo. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação, a pedofilia “envolve atividade sexual com uma criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos)” e o indivíduo com pedofilia deve ter acima de 16 anos e ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança com a qual ele tem relação sexual ou deseja ter.
A Organização Mundial de Saúde considera a pedofilia como a preferência sexual por meninos e/ou meninas pré-púberes ou no início da puberdade. A Associação Americana de Psiquiatria detalha um pouco mais a noção, classificando pedofilia dentro do grupo das parafilias, que são anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que causam sofrimento ou prejuízo da vida social ou ocupacional do indivíduo. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação, a pedofilia “envolve atividade sexual com uma criança pré-púbere (geralmente com 13 anos ou menos)” e o indivíduo com pedofilia deve ter acima de 16 anos e ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança com a qual ele tem relação sexual ou deseja ter.
ABUSO SEXUAL X PEDOFILIA
Embora a atual movimentação de governos, meios de comunicação e sociedade no enfrentamento da violência sexual represente um grande avanço, ainda é comum ver os termos “pedofilia” e “abuso sexual” sendo usados como se fossem sinônimos. É preciso ressaltar, no entanto, que uma diferenciação mais clara entre esses dois conceitos pode ser útil para qualificar a cobertura midiática e as ações governamentais de enfrentamento do problema e responsabilização de ofensores sexuais.
O conceito psiquiátrico de pedofilia diz respeito ao transtorno comportamental de indivíduos que sentem atração sexual por crianças. “O pedófilo é aquele que preferencialmente tem a sua libido exacerbada com a presença da criança e, principalmente, crianças muito pequenas”, explica o psiquiatra José Raimundo Lippi, presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais e coordenador do Ambulatório Especial para Acolhimento e Tratamento de Famílias Incestuosas (Amefi), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ao chamar de pedofilia qualquer ofensa sexual contra a criança, somos levados a ignorar o fato de que nem todo abusador sexual é um pedófilo, como explica a representante do Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Luiza Moura Oliveira: “algumas dessas pessoas podem ter realmente uma compulsão por sexo com crianças, mas outras se aproveitam de situações em que as crianças ficam mais expostas e vulneráveis para obter prazer sexual”.
LEGISLAÇÃO
É importante deixar claro que a pedofilia não é um conceito de origem jurídica, mas um transtorno que pode levar o indivíduo a praticar crimes como o abuso sexual contra crianças e adolescentes e a divulgação e o armazenamento de conteúdos de pornografia infantil. Na legislação brasileira, por exemplo, o termo “pedofilia” não é citado em nenhum momento. “Não se julga a pedofilia. A tarefa do juiz da infância é dar a sentença de absolvição ou de condenação em um processo sobre abuso sexual”, explica o Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, José Antônio Daltoé Cezar, que integra a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).
De acordo com o magistrado, quando um processo entra em julgamento, o juiz não procura saber se o réu sofre ou não de pedofilia, devendo apenas considerar se o suposto abusador tem consciência de seus atos. “A pessoa pode ter esse transtorno, mas isso não afasta sua responsabilidade, se ele tiver agido conscientemente. No conceito médico, o pedófilo é compulsivo, mas sabe o que está fazendo”, afirma. O juiz defende, entretanto, que o sistema penitenciário brasileiro ainda precisa ser equipado para que abusadores diagnosticados com transtornos sexuais sejam tratados para poder retornar ao convívio social. Nesses casos, apenas a reclusão não seria suficiente para impedir a reincidência.
TRATAMENTO
Embora não haja consenso se a melhor forma de tratar da pedofilia é a intervenção química e/ou psicoterápica, o psiquiatra José Raimundo Lippi afirma que o enfrentamento da ofensa sexual contra crianças e adolescentes deve ser encarado também como questão de saúde pública, não se restringindo a uma abordagem criminalista. “O que se tem hoje é o atendimento do clamor público pela punição. Evidentemente que o pedófilo que comete a ofensa sexual é perigoso e deve ser isolado, mas, ao mesmo tempo, ele precisa de tratamento”, afirma o especialista.
Para o psiquiatra, é importante garantir tanto o tratamento de abusadores já condenados quanto o de indivíduos que ainda não cometeram algum crime do tipo, mas se sentem atraídos sexualmente por crianças. Ele avalia, contudo, que esse trabalho é dificultado em função de todo o horror relacionado a casos de abuso e aos tabus da sexualidade: “uma pessoa teria muito receio de ir até um ambulatório que atende a possíveis pedófilos. No caso do Amefi, por exemplo, atendemos apenas a casos de incesto que foram encaminhados pela justiça”.
Embora ainda seja difícil que o pedófilo reconheça seu transtorno e procure ajuda, a psicóloga Maria Luiza afirma que é preciso abrir espaço para que essas pessoas se dirijam voluntariamente para o tratamento. Ela cita o exemplo do Projeto Invertendo a Rota: Ações de Enfrentamento da Exploração Sexual Infanto-Juvenil em Goiás, realizado desde 2004 pelo Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ), da Universidade Católica de Goiás (UCG). De acordo com a psicóloga, que participou da coordenação do Projeto, houve a disponibilização de uma linha telefônica para atender pessoas que acreditassem sentir atração compulsiva por crianças. Em uma das etapas do programa, quando a linha ficou disponível por um período de três dias, recebeu mais de 200 ligações, permitindo o encaminhamento de pelo menos 50 pessoas para tratamento.
Compromisso
O item 34 do Documento Final do III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes aponta para necessidade de se tratar abusadores sexuais condenados, garantindo, assim, a reintegração segura desses indivíduos ao convívio social após o cumprimento das devidas sanções criminais.
O item 34 do Documento Final do III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes aponta para necessidade de se tratar abusadores sexuais condenados, garantindo, assim, a reintegração segura desses indivíduos ao convívio social após o cumprimento das devidas sanções criminais.
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