Mauro Mendes, a cultura e o primeiro emprego

João Negrão
 
     Empresário de sucesso, formado engenheiro em universidade pública - mantida, portanto, com o dinheiro do povo cuiabano, mato-grossense e brasileiro -, o prefeito Mauro Mendes provavelmente está sendo pela primeira vez em sua vida um empregado. Isto mesmo. Mendes é agora empregado do povo cuiabano, que é quem lhe paga o salário para cuidar do bem-estar material e espiritual da população da capital do Estado. 
     
     Assim, seria interessante ele alimentar esta consciência de que alçou ao posto no sétimo andar do Alencastro graças aos votos dos cuiabanos. Há quem diga que necessitou ainda de algumas forças não republicanas para chegar lá. Mas este é tema para futuras abordagens. Por enquanto, ficaremos aqui no refresco da memória do “socialista” Mauro Mendes: você, meu caro, é empregado e como tal deve se comportar. E olhe que se trata de um empregado muito privilegiado. Sim, porque sequer experimentou o estágio em outras responsabilidades públicas e ainda por cima você não corre o risco de ser demitido sumariamente como deve fazer com seus empregados quando estes não respeitam suas ordens.
     
     Aliás, você nem precisa obedecer à risca as ordens de seus patrões, os cerca de 600 mil cuiabanos. Mas tem uma coisa que você precisa apender a fazer, meu caro: ouvir. Ouvir e ter paciência. Para isto, deve entender que a prefeitura de Cuiabá não é a extensão de uma de suas empresas e que este modo de governar que sempre propalou não se aplica à administração da coisa pública. Por isto, comece ouvindo todos os segmentos sociais, em especial os da cultura, sobre se é melhor para o conjunto fundir Cultura e Turismo.
     
     Concomitantemente, procure abrir sua cabeça para o significado da cultura, tanto como a expressão do povo, como do ponto de vista econômico, com sua cadeia produtiva, gerando emprego e renda, ajudando, portanto, no desenvolvimento econômico da cidade. Uma vez, num debate em sua primeira candidatura a prefeito, o vi no ridículo papel de tentar provar que valorizava a cultura assegurando que até sabia dançar um rasqueado e desafiar seu oponente, Wilson Santos, a mostrar quem dançava melhor. Só não foi mais ridículo que o eleito, pois já notório como oportunista desprezível.
     
     Comportamentos tais expressam a total ignorância sobre o papel que exerce a cultura na construção da superestrutura de uma sociedade e sua importância na infraestrutura econômica. Infelizmente, Mauro Mendes, qual Wilson Santos, e a esmagadora maioria dos políticos em Mato Grosso e no resto do País, priorizam a infraestrutura e se esquecem da superestrutura, ou seja, os elementos intelectuais, estéticos, morais e políticos, sem os quais, qualquer desenvolvimento será apenas circunstancial. Convido o prefeito a refletir profundamente sobre isto. Mas se não tiver capacidade para tanto, que busque conhecer melhor o lado que o deve atrair invariavelmente: o econômico. Pense, quero voltar a frisar, no que é capaz de fazer a cadeia produtiva da cultura, que gera emprego e renda e ajuda na riqueza na cidade, provando que não se trata de gasto e, sim, investimento.
     
     Vão aí algumas dicas para você pensar:
     
     Pense nos escritores e nas dezenas de editoras e livrarias, que empregam centenas de pessoas, que movem as gráficas, que geram outras centenas.
     
     Pense no teatro, que mobiliza autores, atores, diretores, cenógrafos, iluminadores e até carpinteiros, pintores, eletricistas, etc. Idem para a dança. O mesmo acontece com o audiovisual.
     
     Pense no artesanato e nos grupos folclóricos como geradores de emprego, se não puder visualizá-los com o guardiães de tradições desta cidade quase tricentenária.
     
     Pense nos artistas plásticos e seus trabalhos respeitados pelo Brasil afora e no exterior.
     
     Pense nos músicos, que movem uma parcela desta cadeia produtiva que envolve centenas, quem sabe milhares, de pessoas em torno de suas gravações e seus shows.
     
     Pense nos produtores culturais e nos profissionais de todas as áreas de produção artística.
     
     Enfim, se não conseguir pensar com a sensibilidade sociocultural, pense com os cifrões, no dinheiro que tudo isto movimenta em Cuiabá.
     
     E se quiser aprofundar seus pensamentos, vamos, pois, a algumas reflexões:
     
     É justo criticar o regime militar como um período de nossa história em que a violência tomou conta, com prisões, exílios, torturas e eliminação física dos adversários da ditadura. Mas houve outro crime de igual monta, outra violência embutida, necessária para o projeto maior dos que patrocinaram o golpe de 64: destruir as bases de nossa cultura e, assim, reduzir a nossa superestrutura. Tudo para aprofundar a nossa dependência ao capital estrangeiro. Contou muito forte aqui a instituição de um novo modelo universitário, direcionando o ensino superior aos interesses do capital imperialista. Para tanto, veio a repressão feroz ao movimento estudantil e a perseguição aos intelectuais. Concomitantemente, o rompimento com um processo de desenvolvimento da cultura e das artes nacionais. A música, o teatro, o cinema e as artes em geral sofreram horrores no período militar. E não me refiro apenas à repressão sofrida pelos artistas e produtores culturais, mas às investidas premeditadas no sentido de “emburrecer” o País e torná-lo colonizado culturalmente. E tudo isto tem relação direta com o subdesenvolvimento.
     
     Durante todo o período militar a área da cultura, seja no âmbito federal, como nos estaduais e municipais, exerceu papel secundário dentro das pastas de Educação. O MEC, por exemplo, mantém a sigla daqueles tempos, quando era Ministério da Educação e Cultura. Percebamos que mesmo numa estrutura burocrática de duas atividades hipoteticamente afins e afeitas, havia praticamente um desprezo para com a área cultural. O que se dirá de uma junção entre uma área essencialmente econômica, como é o caso do Turismo.
     
     As experiências administrativas têm demonstrado ao longo dos anos que este tipo de fusão só tem resultado no enxugamento das estruturas e a sua consequente economia de verbas. Na dinâmica das ações de cada área uma parte costuma subordinar a outra, especialmente quando não são afins e afeitas e interesses conflitantes tendem a ter soluções favoráveis aos segmentos da sociedade mais articulados e com força política. Há quem pense diferente e compartilhe com a iniciativa do prefeito, que possa não haver o engessamento da área cultural e a estrutura, por exemplo, enxuta permitir maior dinamismo. Pode até ser. Mas isto iremos saber com a prática. Por enquanto, só há uma forma de não errar: debater.
     


João Negrão é jornalista em Brasília.

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