Paralelo às aclamadas obras, que apesar dos atrasos, estão em pleno curso, cresce de forma assustadora a quantidade de crianças e adolescentes explorados sexualmente no território nacional. No Nordeste, a precariedade das instituições que deveriam zelar pela proteção infantojuvenil revela quão aquém estão as políticas públicas na disputa contra o jogo sujo da exploração.
Sob a égide de inúmeros agentes (Estado, população local, turistas e aliciadores), corpos, sexualidades, vidas e direitos de quem ainda está em fase de crescimento, continuam sendo violados. Em Fortaleza, onde está prevista a execução de nove empreendimentos para a Copa, com o custo total de mais R$ 1,5 bilhão, meninos e meninas são “vendidos” em mais de 74 pontos de exploração sexual distribuídos na cidade, conforme o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal apresentado no fim do ano passado. O custo do “programa” varia entre R$ 20,00 e R$ 150,00, alertam dados da CPI.
Uma violência admitida também na capital de Pernambuco, Estado que de janeiro a abril de 2012 já recebeu 117 denúncias de exploração sexual através do Disque 100 – serviço nacional de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Em Recife, onde oito obras de infraestrutura são idealizadas para a Copa do Mundo a um custo de aproximadamente R$ 1,4 bilhão, as investigações destes crimes são difíceis, dada à conivência de vários agentes com a ação.
Em Salvador, cidade que terá cinco obras de infraestrutura ao custo de R$ 675,3 milhões, a orla continua sendo recanto de garotas e garotos vitimados pelo mercado do sexo. Dados do Ministério Público Estadual apontam que em 2011, a Bahia totalizou 2.115 denúncias. Este ano, o Estado já acumula 660 acusações, sendo 253 oriundas da capital. Adolescentes entre 12 e 17 anos são as principais vítimas do delito.
Na capital potiguar, que conta com investimentos de R$ 1,69 bilhão para as oito intervenções em infraestrutura, os episódios de exploração repetem-se. Entidades da sociedade civil denunciam o corte orçamentário em equipamentos sociais voltados para o atendimento de crianças e adolescentes, enquanto, a Matriz Intersetorial de Enfretamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes revela que, de 2005 a 2010, o Disque 100 recebeu 326 denúncias de exploração sexual infantojuvenil, oriundas de Natal.
Fragilidade dos equipamentos
Se por um lado a população brasileira entusiasma-se com a possibilidade de apreciar de perto o principal evento futebolístico do Mundo, por outro sofre com impactos trazidos por ele, bem como com a possibilidade de um legado negativo. São crimes acentuados, violações de direitos, fragilidades e insuficiências, que infelizmente garantem a perpetuação das redes criminosas.
O representante do Ministério Público do Ceará (MP-CE), promotor Carlos Andrade, explica que as grandes obras, por mobilizarem significativa quantidade de trabalhadores, muitas vezes resultam na ampliação da exploração sexual. “Ocorre que, em geral, temos homens aglomerados, distantes de casa e da família, que findam por recorrer ao sexo pago, que de maneira negativa, em boa parte dos casos, envolve menores de idade” declara.
Para enfrentar tal situação, a prevenção e as políticas combativas devem emergir. Porém, nas cidades-sedes nordestinas a precariedade de equipamentos e ações põem em cheque a eficácia do enfrentamento. Ausência de mapeamentos e investigações, insuficiência de recursos e limitação de efetivo e instituições, são dificuldades comuns nos quatro municípios nordestinos que irão sediar os jogos.
Em Fortaleza, os dados da investigação realizada pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Exploração Sexual, encaminhado ao MP-CE, em abril deste ano, ainda não foram avaliados segundo o promotor. “Não tive tempo para analisar o documento. Até porque tenho que compatibilizar essa ação com trabalhos inerentes a 12a Promotoria de Justiça Criminal, onde tramitam na 12a Vara mais de 2.000 processos relacionados a crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes”, conta Andrade.
Realidade também presente no Rio Grande do Norte, onde segundo o promotor de Justiça da Defesa da Infância e Juventude de Natal, Marconi Falcone, os operadores do direito, devido os déficits da Polícia Civil, acabam não apurando crimes. “Só existe uma delegacia especializada, que funciona precariamente, e ela investiga mais crimes de violência sexual do que de exploração”, completa.
Se há omissão de equipamentos ou inexistência dos mesmos, ele informou que o MP-RN acaba ocupando o vácuo na tentativa de minimizar tais crimes. Um trabalho difícil e precário, conforme Falcone, que lamenta ainda a fragilidade dos Conselhos Tutelares no Estado. “Apesar de termos conselhos em todas as Comarcas, não há estrutura de trabalho. As políticas públicas para a infância estão em falência geral. As pessoas, hoje, cometem esse tipo de crime a céu aberto. Queremos e necessitamos de um trabalho de inteligência”, destaca.
Importante ferramenta de recebimento de denúncias e atendimento de menores explorados, os conselhos tutelares em Salvador também carecem de infraestutura. De acordo com a promotora de Justiça e titular do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente, Eliana Bloizi, tanto estes equipamentos quanto os projetos idealizados pelo poder público necessitam de ampliação.
Eliana cita como exemplo o Projeto Viver, que realiza o acompanhamento psicológico de crianças e adolescentes vítimas de exploração, mas que tem atendimento limitado a somente um bairro em Salvador. “Há dificuldade de deslocamento das vítimas, acompanhadas por seus responsáveis, além dos custos com o transporte. Isso não é assumido pelo poder público. Fica difícil para quem é vítima”, pondera.
Dificuldade de Investigação
Dispor de apenas uma delegacia especializada no combate a exploração sexual infantil é outra característica comum aos Estados da Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte. Aliada à dificuldade de apuração do delito, devido ao não reconhecimento da própria vítima sobre a violência sofrida, a ausência de equipamentos corrobora para manutenção do cenário de horror.
Bares, restaurantes, hotéis, motéis, pontos de táxi, postos de gasolina e rodovias são locais vulneráveis a ocorrência da exploração. Na reconfiguração do cenário, gerada pela realização do mega evento, o entorno dos canteiros de obras também integra a lista.
A titular da Delegacia de Combate e Exploração Sexual de Criança e Adolescente no Ceará, Ivana Timbó, ressalta que a realização de blitzes nos locais indicados é fundamental para monitorar e coibir esse tipo de conduta. Com o advento da Copa do Mundo, ela explica, a preocupação tem aumentado, apesar do número de denúncias não ser tão amplo se comparado a outras práticas criminosas contra o público infantojuvenil. “Esse infelizmente é um crime muito difícil de ser investigado, porque a vítima não se sente vítima. Sabemos que a quantidade de denúncias poderia ser muito maior. Além de serem inquéritos difíceis porque a maioria das testemunhas não quer falar”, revelou.
De acordo com ela, ciente das demandas advindas dos preparativos para o Mundial, a Gestão Integrada da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social está preparando operações específicas para o cenário da Copa, no entanto, as intervenções ainda não estão ocorrendo. Ivana destacou também que, apesar do esforço da equipe de 30 profissionais que atuam na Delegacia, as demandas são amplas, e a construção de mais delegacias espalhadas pelo interior do Estado seria ideal para dar vazão aos procedimentos. “Temos que atender todos os municípios, na medida do possível marcamos presença, mas, novos equipamentos ou pelo menos o aumento do efetivo são fundamentais” assegura.
Mais duas delegacias e um núcleo de investigação desafogariam os trabalhos da Delegacia Especializada de Repressão a Crimes contra Criança e Adolescentes em Salvador, conforme a titular do órgão, delegada Ana Crícia de Araújo. Reiterando a dificuldade de caracterização do crime de exploração, ela aponta que nas ruas de Salvador, especialmente na orla, inúmeras crianças e jovens são induzidos a práticas sexuais, mas que os aliciadores geralmente mantêm distância, o que dificulta o flagrante. “Quando as buscas são feitas em motéis as pessoas são autuadas em flagrante. Mas, quando é na rua, é muito difícil atribuirmos à conduta de exploração sexual, em geral apenas encaminhamos as vítimas ao conselho tutelar”, completa.
A delegada informa que campanhas são realizadas contra esse tipo de crime e mensalmente duas vistorias de rotina ocorrem nos pontos vulneráveis. Porém, ela destaca que dada a demanda, a Delegacia não tem conseguido dar conta dos casos ocorridos em Salvador, o que dificulta mais ainda a execução dos trabalhos em outras localidades, como Feira de Santana e Lauro de Freitas, que, conforme o MP-BA, este ano já registraram 50 denúncias na primeira e 37 na segunda localidade.
Mobilização para virar o jogo
Mas nem tudo é desencanto no cenário nordestino. Atentos à possibilidade de crescimento do comércio do sexo, e sensíveis à necessidade de respeito aos direitos humanos da população infantojuvenil, instituições governamentais, movimentos populares, ONGs e associações, aliam-se na Região para virar este jogo.
São verdadeiras redes de combate. Em Recife, por exemplo, há a articulação constante de ações de enfrentamento ao crime, segundo a coordenadora executiva do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Valéria Nepomuceno. A entidade, que capacita agentes sociais, como conselheiros tutelares, professores, policiais e mães é, quanto aos Direitos Humanos de crianças e adolescentes, uma das iniciativas elencadas no eixo de Boas Práticas e Projetos Inovadores em Direitos da Criança e do Adolescente da Matriz Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, documento da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), da Presidência da República.
O Cendhec atua também no atendimento direto a vítimas de violência sexual, em suas diferentes expressões, especialmente o abuso intrafamiliar. Mas, apesar de atender, hoje, cerca de 300 vítimas, Valéria pondera que as denúncias de casos de exploração sexual não chegam ao Centro. Os agentes acreditam que isso infelizmente se dá por conta do poder da rede que alimenta e mantêm a prática criminosa. Elaborar, monitorar, e cobrar junto ao poder público a efetivação do Plano de Enfrentamento à Violência Sexual em Recife também é tarefa da instituição.
Valéria destaca ainda que o grupo acompanha a articulação do Comitê Popular da Copa a fim de demarcar a insatisfação da sociedade civil organizada com os processos de estruturação, transparência e diálogo quanto às ações do campeonato. “Temos que provocar as organizações e opinião pública quanto ao legado que teremos após a realização dos megaeventos, além de monitorar e impedir que violações de direitos e retrocessos na participação popular venham a ser realidade” declarou.
A argumentação é reforçada pelo advogado do Cedeca Casa Renascer, em Natal, Gustavo Barbosa. Ele, que também integra o Comitê Popular, afirma que na Capital a carência crônica de políticas sociais acentuou-se nos últimos períodos, dada a violação de direitos nas obras da Copa. “Estão sendo colocadas inúmeras remoções. Não foram apresentadas alternativas, assim como as exigências legais não foram cumpridas. Além da mudança no cenário da cidade. As classes mais pobres são retiradas de seus locais. É a execução de políticas desestruturadas que resulta na vulnerabilidade de mulheres e crianças”, alertou.
Também elencado pela SDH como Projeto Inovador, a Casa Renascer tem como prioridade a ampliação e o fortalecimento do controle social sobre as políticas públicas de promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Além disso, garante a proteção jurídica social deste público e acompanha, através de atendimentos psipedagógicos, determinadas ocorrências de violência sexual. “Trabalhamos na prevenção e reparação de casos danosos. Hoje acompanhamos 20 episódios emblemáticos e também atuamos na instauração de Ações Coletivas, como por exemplo, a garantia de equipamentos para crianças e adolescentes”, explicou.
Em Fortaleza, as vítimas de abuso e exploração sexual são atendidas em programas específicos da Prefeitura, como a Rede Aquarela. Considerada um Projeto Inovador pela SDH, a Rede, que coordena e executa ações de enfrentamento a violência sexual infantojuvenil, em 2011, atendeu 27 casos de exploração sexual contra meninas. Este ano, 11 casos já foram acolhidos, segundo a coordenadora do programa, Ana Paula Costa Rodrigues.
Atendimento psicossocial e jurídico às famílias que registram Boletins de Ocorrências na Delegacia Especializada ou participam de audiências são ações da Rede Aquarela. Educadores sociais do programa também realizam visitas domiciliares às vítimas de crimes sexuais. A partir desta atividade, as crianças e adolescentes passam a integrar grupos conduzidos pela equipe de atendimento psicossocial, bem como as famílias.
A Rede também é responsável pela articulação das instituições nas comunidades da Capital. “Ações de sensibilização e informação como palestra, oficinas e campanhas, são realizadas nas localidades, de acordo com a metodologia do PAIR (Programa de Ações Referenciais e Integradas de Enfrentamento a Violência Sexual Infanto juvenil no território Brasileiro)”, conta a coordenadora.
Ela disse ainda que, em Fortaleza está sendo criada uma equipe para difundir a metodologia do PAIR nos 10 territórios de maior índice de exploração sexual na Cidade. A coordenadora acrescenta que, a gestão municipal avaliou a necessidade de ampliação de equipamentos para esse tipo de ação, principalmente nas áreas mais populosas e já verificou a demanda de um conselho tutelar que funcione 24h. Tal equipamento deverá ser inaugurado este mês.
Turismo sustentável e Copa amistosa- realidades possíveis?
A realização da Copa incrementará a economia brasileira, aquecerá a indústria, aperfeiçoará a cadeia produtiva do turismo e ampliará fluxo de visitantes no País. Eis os argumentos defendidos pelos entusiastas da competição. Para o coordenador do programa Turismo Sustentável e Infância (TSI) do Ministério do Turismo, Adelino Neto, o desafio do Brasil é justamente integrar o avanço econômico a efetivação do desenvolvimento social. “Queremos evitar que tenhamos denegação de direitos sociais. Nosso objetivo é que haja turismo sem destruição e para isso temos que prezar pela soberania do direito à vida de crianças e adolescentes”, defendeu.
Segundo Adelino, em 2011 o País consolidou uma imagem negativa junto ao turismo internacional, que segue sendo repudiada pelo governo Brasileiro. Um país com atrativos sexuais, onde o comércio do sexo continua mercantilizando vidas. Conforme o coordenador, apesar dos episódios de exploração sexual infantil por turistas representarem apenas 3% das denúncias recebidas pelo Disque 100, o Ministério está em alerta sobre a possibilidade de ampliação do crime nos próximos períodos. Ele informa que está sendo feito um levantamento sobre o aumento de violações de direitos nas cidades que irão sediar a Copa do Mundo.
Para combater e evitar a proliferação deste tipo de serviço, em 2004, foi criado o programa de Turismo Sustentável. Realizado nas 12 cidades-sedes e em João Pessoa (PB), a iniciativa, que dispõe de quatro eixos (projetos de inclusão social com capacitação profissional, formação de multiplicadores, seminários de sensibilização e campanhas) até agora contou com investimento de R$ 32 milhões. Este ano R$ 4 milhões devem ser destinados à ação.
Com o TSI, 178 seminários foram realizados e envolveram 110 mil pessoas da cadeia produtiva do turismo (recepcionistas, camareiras, taxistas etc) e da rede de proteção. Ao todo, 14 projetos de inclusão social foram encaminhados e 2.460 jovens foram capacitados, de acordo com Adelino. “A quantidade pode parecer pequena, mas temos feito aquilo que podemos. Mesmo com a limitação de recursos, realizamos atividades que tem boa aceitação. Queremos uma Copa amistosa e não vamos admitir que ela ocorra às custas do sacrifício de direitos sociais”, garantiu.
Atitudes campeãs
Diante do jogo travado, algumas ações tem favorecido o avanço dos times que atuam no combate á exploração. Segundo dados da Matriz Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, de 2005 a 2010, a Região Nordeste foi a que teve maior número de programas governamentais de enfrentamento a este tipo de crime com 35,6%, seguida do Sudeste com 29,4%, e regiões Sul, Centro e Norte com, 14,6%, 10,8% e 9,6%, respectivamente. Em relação às organizações da sociedade civil, 40% delas localizam-se na região nordeste, seguida de 21% da região sudeste, 18% da região centro oeste e 12% da região norte.
Nos últimos oito anos, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em parceria com Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, tem realizado o Mapeamento de Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual nas Rodovias Brasileiras. De 2003 a 2012, a PRF resgatou e encaminhou 3.251 crianças e adolescentes identificados em situação de risco nas BRs.
Conforme o estudo, boa parte desse resultado decorre de ações policiais embasadas no cruzamento dos dados do mapeamento de pontos vulneráveis (realizado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos em parceria com a Coordenação-Geral de Operações da Polícia Rodoviária Federal) com o mapeamento dos pontos confirmados e pontos com indícios de exploração, realizado pela Coordenação de Inteligência da Polícia Rodoviária Federal (COINT).
No mapeamento 2011-2012, 1.776 pontos foram registrados. Destes, 371 estão em rodovias do Nordeste, sendo, 79 no Rio Grande do Norte, 77 na Bahia, 33 no Ceará e 20 em Pernambuco.
Fonte: Assaré Editora






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