O tempo não elimina na criança o sofrimento provocado por abuso sexual. E pela nova lei, em vigor desde 1° de janeiro de 2011, não há mais prazo para as vítimas denunciarem os autores desse ato.
Apesar oposição manifestada pelos meios políticos e jurídicos na Suíça, foi abolida no país o prazo da prescrição em questões relacionadas com atos sexuais ou pornográficos, cometidos com crianças menores de 12 anos. À época, as vítimas podiam recorrer à justiça até a idade de 25 anos.
A modificação se deu graças a uma iniciativa popular lançada por organização de pais, preocupados com o assunto. Mas o processo foi lento. “Marche Blanche” (marcha branca) recolheu assinaturas suficientes para provocar uma votação nacional, em novembro de 2008, na qual 52% do eleitorado aceitou a emenda constitucional.
Na Suíça, os únicos delitos que até então não prescreviam eram genocídio e crimes contra a humanidade. E existe ainda um limite de 30 anos para lançamento de processo por homicídio.
Exceção
Justifica-se a exceção no caso de abuso sexual praticado com criança, diz Oskar Freysinger, deputado do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla alemã), e membro do comitê de iniciativa, em 2008.
“Para mim, esse gênero de abuso sexual é um crime contra a humanidade. É a pior coisa que se pode fazer, porque uma criança não consegue se defender,” disse Freysinger à swissinfo.ch.
“Eu me coloco no lugar da vítima, que deveria ter o direito – se isto a ajuda a recuperar-se psicologicamente – direito de ver o responsável punido, mesmo 30 anos mais tarde.”
Adversários da reforma arguiram que suprimir o prazo de prescrição era desproporcional e não levaria maior número de pessoas à justiça. A ministra suíça da Justiça na época, Eveline Widmer-Schlumpf, explicou que a medida poderia levar a "decepção e ao retorno de traumatismos sofridos pelas vítimas".
A parlamentar do Partido Radical, Christa Markwalder, disse a supressão do prazo iria colocar esses crimes em pé de igualdade com atos terroristas ou crimes contra a humanidade.
Já o governo propusera estender a norma por mais 15 anos, após a vítima completar 18 anos.
Mas como muitos relevantes casos provaram, as vítimas podem aparecer décadas depois do abuso, em particular quando há maior exposição de casos escabrosos.
Na Suíça, considera-se o pior escândalo de abuso - revelado em 2011 - o de um assistente social que se teria aproveitado de mais de 120 crianças e adultos mentalmente retardados, em um estabelecimento especializado. Ele será julgado por apenas um quarto desses casos.
“Para mim, esse gênero de abuso sexual é um crime contra a humanidade. É a pior coisa que se pode fazer, porque uma criança não consegue se defender,” disse Freysinger à swissinfo.ch.
“Eu me coloco no lugar da vítima, que deveria ter o direito – se isto a ajuda a recuperar-se psicologicamente – direito de ver o responsável punido, mesmo 30 anos mais tarde.”
Adversários da reforma arguiram que suprimir o prazo de prescrição era desproporcional e não levaria maior número de pessoas à justiça. A ministra suíça da Justiça na época, Eveline Widmer-Schlumpf, explicou que a medida poderia levar a "decepção e ao retorno de traumatismos sofridos pelas vítimas".
A parlamentar do Partido Radical, Christa Markwalder, disse a supressão do prazo iria colocar esses crimes em pé de igualdade com atos terroristas ou crimes contra a humanidade.
Já o governo propusera estender a norma por mais 15 anos, após a vítima completar 18 anos.
Mas como muitos relevantes casos provaram, as vítimas podem aparecer décadas depois do abuso, em particular quando há maior exposição de casos escabrosos.
Na Suíça, considera-se o pior escândalo de abuso - revelado em 2011 - o de um assistente social que se teria aproveitado de mais de 120 crianças e adultos mentalmente retardados, em um estabelecimento especializado. Ele será julgado por apenas um quarto desses casos.
Sinal errado?
Juristas do ramo questionam se a modificação da lei irá resultar em mais condenações. O procurador público de Zurique, Markus Oertle disse à swissinfo.ch que, abolindo o prazo de prescrição, se deu às vítimas um sinal inapropriado.
“Elas acham, então, que podem esperar para processar o autor do crime. Mas para o êxito de uma ação penal é muito importante que seja curto o espaço de tempo entre a infração e a queixa,” observa Oertle. E acrescenta existir uma lógica no prazo de prescrição: “Ela procede na medida em que evita processos desnecessários, ou seja, aqueles que têm pouca chance de êxito. Quanto mais tempo o crime ficar impune, menos resultado tem a ação judicial.”
No entanto, Markus Oertle exclui que, em 2013, os tribunais fiquem sobrecarregados com novos casos. “Isso repercutirá só depois de certo tempo, até porque a retrospecção limita-se a novembro de 2008. Crimes cometidos antes não são levados em conta pelo prazo de prescrição.”
“Elas acham, então, que podem esperar para processar o autor do crime. Mas para o êxito de uma ação penal é muito importante que seja curto o espaço de tempo entre a infração e a queixa,” observa Oertle. E acrescenta existir uma lógica no prazo de prescrição: “Ela procede na medida em que evita processos desnecessários, ou seja, aqueles que têm pouca chance de êxito. Quanto mais tempo o crime ficar impune, menos resultado tem a ação judicial.”
No entanto, Markus Oertle exclui que, em 2013, os tribunais fiquem sobrecarregados com novos casos. “Isso repercutirá só depois de certo tempo, até porque a retrospecção limita-se a novembro de 2008. Crimes cometidos antes não são levados em conta pelo prazo de prescrição.”
Passado e presente
Isto significa que não haverá desagravo para vítimas de abusos sexuais registrados em instituições eclesiásticas e estatais. E justamente num momento em que, com a tomada de consciência desse sombrio capítulo da história social suíça, os fatos começam a emergir.
Em recente investigação, realizada pelo cantão de Lucerna e pela Igreja Católica, sobre crianças sob cuidado de 15 instituições locais - no período de 1930 a 1970 - mais da metade das entrevistadas disseram terem sido vítimas de violências sexuais. Essas vítimas jamais verão o julgamento dos responsáveis.
Nos últimos tempos, a proliferação da pornografia infantil na internet redimensionou o crime de abuso sexual. Um dos argumentos apresentado por organismos de defesa das crianças é de que os procuradores deveriam ter total liberdade para indiciar os transgressores com base em provas fotográficas ou de vídeo que podem aparecer muitos anos depois do crime.
Em recente investigação, realizada pelo cantão de Lucerna e pela Igreja Católica, sobre crianças sob cuidado de 15 instituições locais - no período de 1930 a 1970 - mais da metade das entrevistadas disseram terem sido vítimas de violências sexuais. Essas vítimas jamais verão o julgamento dos responsáveis.
Nos últimos tempos, a proliferação da pornografia infantil na internet redimensionou o crime de abuso sexual. Um dos argumentos apresentado por organismos de defesa das crianças é de que os procuradores deveriam ter total liberdade para indiciar os transgressores com base em provas fotográficas ou de vídeo que podem aparecer muitos anos depois do crime.
Legislação
A pedofilia era tolerada ou ignorada em muitas legislações dos países, o que foi sendo paulatinamente modificado com a aprovação sucessiva de tratados internacionais, que culminaram com a aprovação, em 1989, pela ONU, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança que, em seu artigo 19, expressamente obriga aos estados a adoção de medidas que protejam a infância e adolescência do abuso, ameaça ou lesão à sua integridade sexual. (Texto: Wikipédia em português)
Prisão perpétua
Na Suíça, em 2011 - segundo a Secretaria Federal de Estatísticas - 1403 pessoas foram acusadas de atividades sexuais implicando crianças. A estimativa é que seja bem maior o número de incidentes do gênero não registrados.
A autora suíça, Iris Galey, que descreveu sua própria experiência de abuso em livro, lançado em 1981 e intitulado “Por que não podia chorar quando meu pai morreu” (traduzido em oito idiomas), respaldou a iniciativa porque “se tratava de defender as vítimas com maior seriedade.”
“São tantos os transgressores que ficam impunes e as vítimas recebem prisão perpétua. Isso te prejudica profundamente, em particular nos relacionamentos”, disse ela à swissinfo.ch.
O pai da escritora suicidou-se dois dias depois que ela divulgou o abuso - iniciado quando Iris tinha apenas nove anos. A mãe não acreditou nas alegações da filha, o que arruinou a vida da família Galey.
“Fui expulsa escandalosamente de casa aos 14 anos e nunca consegui restabelecer-me. Em 1951, a policial que me ouviu acreditou na versão dos fatos, mas ninguém jamais falou comigo sobre o incesto ou o suicídio, e eu nunca consegui recuperar-me.”
Deixar a porta aberta para ações penais nada tem a ver com castigo. “Tem a ver com justiça e com crédito à vítima; e com o transgressor que enfrenta a verdade antes de morrer.”
No período precedente ao voto sobre o prazo de prescrição, a ministra da Justiça da época - Eveline Widmer-Schlumpf - advertiu que a modificação seria contraproducente, provocando, nos casos fracassados, mais mágoas às vítimas.
Mas um dia depois da votação, o jornal ‘Le Temps’, de Genebra, saiu com esta manchete: “Vitória das vítimas.” Com a lei em vigor, o sistema legal tem carta branca para provar a asserção do jornal genebrino.
A autora suíça, Iris Galey, que descreveu sua própria experiência de abuso em livro, lançado em 1981 e intitulado “Por que não podia chorar quando meu pai morreu” (traduzido em oito idiomas), respaldou a iniciativa porque “se tratava de defender as vítimas com maior seriedade.”
“São tantos os transgressores que ficam impunes e as vítimas recebem prisão perpétua. Isso te prejudica profundamente, em particular nos relacionamentos”, disse ela à swissinfo.ch.
O pai da escritora suicidou-se dois dias depois que ela divulgou o abuso - iniciado quando Iris tinha apenas nove anos. A mãe não acreditou nas alegações da filha, o que arruinou a vida da família Galey.
“Fui expulsa escandalosamente de casa aos 14 anos e nunca consegui restabelecer-me. Em 1951, a policial que me ouviu acreditou na versão dos fatos, mas ninguém jamais falou comigo sobre o incesto ou o suicídio, e eu nunca consegui recuperar-me.”
Deixar a porta aberta para ações penais nada tem a ver com castigo. “Tem a ver com justiça e com crédito à vítima; e com o transgressor que enfrenta a verdade antes de morrer.”
No período precedente ao voto sobre o prazo de prescrição, a ministra da Justiça da época - Eveline Widmer-Schlumpf - advertiu que a modificação seria contraproducente, provocando, nos casos fracassados, mais mágoas às vítimas.
Mas um dia depois da votação, o jornal ‘Le Temps’, de Genebra, saiu com esta manchete: “Vitória das vítimas.” Com a lei em vigor, o sistema legal tem carta branca para provar a asserção do jornal genebrino.