Pedofilia: crime livre na internet


Fotos de crianças sendo abusadas podem ser obtidas com facilidade na rede. E os perigos podem estar próximos ou dentro das próprias casas.




“Minha filha chegava em casa com doces e balas. Bastava sair um pouquinho na rua que lá vinha ela, cheia de ‘porcariadas’ que estragam os dentes. No início, achei que Carolina* estava ganhando dos amiguinhos da rua, mas depois comecei a desconfiar das idas constantes dela na venda. Onde ela arrumava dinheiro? Em casa que não era”.

O sexto sentido – que toda boa mãe tem – não estava errado, havia motivo para preocupação: a sua filha de apenas oito anos estava sendo abusada sexualmente. O agressor era um homem com pouco mais de 40 anos, vizinho da família de Dona Júlia* e dono da mercearia que a menina freqüentava várias vezes ao dia.

Hoje, com 11 anos, a pré-adolescente conta o que acontecia por detrás do balcão durante as idas ao local. “Ele pedia para enfiar a mão dentro da minha calcinha e como eu era muito boba, deixava. Não sei explicar porque não contei para minha mãe, mas ela me seguiu e viu o que Seu Joaquim* fazia comigo”, conta envergonhada e com a voz acelerada, como se quisesse terminar logo a história que mudou para sempre a vida dela e da família.

A descoberta gerou revolta. O pai quis matar o abusador, que conseguiu escapar e agora responde processo em liberdade. Para evitar um drama ainda maior, eles foram obrigados a vender a casa onde moravam e se mudaram para uma outra rua no bairro São Geraldo, onde vivem atualmente.

O caso que aconteceu em Montes Claros é apenas mais um entre os milhares que são registrados todos os anos no Estado. Em 2007, de acordo com o Programa Sentinela, do governo federal, Minas Gerais foi considerada a recordista nacional, em pontos vulneráveis ao abuso e a exploração sexual, com 290 dos 476 catalogados em toda a região Sudeste.

Foi Justamente para combater esse tipo de crime que a Polícia Civil realizou no fim de junho, no dia 27, a Operação Anjos de Minas. A Justiça cumpriu 296 mandados de busca e apreensão e 11 pessoas foram presas. No entanto, o número de detenções, infelizmente, não representa a realidade da violência sexual sofrida por crianças e adolescentes. Um muro de silêncio ainda é regra em torno do assunto, mas qual seria o motivo.

Um estudo da Abrapia, Associação Brasileira de Proteção à Infância e Adolescência, constatou que os principais abusadores são membros da própria família, principalmente, o pai biológico. Diante dessa assustadora e perversa comprovação, é comum que a mãe e até mesmo os irmãos protejam o agressor com medo de represália. A mulher, em muitos casos, não denuncia o criminoso por não ter como sustentar a casa se o marido fugir ou for preso.

GRITOS DE UMA CRIANÇA – O abuso sexual dentro da família começa na maioria das vezes muito cedo, quando a criança tem aproximadamente cinco anos. Mas há casos na literatura médica – e nos boletins de ocorrências policiais – que revelam que até mesmos bebês são vítimas dos pedófilos. 

Em uma casa da Avenida Nossa Senhora de Fátima, no bairro Maracanã, os gritos de uma menina eram constantemente ouvidos pelos vizinhos. “A criança gritava, pedia para o pai parar. Ela chorava muito, um choro sufocado”, explica o gerente comercial que prefere não se identificar. “A gente nunca poderia imaginar que uma menina, que mal sabia falar, pudesse estar sendo violentada pelo próprio pai”, conta em tom de indignação.

O crime só foi descoberto quando o abusador, em parceria com a mulher com quem vivia, tentou atrair outras crianças para a casa dele. “Ela saia na rua chamando os meninos e meninas para tirar fotos. Só que um dia, a mãe de uma das crianças chegou na hora que eles estavam tirando as roupas delas. Foi uma confusão completa aqui na Avenida. Ele saiu fugido”, disse. A filha dele, que tinha cinco anos, foi mandada de volta para a mãe biológica, que mora em São Paulo, mas antes, confirmou a suspeita da vizinhança: a criança contou que o “papai mandava pegar e dar beijinho no ‘piu-piu’ dele”.

O abuso sexual na tenra infância é um ato progressivo, uma mistura de carinho e carícias, muitas vezes acompanhados de ameaças. “Com medo e remorso, mas também com prazer, a criança vai aceitando a relação com o pai agressor”, analisa a psicóloga Andréa Guisoli.

Ela também faz uma definição sobre o significado de pedofilia. “Trata-se de uma perversão, isto é, um desvio em relação ao ato sexual dito como normal. Para o psicanalista Sigmund Freud, a perversão seria uma regressão, uma fixação da libido em fases anteriores, ou seja, a persistência de um componente parcial da sexualidade experimentada na infância.”

Quando perguntada se é verdade que todo pedófilo já foi abusado na infância, Guisoli é categórica: “Podemos até encontrar casos de pedófilos que foram abusados sexualmente quando criança, mas não é possível fazer uma generalização. Não há como estabelecer, de maneira geral, uma causa que diga porque alguns sujeitos têm maior ou menor atração por crianças”.

ABUSO SEXUAL É FREQÜENTE – Há estudos que apontam que a pedofilia está mais presente entre os homens – 98% – com mais de 25 anos. No entanto, a psicóloga acha arriscado estabelecer padrões, porque não existe um perfil preestabelecido. “Muitos deles são pessoas que levam uma vida normal e que nunca vão ser descobertos. Outros, por sua vez, podem ter um comportamento menos discreto e serem rapidamente identificados”, revela.

O fato é que o abuso sexual é freqüente e está presente em todas as formas, em todos os países e em todas as classes sociais. Na ótica de quem lida com o assunto, fica incontestável que o pedófilo é um doente que deve ser excluído do convívio social enquanto é submetido a tratamento. Mas fica a pergunta: Pedofilia tem cura? A psicóloga Andréa Guisoli, que orientou a reportagem de TEMPO, parece pouco confiante. “É muito difícil os sujeitos que praticam a pedofilia se implicarem em um tratamento. É fundamental que ele se disponha a falar e rever seu modo de ser e estar no mundo”.

As crianças e adolescentes vítimas da violência sexual podem ter sérias conseqüências psicológicas na vida adulta, por isso devem ser apoiadas pela família e por profissionais especializados. A radialista M.C. relembra que só depois de dois anos de análise conseguiu ter uma boa auto-estima e ter relações sexuais verdadeiramente prazerosas. “Eu era abusada toda vez que ia ao dentista com minha irmã mais velha. Ele pedia para ela sair do consultório, então ele descia meu vestido, minha calcinha e se masturbava em cima de mim. Eu tinha seis anos e não entendia o que era aquilo. Com o passar do tempo eu descobri tudo que se passava comigo, deitada naquela cadeira”, diz.

Situações como a vivida pela radialista poderia ter sido evitada, caso a mãe ou qualquer outro adulto que cuidasse dela estivesse mais presente. No início da reportagem, fica evidente que o pior só não se concretizou com menina Carolina porque Dona Júlia estava atenta ao dia-a-dia da filha. Os psicólogos são unânimes em afirmar que zelo, proteção, companhia, afeto, diálogo e uma boa relação de confiança são fundamentais para diminuir o sucesso da ação dos pedófilos. Outra dica importante: acredite sempre no que a criança lhe disser, por mais absurdo que possa parecer.

Web: impunidade e violência contra crianças

O sexo com crianças e adolescentes sempre existiu e ao mesmo tempo é combatido nas sociedades modernas, democráticas e que defendem os Direitos Humanos. Porém, no fim do século XX, com o crescimento mundial do acesso à internet, a pedofilia ganhou dois importantes aliados: a facilidade na troca de imagens pornográficas infanto-juvenis e a impunidade no mundo virtual.

A web é um espaço fértil para a execução de crimes por abrigar pessoas das mais diversas nacionalidades que fazem intercâmbio de informações (e depravações) sem que exista uma legislação específica em vigor para regulamentar estas trocas.

A distância entre o virtual e o real é outro problema. No Brasil, quem produz, envia ou publica imagens pornográficas com crianças e adolescentes, pode pegar até quatro anos de cadeia. A lei está no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Eca, no entanto, não vem sendo cumprido porque não existe uma legislação para crimes praticados na internet.

Com isso, a pedofilia movimenta milhões de dólares por ano com a criação de sites pagos que expõe crianças e adolescentes a abusos inaceitáveis. De acordo com o deputado federal Luis Eduardo Greenhalgh (PT), cerca de mil novos sites de pedofilia são criados todos os meses, só no Brasil. Destes, 52% mostram crianças de 9 a 13 anos mantendo relações sexuais com adultos, e 12% exibem fotografias de bebês de zero a três meses de idade sendo abusados.

Para mostrar os perigos e a ilegalidade que permeiam o mundo virtual, a reportagem conseguiu em menos de uma hora de conversa – numa sala de bate-papo do provedor Uol – dez fotos ilegais. As imagens obtidas são variadas e de causar repulsa: desde um recém-nascido sendo molestado pelo pai até uma seqüência de fotos de uma menina, com idade por volta de cinco anos, sendo violentada. Importante citar que, ao deparar com a situação, sites como o citado mantém serviços como o “Ajude o UOL a manter a Internet livre de criminosos”, onde o internauta pode formalizar a denúncia.

CPI DA INTERNET – Para tentar acelerar o processo de investigação dos crimes de pedofilia praticados pela internet, o Congresso Nacional criou, no dia 25 de março, uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Um dos alvos da CPI é o site Google.

O presidente da Comissão, o senador Magno Malta (PR-ES), acusa a empresa de proteger os criminosos a partir do momento que dificulta a liberação e manutenção dos dados dos usuários para investigação. Até a possibilidade de fechar o Orkut no país não foi descartada.

Outro objetivo da CPI é o de tipificar o crime de pedofilia com a elevação da pena para 30 anos de reclusão. Os parlamentares também pediram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a criação de uma divisão da Polícia Federal especializada em crimes cibernéticos.

O papel do poder público

O ECA determina que é dever da família, da sociedade e do Estado cuidar das crianças e adolescentes. Daí a existência de uma ordem hierárquica na redação da lei, afinal, cabe primeiramente à família essa obrigação, mas quando ela não consegue garantir o direito mínimo para as crianças e adolescentes, entra em ação o Poder Público.

Em Montes Claros, existem quatro unidades de abrigamento para quem sofreu algum tipo de maus-tratos, negligência, abuso ou exploração sexual. Todos mantidos ou com convênios com o município.

As crianças com até doze anos incompletos ficam no Abrigo Joana Campos, meninos e meninas vítimas da falência da instituição familiar. As garotas com mais de 12 anos vão para a Casa de Passagem, já os adolescentes para o Lar Betânia. A Prefeitura também mantém um convênio com outra instituição: o Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que recebe meninas de idades variadas.

A chefe do setor de Proteção Especial da Prefeitura de Montes Claros, Vanessa Alves Silva, conta que quando uma criança ou jovem é retirado da família é porque todos os direitos deles foram completamente violados. “O que me choca é o adoecimento da família. Quando a gente nasce, esperamos que a família seja nossa referência de valores. Mas para muitos isso não ocorre. Por isso os abrigos da cidade tentam dar uma estrutura a mais parecida possível com a de um lar: com atendimento médico, educacional, além, é claro, de acompanhamento social e psicológico”.

Alberta Ruas, assistente de saúde no Abrigo Joana Campos, adora ficar com os bebês, mas foi a triste história de uma menina de nove anos que mais chamou a atenção dela. “Ela ficou aqui menos de uma semana, porque apesar da pouca idade já tinha a sexualidade aflorada. Sabe por quê? Foi vítima de abuso e exploração sexual. Isto me deixa muito triste, me deprime”.

A psicopedagoga Simone Silva não consegue entender como um pai tem coragem de violentar a própria filha ou filho. “Para fazer isso ele não pode estar em si. Qual o motivo de tanta violência e desrespeito com uma criança?”

Como proteger as crianças

1 – Mantenha o computador em uma área comum da casa. Não deixe no quarto da criança que utiliza a internet por ser diferente de um móvel ou de um livro.

2 – Acompanhe a criança quando utilizar computadores de bibliotecas.

3 – Navegue algum tempo com a criança internauta. Da mesma forma que você ensina sobre o mundo real, guie-o no mundo virtual.

4 – Aprenda sobre os serviços utilizados pela criança, observe suas atividades na Internet. Caso encontrem algum material ofensivo, explique o porquê da ofensa e o que pretende fazer sobre o fato.

5 – Denuncie qualquer atividade suspeita. Encoraje a criança a relatar atividades suspeitas, ou material indevido recebido.

6 – Caso suspeite que alguém on-line está fazendo algo ilegal, denuncie-o às autoridades policiais ou ao site http://www.censura.com.br/.

7 – Estabeleça regras razoáveis para a criança. Discuta com ela as regras de uso da internet, coloque-as junto ao computador e observe se são seguidas. As regras devem, por exemplo, estabelecer limites sobre o tempo gasto na internet.

8 – Se necessário, opte por programas que filtram e bloqueiam sites. Encontre um que se ajuste às regras previamente estabelecidas.

9 – Monitore sua conta telefônica e o extrato de cartão de crédito. Para acessar sites adultos, o internauta precisa de um número do cartão de crédito e um modem que pode ser usado para discar outros números, além do provedor de acesso à internet.

10 – Instrua a criança a nunca divulgar dados pessoais na internet, por exemplo, nome, endereço, telefone, escola e o e-mail em locais públicos, como salas de bate-papo. É a versão moderna do "nunca fale com estranhos". Recomende que a criança utilize apelidos, prática comum na internet e uma maneira de proteger informações pessoais.

11 – Conheça os amigos virtuais da criança. É possível estabelecer relações humanas benéficas e duradouras na internet. Contudo, há muitas pessoas com más intenções, que tentarão levar vantagem sobre a criança.

12 – Cuide para que a criança não marque encontros com pessoas conhecidas através da internet sem sua permissão. Caso permita o encontro, marque em local público e acompanhe a criança.

13 – Aprenda mais sobre a Internet. Peça para a criança ensinar a você o que sabe e navegue de vez em quando.

FREDI MENDES
Repórter

Fonte: Safernet Brasil