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Coordenador do MCCE, Ceará destaca a importância da Lei da Ficha Limpa, destacando ser prejudicial ao município eleger candidato amparado com liminar
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Natural de Granja (CE), Antônio Cavalcante Filho, mais conhecido como “Ceará”, atua na militância política desde os 17 anos. Ele é o fundador e presidente do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) em Mato Grosso, entidade que, como sugere o próprio nome, há 12 anos direciona ações para coibir eventuais irregularidades cometidas por autoridades ou candidatos a cargos eletivos, além de trabalhar para o fortalecimento da construção crítica da população.
Tendo se alfabetizado sozinho e adepto da Teologia da Libertação - com a qual teve contato na adolescência durante um trabalho como músico num convento -, Ceará veio a Mato Grosso no final de 1981, depois de ter lido o livro “Creio na Justiça e na Esperança”, de autoria de dom Pedro Casaldáliga - símbolo da luta em favor dos marginalizados -, bispo de São Félix do Araguaia (Mato Grosso), que há anos reside no Estado.
Mesmo com um cenário político marcado por escândalos e já tendo sido vítima de constantes ameaças por ter denunciado dezenas de autoridades ao longo do tempo, Ceará não perde as esperanças e enxerga na política – segundo ele, “a arte de bem governar o povo” – um meio para se construir uma sociedade mais justa.
“O que vemos, infelizmente, não é a política, é a politicagem. A política é algo grande, sublime”.
Diário de Cuiabá - O MCCE já definiu de que forma atuará nestas eleições?
Ceará - Nós continuamos com a mesma estratégia e perspectiva de haver colaboração dos cidadãos na fiscalização do processo eleitoral. Este movimento, quando se constituiu, foi inspirado na Lei 9.840 [lei de Combate à Corrupção Eleitoral], que inibe a corrupção em três níveis: compra de votos, abuso do poder econômico e utilização da máquina administrativa no processo eleitoral. Durante o período eleitoral, contamos com uma rede de apoio de diversas entidades, mas principalmente dos cidadãos conscientes, fiscalizando o processo, denunciando os crimes que possam estar acontecendo, como também formar essa ideia de cidadania efetiva, propondo o voto consciente, o voto limpo.
Diário – Para estas eleições, alguma coisa nova?
Ceará – Neste momento, a grande novidade é a validade da Lei da Ficha Limpa, que será testada pela primeira vez nestas eleições. É mais uma preocupação, mas uma preocupação boa. Estaremos fiscalizando para que a lei seja aplicada em sua plenitude.
Diário – Como se dará nestas eleições, na prática, esta parceria do MCCE com os cidadãos?
Ceará – O cidadão tem que ter a consciência de que esta luta também é dele. Na página do MCCE da internet há um link que qualquer pessoa pode acessar para fazer denúncias de irregularidades. A pessoa não precisa informar seus dados pessoais, só pedimos que nos informe a verdade, com documentos, fotos, áudio, vídeo. Em posse do material, faremos a análise e o encaminharemos para a Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Eleitoral.
Diário – Pela sua experiência de lidar no combate com a corrupção, quais os tipos de práticas criminosas mais comuns encontradas nesta época das eleições?
Ceará – A compra de votos continua, a meu ver, sendo o crime mais comum. Hoje, se mascara a compra de votos. Anteriormente, quando não existia o movimento, a compra de votos era feita de forma explícita, escancarada. Qualquer praça, há dez anos, possuía uma banca semelhante à do jogo do bicho, com cabos eleitorais pegando o título de eleitor dos cidadãos, cadastrando a compra do voto. A coisa era tão comum e tão aberta, que até por telefone a pessoa negociava o voto. Naquela época, peguei 12 candidatos a vereador comprando votos. Num dos casos, liguei para um deles, coloquei o gravador acoplado ao telefone e conversei com o coordenador de campanha. Perguntei quanto era o preço que pagariam pelo meu voto. Ele me respondeu que iria se reunir com os demais candidatos para acertar o preço e unificar, para não inflacionar o mercado. O processo eleitoral parecia mais uma feira-livre de compra e venda de votos. Atualmente, este crime continua sendo o mais comum, mas de forma diferente. Hoje, contratam-se verdadeiros exércitos de cabos eleitorais para fazer reuniões, atuar em áreas periféricas, distribuir santinhos, agitar faixas e cartazes nas ruas, o que, na verdade, é uma forma de mascarar a compra de votos.
Diário – Como coibir isso, já que a Justiça permite?
Ceará – A Lei de Combate à Corrupção Eleitoral proíbe a pessoa de oferecer, ofertar e prometer qualquer vantagem ao eleitor em troca da compra do voto. Isso é claro. Agora, para que isto seja praticado em toda sua plenitude, precisamos contar que os partidos conscientizem mais os seus candidatos. Que os cidadãos também se conscientizem mais do seu papel no processo eleitoral. Precisamos dos dois lados. Da Justiça coibindo as irregularidades e dos cidadãos fiscalizando, contribuindo para que isto aconteça. É um processo de longo prazo, pois a corrupção eleitoral no Brasil vem desde a época do coronelismo. Temos cobrado tanto do eleitor como da Justiça.
Diário – Como o senhor avalia a situação política em Cuiabá e Várzea Grande? Acha ainda que existe muito coronelismo velado?
Ceará – Com certeza! Em Várzea Grande, por exemplo, são os mesmos caciques de sempre que mandam na cidade. Em Cuiabá, se você observar bem, existem novos nomes, pessoas novas aparecendo, mas esse “novo”, se você vir bem as raízes que sustentam suas campanhas, verá que se trata do mesmo poder econômico, da mesma elite, que continua ainda a dar as diretrizes. Uma hora, o Bezerra, com o seu PMDB, outra, os Campos, com o DEM. Ainda também tem o Blairo, que representa o segmento empresarial do agronegócio, que é muito parecido com o antigo coronelismo, os chefes feudais. Então, esse novo que se apresenta tem em sua essência os mesmos vícios das antigas práticas.
Diário – O MCCE de Mato Grosso colocou na sua página da internet o “Mural dos Porcolíticos”. Do que se trata esse mural?
Ceará – Há uma diferença fundamental entre publicidade e propaganda. A propaganda está ligada a propostas, projetos, ideias. Isso se faz com debate político. Já a publicidade está mais para o negócio, comércio, mercado, com você vender o slogan, o número, a marca e massificar em todos os cantos da cidade. O Mural visa combater as irregularidades do uso de materiais de campanha em vias públicas para a publicidade dos candidatos. Nas últimas eleições, a cidade ficou toda poluída por conta dessa prática dos candidatos. Existe uma lei municipal que proíbe isso. Mas aí os candidatos e a Secretaria do Meio Ambiente, a quem cabe fiscalizar esta lei, fizeram um acordo, pois há uma lei federal que permite a prática. Porém, se o candidato que se propõe a ser vereador ou prefeito não respeita uma lei do próprio município, não merece o voto.
Diário – Como o senhor avalia o nível dos candidatos a prefeito e vereador de Cuiabá e Várzea Grande?
Ceará – Até agora não dá nem para fazer avaliação, pois não conheço o projeto e a proposta de nenhum deles. Até hoje não vi ninguém falando de propostas, só fazendo publicidade, o “oba-oba”. Então, não dá para fazer nenhuma análise dessa forma vazia e superficial da campanha até o momento.
Diário – Mas alguns candidatos já concorreram em eleições anteriores.
Ceará – Sim, mas se você observar, eles sempre concorreram da mesma forma, com pouco debate e muita publicidade.
Diário – Em Cuiabá, 57% dos candidatos a vereador não possuem formação de nível superior. O senhor acha que isso pode ser uma agravante?
Ceará – Eu penso o seguinte: o mais grave é o comportamento ético e moral da pessoa. Eu sou um autodidata, e conheço muitas pessoas autodidatas talentosas, que estudam e seriam ótimos representantes, como vereador ou como prefeito. Mas, com certeza, o estudo é importante, mas somado à questão moral.
Diário – Como ficam os fichas sujas nestas eleições municipais? E como vai ser a posição do MCCE para que a Lei da Ficha Limpa seja cumprida?
Ceará – Ficha suja é o candidato que tem condenação em Segunda Instância. Só que, o que pode acontecer neste ano é que muitos candidatos que estão sofrendo neste momento as primeiras impugnações podem entrar com liminar e concorrer à eleição sub judice. Isso é um perigo muito grande, porque se um candidato insiste em registrar sua candidatura e vai para a campanha amparado por uma liminar pode se eleger e depois acabar cassado. Tivemos exemplos recentes em Várzea Grande e Santo Antônio, onde prefeito cassado entra com liminar, é cassado de novo, assume o vice, que depois é deposto, e quem assume é o presidente da Câmara e fica aquela troca de cadeira, emperrando a administração municipal. Isso é um prejuízo muito grande para a cidade, pois quem sofre é o povo. Isso pode acontecer em qualquer município onde o candidato ficha suja insista em concorrer ao pleito. Por isso, apelamos para a consciência do eleitor: não vote em fichas sujas, mesmo que tenha sido liberado para disputar a eleição.
Diário – O senhor fala muito sobre essa questão da consciência dos cidadãos. O Brasil ainda é um país que tem que avançar muito na questão da educação. O MCCE tem algum tipo de ação específica para ajudar na formação política da população?
Ceará – Sim, nós temos distribuído em todo o Brasil cartilhas de formação e conscientização política. Temos feito debates em escolas, comunidades, universidades. Então, nessa parte preventiva-pedagógica, sempre procuramos desenvolver paralelamente a esse trabalho de fiscalizar a aplicação da lei. Na verdade, precisamos muito mais que isso. Seria interessante se o próprio TRE, além do horário político gratuito na televisão, fornecesse um espaço para a sociedade civil organizada se aprofundar mais no debate.
Diário – Como o senhor avalia essa relação do MCCE com, por exemplo, o TRE, o Ministério Público Eleitoral e a Polícia Federal? O senhor acha que essas instituições cumprem bem o seu papel?
Ceará – Nós podemos dizer que o atual quadro do TRE avançou muito no sentido de estar mais aberto aos anseios populares. O TRE avançou muito também em relação ao entendimento da Lei 9.840, como está claro para nós que a Justiça Eleitoral vai estar atenta para coibir os crimes, como também para a aplicação correta da Lei da Ficha Limpa. A relação do MCCE com o TRE e as instituições que você mencionou é muito boa. Nosso movimento dialoga com o TRE de todos os estados, com o TSE. Temos uma relação muito boa com os ministros do Supremo Tribunal Federal. Um dos fundadores do MCCE, o juiz Marlon Reis, que é um dos redatores da Lei da Ficha Limpa, foi assessor do Ayres Brito [ministro do STF] na campanha passada quando ele era presidente do TSE. Então, a gente espera que essa nossa relação com as instituições se aprofunde mais, para o bem da democracia.
Diário – No caso dos candidatos a cargos eletivos, como é a relação do MCCE?
Ceará – Não temos aproximação nenhuma com candidatos, nem com partidos. Nos mantemos completamente neutros em relação à militância política-partidária. Somos observadores das discussões políticas e fiscalizadores do processo eleitoral.
Diário – O MCCE surgiu do Movimento Cívico de Combate à Corrupção, iniciado em 1999. Nesse intervalo, vocês acumularam inimizades ou chegaram de sofrer alguma retaliação?
Ceará – Sim, minha casa já foi invadida, roubaram documentos que eu tinha lá, espancaram minha mulher [se emociona e a entrevista é interrompida]. Na ocasião, os documentos roubados comprovavam crimes eleitorais contra 12 candidatos a vereador por Cuiabá em 2000. Já sofri ameaças, chantagens, até tentativa de cooptação.
Diário – Quanto te ofereceram?
Ceará – Não foi uma questão de valor. Eu estava passando por um momento difícil, pois minha filha havia sofrido um acidente e estava internada na UTI de um hospital público [começa a chorar]. E aí o candidato a deputado federal Rogério Silva, que eu havia denunciado por compra de votos, mandou um mensageiro me avisar que poderia levá-la para um hospital particular. Em troca, o candidato queria que eu retirasse as denúncias feitas contra ele no TRE. O mensageiro disse que já estava tudo certo na Polícia Federal. Isso foi numa sexta-feira, no final da tarde. Avisei que daria a resposta na segunda-feira de manhã. No dia, fui ao delegado que conduzia a investigação e disse: “fui procurado e falaram que estava tudo certo aqui”. Ele me respondeu: “me falaram que também estava tudo certo lá”. Daí eu falei: “vamos provar que não está certo em lugar nenhum”. Chamamos a imprensa e contamos tudo. O deputado acabou cassado.
Diário – Você então se considera incorruptível?
Ceará – O fato é que já estamos há 13 anos nessa caminhada e continuamos de cabeça erguida. Se nós tivéssemos titubeado, fraquejado em algum momento, isso já teria sido perdido e este Movimento já estaria acabado há muito tempo.
Diário – O que o motiva a continuar nesse Movimento? Você acredita, sinceramente, que a política será mais justa?
Ceará – Sim! A política, no sentido real da palavra, até de forma poética, de acordo com o dicionário de Aurélio Buarque, significa “a arte de bem governar os povos”. Então, a política me faz lembrar uma arte inspirada a conduzir os povos à verdade. Só que o que a gente vê, infelizmente, no meu entender, não é política. Isso aí é a politicalha ou politicagem, não representa o verdadeiro significado da política. A política é algo grande, sublime, e a politicalha é essa coisa mesquinha, de lobos travestidos de cordeiros para enganar e iludir o cidadão desprovido de consciência crítica. Acho que é possível separar o joio do trigo. Por isso é que estamos aí, contribuindo na construção de um país melhor, se não para nós mesmos, para nossos filhos e netos e gerações futuras.
Diário – O senhor já pensou em se candidatar a algum cargo eletivo?
Ceará – Por questões pessoais, nunca fui, não sou e jamais serei candidato e, se algum dia me vir concorrendo a qualquer cargo, que não vote em mim, pois não serei eu.
Diário – O MCCE, então, pega essas denúncias e encaminha para esses órgãos?
Ceará – Em alguns casos, a gente mastiga mais, se é possível juntar mais provas.
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