Roma (RV) - Nesta quinta-feira, último dia do Simpósio sobre os abusos sexuais cometidos pelo clero, na Universidade Gregoriana, em Roma, circularam afirmações presumivelmente feitas pelo conferencista brasileiro, psicólogo e terapeuta, Pe. Edênio Valle. Estas afirmações tiveram repercussão na imprensa nacional e internacional.
Rádio Vaticano: A Igreja do Brasil não sabe enfrentar a pedofilia?
Padre Edênio: “Na realidade, a maneira como a Igreja no Brasil - e por Igreja eu penso que não podemos entender só o Episcopado, a CNBB - está um pouco perplexa, sobretudo vendo o que acontece em outros países, quando somos bem informados a respeito e está em busca de respostas neste campo. Eu penso que a própria sociedade e no campo psicológico, a própria psicologia, também estão em busca de respostas mais adequadas a um problema sério e profundo que tem a ver com a realidade cultural e a estrutura social do mundo de hoje. Então, o que penso é que resta muito a fazer à nossa Igreja, seja no campo da discussão sobre a sexualidade, como ela é vivida pelo povo, como um cristão, um católico deveria viver isso, e a formação do próprio ministro ordenado ou não-ordenado, e também do laicato. Esta questão está em aberto no mundo todo. Veja, por exemplo, meia hora atrás, falou no Simpósio o Cardeal Reinhard Marx, Arcebispo de Munique. Ele está há pouco tempo na direção, mas ele mostrou a linha de ação de sua Arquidiocese, assumida pelos bispos da Baviera e posteriormente pela Conferência Episcopal. É um trabalho intenso, a médio prazo. À luz disto, penso que a nossa Igreja – até por falta de recursos – vai ter certa dificuldade em se posicionar pastoralmente, pedagogicamente e também no campo do pensamento católico, de um modo geral, dentro das atuais tendências presentes na cultura brasileira. De maneira alguma, disse que a Igreja no Brasil não sabe ou está perdida, tanto que na minha própria palestra, mencionei o recente documento que por ocasião da última Assembleia da CNBB foi aprovado na linha daquilo que a Santa Sé está pedindo aos episcopados nacionais”.
RV: Os meios de comunicação internacionais publicaram que o senhor teria dito: “Formulo que a relativa moderação no tocante aos escândalos dos sacerdotes católicos se deve ao fato de que a pedofilia e a efebofilia são comportamentos culturais mais tolerados no Brasil do que nos países da Europa e da América do Norte”.
Pe. Edênio: “Isso eu afirmo mesmo. Eu conheço os Estados Unidos e alguns países europeus. Morei na Europa treze anos e conheço (a causa) como cientista. Eu sou professor universitário e trabalho no Instituto de Psicoterapia – não só para clérigos – mas especializado. Então, vendo a maneira como países de tradição puritana, em geral protestantes, agem em relação à expressão da afetividade, e o caso dos Estados Unidos, há uma atitude por parte das orientações na qual há o perigo de a criança passar a ter medo de qualquer adulto. Eles chamam isso de 'bandeiras vermelhas', sinais vermelhos, 'red flags'. Isso nós ouvimos aqui e vão para uma linha de tolerância zero. Agora, no nosso país, devido à sua formação histórico-cultural, e à sua realidade social, com milhões e milhões de famílias pobres, de fato com a questão da pedofilia e, sobretudo, da efebofilia – que é o abuso sexual de adolescentes a partir dos 14 até os 18 anos – há muita tolerância. Isso não se passa em ambientes católicos norte-americanos e a ação dos bispos lá repercutia isso. Em São Paulo, no dia do Parada do Orgulho Gay, reúnem-se na Avenida Paulista dois milhões de pessoas. Isso tem um impacto cultural e a pedofilia é um capítulo pequeno, o problema está em outra direção. Ao mesmo tempo, qualquer estudante de psicologia sabe que não se pode identificar pedofilia com a tendência homossexual, são duas coisas diferentes. Na realidade, há uma permissividade muito grande que é reforçada pelas grandes redes de televisão e, de um modo geral, pela cultura, pelas revistas. Então, tudo isso torna esse tipo de escândalo menos pesado que em países como a Alemanha e Estados Unidos. É isso que eu penso e, provavelmente, eu talvez tenha dito isso com outras palavras. Isso eu assino embaixo. Eu conheço a cultura brasileira. Eu sou professor de Psicologia Social da Religião há trinta anos, então é só ler meus trabalhos a respeito”.
RV: Em relação a atuação da Igreja Católica brasileira nesses casos, o Senhor teria frisado que há perplexidade por parte dos bispos sobre o que é preciso fazer, acrescentando que outros críticos, mais severos, dizem que há falta de vontade política por parte do clero em geral.
Pe. Edênio: “Algo nessa direção eu devo ter falado mesmo, numa entrevista a oito jornalistas que eu não conheço. Mas eu sempre dizia isso na situação brasileira. Portanto, o que eu penso a respeito disso é que a maioria das nossas dioceses e congregações não têm muito conhecimento dessa problemática e quando por acaso surge um escândalo o próprio bispo fica perplexo sem saber o que fazer. No momento, eu penso que as normas canônicas estão sendo urgidas e é um tipo de resposta; isto tem melhorado muito, mas nós não temos uma estrutura para o encaminhamento de casos eficiente, rápida, objetiva, que seja rigorosa na apuração dos fatos e, ao mesmo tempo, que não condene de antemão quem é acusado e, ao mesmo tempo, as vítimas. E é aí que eu sinto que nós ficamos um pouco perplexos. Nos casos que são enviados ao Instituto Terapêutico ‘Acolher’ em São Paulo, onde eu trabalho junto com uma equipe razoavelmente grande, com médicos e psiquiatras, então o que eu sinto é isto, eles recorrem a mim e dizem: 'dá um jeito'. Eu não posso dar jeito para tudo. Meu Instituto é de psicoterapia. Então, nesse campo eu acho que eu tenho assessorado a Igreja do Brasil e nós temos aumentado o número de psicólogos e médicos que entendem desse assunto, nos termos do que acontece na nossa Igreja. Então nessa direção há uma certa perplexidade, sim. Além disso, críticos mais severos, afirmam que faltam uma vontade política. Não é só isso. Não é tão prioritário numa Igreja com tantos problemas aplicar tantos recursos, também financeiros, exatamente para a questão do abuso sexual de crianças. Mas eu mostrei na minha palestra que, por exemplo, a Pastoral da Criança, atingiu 2 milhões de crianças com as suas mães com um trabalho muito interessante que não só diminuiu drasticamente a mortalidade infantil, eram medidas médicas da Dra. Zilda Arns, como também no campo da educação das mães, inclusive dos direitos, com alertas nesse campo. Há vontade, o que nos faltam são recursos e gente especializada, padres especializados – como eu no campo da psicoterapia. Nós temos que fazer um esforço muito grande, também nas nossas universidades e nossos institutos de teologia se faz relativamente pouco. Mas eu posso citar pelo menos 10 nomes importantes de padres e leigos que no mínimo de 30 a 40 anos prá cá têm feito um trabalho. É preciso matizar e entender o verdadeiro contexto da nossa Igreja. Inclusive na sua pobreza. Pegue um bispo de uma diocese do interior do nordeste ou na Amazônia, o que ele vai fazer ali? Mesmo no campo médico psiquiátrico não há recursos. Nós tempos que partir. Isso foi muito dito aqui, para uma ação chamada pró-ativa, quer dizer, nos dedicar mais à formação de quadros, assumir a nossa responsabilidade na grande discussão que se faz na sociedade brasileira, inclusive em termos de leis. Então é um campo muito grande, eu nunca penso que a solução é dada e pela psicologia, pela psiquiatria isso e no atendimento de casos isolados. O problema é político, é social e cultural. A nossa Igreja tem que ter bastante lucidez nisto quando ela discute na sociedade esses assuntos. Porque meu tema na palestra não era como ajudar a vitima ou um padre infrator, o meu tema era como sociedade, cultura e religiões devem entrar em diálogo. E bem diferente. Também na minha palestra aqui, eu parti disso... e eles perguntam sobre os casos e eu respondo e não tenho nada que esconder. O que eu penso tenho falado na Igreja no Brasil e não venho falar em Roma num simpósio, muito menos com pessoas que eu sinto que não tem ainda todos os elementos para entender a complexidade do problema”.
RV: O senhor teria afirmado que medidas e procedimentos efetivos por parte da Igreja curto, médio e longo prazo, até onde sei, não estão sendo planejados.
Pe. Edênio: “Isso eu não disse e não penso, mesmo porque sei que a curto prazo temos algumas atividades: o Instituto que dirijo existe há 12 anos (o que é médio prazo), mas a longo prazo, precisamos pensar na questão da formação do clero, na formação humana e afetiva. Eu conheço os documentos que a CNBB fez, redigi boa parte dos parágrafos referentes a estas questões. Então, de maneira alguma penso isso. Acho que estas normas decididas, votadas e aprovadas na última Assembleia de 2011, são muito interessantes. O difícil será a implementação. Não é tão difícil escrever um documento; o difícil é torná-lo realmente um instrumento que leva a uma mudança no processo formativo, na ação pastoral e no atendimento de casos mais dramáticos. É nessa linha que falei o que penso e digo aos bispos do Brasil também, porque tenho autoridade para isso. Sou padre da Igreja Católica, sou psicólogo com doutorado, professor há 40 anos numa universidade de peso, e, além disso, sinto esta temática, tenho tratado dela”.
RV: O senhor afirmou que as medidas adotadas pelos bispos costumam ser improvisadas e paliativas?
Pe. Edênio: “Isso eu afirmei mesmo, e falei de um modo geral, as medidas são sim improvisadas e paliativas e falta muito o que em psicologia a gente chama de 'follow-up', voltando de um tratamento: como vai ser a reinserção desse padre no clero, na atividade pastoral. Isso eu falei, falei mesmo e repito”.
RV: Para que serviu o encontro aqui de Roma? Em síntese, o que podemos dizer do trabalho?
Pe. Edênio: “Primeiro, eu sinto que essa iniciativa era necessária e a Companhia de Jesus e a Universidade Gregoriana levaram a sério, tiveram apoio da Santa Sé e eu penso que também do Santo Padre. A própria expressão 'Cura e Renovação' que o Papa disse à Igreja da Irlanda, muito ferida. Há palavras do Papa mais fortes do que a minha, eu poderia trazer aqui e citar. Mas o mais importante para mim é o terceiro ponto: a presença de 200 bispos de mais de 100 países. Aqui a gente percebe como a situação é diferenciada. Mas diferenciada em que? Por exemplo, a cultura. Isso nos foi dito pelo arcebispo de Manila. A cultura filipina e asiática, nesse campo da sexualidade, da afetividade, da manifestação de carinho, etc. é distinta da cultura norte-americana. A gente nota que a realidade africana também provoca uma série de questionamentos quando ouvem falar do que houve nos Estados Unidos e nos países europeus, Igrejas de antiga tradição na formação do clero, etc. Então, eu acho que foi muito importante perceber que o problema se põe de maneiras diferentes nas Igrejas da Ásia, da África, América Latina, Europa; Estados Unidos, mas buscando uma unidade e percebendo que esse problema é um problema fundamental para a humanidade. E assim como a Igreja se atirou, os próprios papas mais recentemente, na defesa dos direitos humanos, nós temos que partir para a defesa dos direitos das crianças exploradas, da criança que é vitima. E essa exploração sexual, eu falo como psicólogo agora, tem seríssimas consequências para toda a vida. Desse ponto de vista, quem abriu o nosso simpósio, foi uma senhora da Irlanda, ela própria vitima que só em torno dos 40 anos de idade encontrou justiça e conseguiu se refazer um pouco. E ela era comentada por uma psiquiatra da Inglaterra que assessorou o Papa e a Igreja da Irlanda, nas medidas para a cura e a renovação. São mulheres, uma vítima e uma cuidadora. Nós padres, os bispos, precisamos ouvir as vítimas e os especialistas, criar um diálogo. Com a nossa formação pastoral ou a nossa teologia que em si tem elementos tão fundamentais e tão bonitos, nós não resolvemos. É preciso um diálogo. E nós temos que levar a sério o que acontece na sociedade, a realidade das culturas, essa permissividade e essa exacerbação da sexualidade de uma maneira inadequada ao amadurecimento humano verdadeiro. Aí estão os pontos e a Igreja tem que partir do pedido de perdão. Acho que temos que pedir perdão porque nós erramos. Como é possível um escândalo tão amplo numa Igreja tão santa? Então a gente bate no peito e pede perdão às vítimas e diz: não, nós precisamos colaborar para um mundo melhor nesse campo. Esse é o meu pensamento”.(SP)
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