O acesso ao aborto legalizado ainda é complicado para as vítimas de violência sexual, embora esteja previsto em lei, desde 1940, nos casos de estupro e risco de vida para a gestante. Muitos profissionais de saúde ainda pensam que é preciso de um alvará judicial, quando é necessário apenas o consentimento da mulher, o boletim de ocorrência e o laudo de três médicos. Segundo a advogada Flávia Piva Almeida Leite, doutora em Direito pela PUC-São Paulo e professora das faculdades FMU, UMC e Unip, muitos hospitais oferecem o atendimento para as vítimas de abuso sexual, mas se recusam a fazer o aborto, por convicções religiosas ou falta de informação.
Por que ainda hoje alguns profissionais de saúde não fazem o aborto, mesmo em casos permitidos por lei?
Algumas instituições, como o hospital de Santo André, acolhem e dão todo apoio a vítimas de violência sexual, porém encaminham a outra entidade que está preparada para realizar esse tipo de procedimento. O maior argumento é de que os profissionais se recusam a realizar o aborto em casos de estupro, principalmente, por convicções religiosas, mas penso que além do aspecto religioso, muitos não fazem por receio de serem responsabilizados criminalmente pela prática.
Em que casos hoje o profissional de saúde pode realizar o aborto?
O Código Penal brasileiro não pune o aborto praticado pelo médico em duas hipóteses previstas no artigo 128: o aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida da gestante) e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro (com consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal). Esta prática é chamada de “aborto sentimental”; “aborto ético” ou “aborto humanitário”. O médico poderá ser responsabilizado criminalmente apenas se provocar aborto sem o consentimento da gestante (artigo 125 do Código Penal), e também com o consentimento dela (art. 126) nos casos em que não houve estupro ou não há risco de vida para a gestante.
É necessária a sentença do juiz para realizar um aborto legalizado?
A lei não exige autorização judicial para a prática do aborto sentimental e não é necessário que exista processo contra o autor do crime sexual, nem que haja sentença condenatória.
A definição de concepção da vida é diferente hoje para a Medicina e para o Judiciário?
Questão de primordial importância é aquela que se refere ao início da vida humana, pois, a Constituição Federal garante como direito fundamental a inviolabilidade do direito à vida. È necessário estabelecer o conceito de vida na acepção que foi empregada no caput do artigo 5º da CF já que a mesma não definiu “vida”. Para tanto teremos de recorrer à Ciência para saber quando se inicia a vida e, com ela, a proteção constitucional.
O advogado Diego León Rábago, em “La Bioética para el derecho”, explica que, desde o momento em que surge à vida o zigoto, já há um ser humano. O médico Keith L. Moore define que com o zigoto inicia-se o processo contínuo de desenvolvimento do ser humano.
Segundo o constitucionalista brasileiro, José Afonso da Silva, a vida não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente, sem perder sua própria identidade. É mais um processo que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.
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