Maria José Palo – A leitura literária na formação de crianças e adolescentes


“Aprender as letras é tornar-se um ‘sujeito de lembranças’, capaz de inventariar a própria subjetividade”, disse, em entrevista ao VIA blog, Maria José Palo, professora do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP e pesquisadora CAPES/CNPq. Entre outros temas, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA prevê o direito à cultura, que, segundo seu Artigo 4º, deve ser assegurado pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo poder público com absoluta prioridade.
VIA Blog – Infância e adolescência são momentos de formação da subjetividade e da compreensão de mundo do indivíduo. Qual o papel da leitura literária nesse processo?Maria José Palo – A leitura é a aventura do prazer, na qual o leitor é a personagem a ser capturada. Uma vez colado ao livro, ele o adentra e com ele se identifica. O livro faz a mediação por meio da linguagem escrita e figurativa, realiza a coligação entre experiência e ação, acionada pela memória. Define-se, aí, a experiência da troca de hábitos, lugares e modos de ler na continuidade da superfície do texto.
Uma vez colado ao texto, o leitor ativa sua história, escolhe-a pelo próprio gostar/não gostar, postura que se mobiliza no corpo, na voz, na visão, na emoção, ao trazer imagens do passado para o presente. Essa ação-experiência de leitura transforma o modo de olhar do leitor e de perceber o outro, e, principalmente, sua perspectiva de mundo. Ler literatura consolida a mudança de hábitos velhos para hábitos novos, uma vez revitalizados pela memória e pelo imaginário do indivíduo.

VIA Blog – A significação do mundo passa pela construção da linguagem?M. J. P. – A formação do indivíduo leitor e sua nova posição diante do mundo é um evento de linguagem, um fenômeno que requer a educação da percepção, da emoção, das sensações, do corpo, elementos que se integram e esperam o sentido das coisas na experiência da leitura literária.
VIA Blog – E o que representa, para crianças e adolescentes, negar-lhes o direito à leitura da literatura?M. J. P. – A frase comumente usada, “jovens sem história”, reflete essa negação ao direito à leitura literária pelas instituições que se nomeiam educadoras da leitura.  Aprender as letras é tornar-se um “sujeito de lembranças”, capaz de inventariar a própria subjetividade, retoricamente – o que significa produzir e libertar escrituras a partir do próprio ponto de vista.
VIA Blog – Pesquisas recentes, como a Retratos da Leitura no Brasil, apontam um cenário desfavorável no que diz respeito aos hábitos de leitura e à formação de leitores. Como você avalia os resultados dessa pesquisa?M. J. P. – Em termos de um retrato estatístico, que se diz representativo da leitura no Brasil, pouco há a comentar, no âmbito do conceito de leitura ao qual nos referimos aqui. Lidar com a língua e a linguagem é algo mais refinado e ao mesmo tempo sistêmico, pelo lugar que ambas ocupam dentro da cultura humanística de um país. Esse dado numérico soa como um indicador de subestima ao próprio leitor, criança ou adolescente, como sujeito em formação, com vontade e emoção; números não o representam em seu querer “abismar-se”, inocente como sempre está diante dos estímulos que capta e espera da realidade.
VIA blog – A experiência da leitura, portanto, ultrapassaria tais estatísticas?M. J. P. – Desde a sua primeira voz na prática da oralidade, sons originários da língua preparam a linguagem. Nela, o leitor independe da cultura linguística. Sua postura é mais a de um observador (cientista) que aprende, vivencia maneiras de aglutinar sujeito e mundo, passando a repertoriar formas de interação com o entorno por meio da leitura. Nessa experiência, prazer e saber aliam-se pela qualidade da leitura e não pela quantidade numérica.
VIA Blog – Como então promover o hábito da leitura entre crianças e adolescentes?M. J. P. – A palavra hábito é um conceito ambivalente no cenário cultural e, mesmo, no escolar. Em se tratando de fenômenos em processo de mutação, o livro, a leitura e o leitor constituem um espaço de troca do desejo. O leitor encontra no livro um ambiente de visitação para reforçar seu desejo de ler. Sem o livro nada há a contar de si e do mundo. A biblioteca deve ofertar esse passo a passo da formação do desejo de leitura. É mais uma busca fetichista que prevê o gosto e o estímulo de ler o livro, de “ir ao longo do livro”, de fazer o caminho da subjetivação como leitor do “desejo do eu”. Uma vez conhecendo-se, o leitor passa a contar sua própria história, e, em suspense, fica à espera do sentido, ao longo da vida.
VIA Blog – E qual seria o papel da escola?M. J. P. – O professor, quando ciente desse fenômeno da leitura e do leitor, é o principal motivador do hábito. Razão pela qual poderá ganhar um papel central na formação da leitura, tarefa que, quase sempre, não pode ser exercida apenas pela família. A escola não forma o leitor. Ela consolida a imagem do livro que deve capturar o leitor; chama ao livro e oferece uma experiência que reserva prazer. O livro reúne em si a vivência do prazer – pelo ver, pelo ouvir “histórias”, pela performance do corpo que, aos poucos, se desprende do leitor para tornar-se energia, emoção, conhecimento e lugar do sujeito-leitor enquanto imagem amorosa.
VIA Blog – O professor seria, então, o principal mediador de leitura?M. J. P. – Ao professor cabe propiciar ao indivíduo este “lugar de libertação da imagem do sujeito”. Ele deve prever e objetivar as circunstâncias lúdicas das experiências construtoras de imagens e reforçar a relação física do leitor com o livro.
Bernardo Vianna / VIA blog

0 Comments:

Postar um comentário

Para o Portal Todos Contra a Pedofilia MT não sair do ar, ativista conclama a classe política de MT
Falta de Parceiros:Falsos militantes contra abuso sexual e pedofilia sumiram, diz Ativista
contato: movimentocontrapedofiliamt@gmail.com