Ela tem onze anos, mas já aprendeu as manhas da profissão: não entra no motel, ou no carro, sem receber o dinheiro antes, guardado sempre por outra amiga. Não conhece o pai, e sua mãe, que trabalha na zona do meretrício, não se importa com quem e onde ela dorme. Edvalda se acha igual às outras meninas que fazem programa. Com uma diferença: “eu ainda não tenho peito”. (DIMENSTEIN. 1992, p.69).
Este é um daqueles temas que ouve-se muito mas sabe-se pouco, no entanto tem sido motivo de preocupação do mundo inteiro. A exploração sexual infantil transformou-se no terceiro mais rentável comércio mundial, atrás apenas da indústria de armas e do narcotráfico. Além de ser um dos temas mais constrangedores ao Brasil, essa verdadeira onda de pedofilia está contribuindo para criar uma geração precoce de portadores do vírus da AIDS. Dessa forma, a exploração sexual infantil constitui-se numa praga que exige medidas concretas e urgentes. Esta escravidão é inadmissível e incompreensível com a vida num mundo civilizado.
De forma geral, a exploração sexual infantil trata-se do abuso sofrido por uma criança a qual, por vários fatores, como situação de pobreza ou falta de assistência social e psicológica, torna-se fragilizada. Entretanto, para além das possíveis vulnerabilidades decorrentes da situação socioeconômica - estão outros aspectos, fato que explicaria uma maior vulnerabilidade das meninas, tão expostas à violência contra a mulher até mesmo no ambiente familiar. Além destes, existe o vícios das drogas e o chamado turismo sexual, o qual consiste na chegada de vários estrangeiros a regiões como o Nordeste brasileiro em busca de sexo. Todos estes são aspectos importantes para a compreensão da violência contra a criança.
Não existem no governo e em nenhuma instituição privada ou do terceiro setor números precisos sobre crianças que estejam se prostituindo no País. Segundo um relatório sobre Exploração Infantil produzido pela ONU, em 2001, o Brasil ocupa o primeiro lugar em Exploração Sexual Infanto-Juvenil na América Latina e o segundo no mundo. Triste liderança ! Existem leis que obrigam os motéis e estabelecimentos similares a entrada de menores de 18 anos. No entanto, como todas as leis, esta também não é cumprida. As ações, por enquanto, se restringem a campanhas preventivas, alertando os turistas através de panfletos e cartazes espalhados pelos principais pontos turísticos, hotéis e restaurantes, sobre as penas previstas na legislação brasileira para quem comete atos do gênero. Campanhas publicitárias vinculadas pela Embratur em outros países agora também vão passar a conter alerta aos turistas sobre a questão.
O trabalho da polícia mostra que a maioria dos clientes são brasileiros de classe média alta e rica, empresários bem sucedidos, aparentemente bem casados e, algumas vezes, com filhos adultos ou crianças. Além dos empresários estão, também, na lista, os motoristas de caminhão e de táxis, gerentes de hotéis e até mesmo os policiais. Algumas vezes a mãe não sabe o que acontece ao seu redor, e não tem a mínima idéia de que sua filha possa estar fazendo programas. Já em outros casos, os próprios pais as levam para se prostituírem. É um trabalho rentável e que gera lucro à toda família, sendo a garota a única prejudicada.
Mas, o que tem sido feito de concreto ? É verdade que nos últimos anos, assistimos a uma certa consciência e disposição a reagir ao problema de abuso sexual. A cobertura dos meios de comunicação tem contribuído para romper o silêncio.
A criação do disque denúncia foi importante. No Brasil, em 2000, institui-se o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, assim como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, comemorado em 18 de maio.
Além destas instituições, outras esferas de acompanhamento e controle foram criadas, além de Varas Criminais especializadas em crimes contra crianças e adolescentes. Segundo o site da UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância, este órgão adotou em meados de 2000 o Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança, que trata da venda de crianças, exploraçãosexual e pornografia infantis. Vários países aderiram, a exemplo do governo brasileiro que promulgou tal protocolo em 2004. (UNICEF, 2011, s/p).
Exploração sexual infantil é crime e dá pena: Pena de reclusão !
Segundo o advogado Rodrigo Pires Ferreira Lago (meus sinceros agradecimentos pela consultoria) : “A Constituição determina que o legislador preveja punições severas a coibir a exploração sexual de menores, no artigo 227, §4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Atendendo o comando constitucional, o Legislador previu a exploração sexual como crime, no ECA: artigo 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.
§ 2º - Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Lembrando que o crime do ECA não exclui eventual crime sexual contra a criança, como o estupro previsto no Código Penal, que tem pena mais elevada quando a criança é a vítima:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º - Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Não se trata apenas de coibir a ação de aliciadores ou de uma clientela em potencial deste tipo de abuso, mas essencialmente repensar a atenção com o menor e o adolescente em todos os âmbitos: da saúde, educação, apoio e orientação psicológica, bem como criando oportunidades claras de inclusão social, seja para as crianças aque realmente estão em condição de rua ou para aquelas que vivem em um ambiente impróprio para sua infância e formação enquanto indivíduo (haja vista a exploração promovida em muitos casos pelos próprios pais). Logo, fica evidente que os responsáveis diretos pelo combate à exploração sexual são: família, sociedade (comunidade) e o Estado (Poder Público).
Ao nos referirmos às crianças como o futuro da humanidade, não devemos ter receio de cairmos no vazio dos jargões decorados, pois trata-se da mais pura verdade absoluta. Em suma, se o combate à exploração sexual infantil não se tornar imediatamente uma das prioridades do Governo Federal, o que será da nossa civilização num futuro bem próximo?
“Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.” (Paulo Freire. Pedagogia da Indignação, 2000.)
Christiane Lima
Assistente Social, Psicopedagoga e Especialista em Saúde da Família, formada pela Universidade Federal do Maranhão. Atualmente atuando na área de educação e há mais de 10 anos, trabalha na área de saúde junto a adolescentes e gestantes.
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