ALUNO QUE DENUNCIOU ESTUPRO RELATA VIOLÊNCIA NA USP


Em entrevista ao portal k3, calouro conta como foi cercado por rapazes no dia em que chegou ao alojamento
publicado em 22/04/2013 18:05 | Stefhanie Piovezan e Mariucha Magrini
Para alcançar o sonho de estudar na USP, ele foi eletricista, porteiro e fez outros "bicos" para juntar dinheiro e sair de sua cidade natal rumo a São Carlos. Hoje, o sonho se transformou em pesadelo e ele já começa a se preparar para o vestibular de outras universidades, uma vez que não sabe o que será decidido na audiência desta quarta-feira (24), quando seu caso será julgado. Ele é o estudante que, no dia 13 de março, registrou um boletim de ocorrência contra veteranos que o teriam molestado no dia 4 do mesmo mês, dentro do alojamento do campus I da USP em São Carlos.
Até o momento, o caso vinha sendo abordado com informações fornecidas pela polícia e pela USP, e o lado do aluno não tinha sido contado. Até o momento. Preservando a identidade do rapaz, o portal k3 publica nesta semana uma entrevista exclusiva concedida pelo universitário. A entrevista esta dividida em três partes. Nesta primeira parte, ele conta a história de sua chegada a São Carlos e relata como foi cercado por um grupo de rapazes no dia em que foi morar no alojamento da universidade.
Você sempre quis USP?
Eu queria muito a USP de São Paulo, mas o grande problema lá é o trânsito. Seriam três horas para ir, mais três para voltar para casa... Para encurtar essas distâncias eu vim para São Carlos. Mas sempre quis USP.
E desde o começo você quis morar no alojamento?
Eu vim em 2011, antes mesmo de passar no vestibular. Trabalhei como eletricista, porteiro e fiz outros bicos para juntar dinheiro e me mudar para cá. Comprei um lote em um bairro da periferia, um lugar abandonado pelos órgãos públicos, e foi uma história muito grande de luta aqui. Eu não tenho nenhum parente em São Carlos, não tinha nem conhecido. Eu cheguei aqui e tive que morar em pensão, em alguns dias precisei dormir na rua porque uma casa não sobe do nada, às vezes tinha que ficar lá no bairro, cuidando para que ninguém roubasse o material de construção. Houve muita luta.
Mas se tinha casa, por que o alojamento?
Passei no vestibular em 2012 e eu já tinha sofrido assaltos e furto aqui, a ponto de decidir não sair mais de casa a partir das 19 horas, mas meu curso só era oferecido à noite, então pedi o apoio da USP. "Já passei por situações de violência aqui. Seria possível vocês liberarem uma bolsa auxílio para eu alugar um apartamento mais perto do campus, dividindo com outra pessoa, ou a vaga no alojamento?". Eles deram a vaga aqui no alojamento. Esse é o motivo principal de eu morar lá dentro.
Quando você entrou no alojamento?
No mesmo dia em que ocorreu o problema, dia 4 de março.
Você já tinha feito a mudança?
Não. Eu levei as coisas depois porque eu ainda permaneci por mais uma semana lá depois do que aconteceu. Eu cheguei no dia 4. Nesse dia à noite teve uma assembleia geral para fazer a recepção dos "bixos", passar algumas orientações, falar sobre documentação, e essa assembleia foi depois do meu horário de aula, por volta das 11 horas da noite. Durou aproximadamente uma hora e eu cheguei ao alojamento meia-noite. O pessoal que deveria estar na assembleia estava fazendo uma festa dentro do alojamento, em uma área comum a todos. Chamaram alguns convidados e eles nem sabem exatamente quem estava ali.
Quantas pessoas participavam dessa festa?
Umas 15 pessoas, mas nem todos eram conhecidos deles. Teve gente que estava ali que eu nunca mais vi na USP. Eu acredito que nem aluno da USP era. Outros calouros passaram pelo corredor em que eu passei e ninguém foi parado, não sofreu nada. Eu acho que eu fui o último dos calouros a passar por aquele lugar.
Por volta da meia-noite?
Isso, dentro do alojamento, naquele hall de entrada, é um salão no térreo em que há a sala e a cozinha, é uma área comum, que dá acesso aos demais apartamentos. Meu apartamento era no andar de cima, eu chegava com a intenção de ir para o meu andar e não imaginava. Eu já tinha passado por todos os trotes dentro da faculdade, frequentei a primeira semana, fui pedir dinheiro...
Com relação ao trote tudo bem?
Eu achei que isso foi fundamental para a integração.
Você já conhecia as pessoas que o abordaram na festa por causa do trote?
Nenhum deles era conhecido, eles são de outros cursos. Eu levei trote da galera que é do meu curso, mas foi super bacana. Essas pessoas, até o momento, nenhuma delas eu conhecia.
O que aconteceu?
Eu fui parado por um dos veteranos que mora ali. Ele me parou, colocou o braço por trás do meu pescoço, abraçado, e eu estava tentando escapar, não sabia o que ia acontecer. Ele me chamou em uma rodinha, eu fiquei querendo sair, ele falou: "Não, 'bixo, vem aqui". Ele já estava com um copo de cerveja em uma mão, depois colocaram as bebidas nas mesas, e eu percebi que eles estavam tentando alguma coisa. Mandaram eu ficar no canto da cozinha e ficaram cochichando. Eu percebi que estava acontecendo alguma coisa errada e fiquei pensando em sair dali, mas a única saída que tinha era a porta de entrada mesmo, em que eles estavam, eu estava cercado. De uma vez eles pararam de cochichar e vieram todos para cima de mim gritando.
Todos homens?
Sim. Tinha mais algumas pessoas ali que estavam na festa. Tinha duas pessoas que hoje eu conheço, eles estavam ali, eles presenciaram, e mais alguns não conhecidos. Vieram aproximadamente oito pessoas para cima de mim, todos gritando "xupa, bixo", Outros só gritavam "xupa". E vieram todos para cima de mim, gritando também "bixo homofóbico", dando a entender que era para eu chupar e um chegou a tirar a bermuda. Eu tentei correr para um lado, fui segurado pelo braço. Aí veio um rapaz e me “encoxou”, começou a esfregar seu órgão genital na minha perna. Depois foram mais dois e um deles era o mesmo que tinha me segurado. Teve mais outras pessoas que estavam em volta, mas elas tiveram uma participação bem pequena. Eu passei um bom tempo cercado ali, eles chegaram a abaixar minha calça, minha bermuda, acho que eu estava de bermuda, e um deles abaixou a dele. Hoje ele nega, mas no começo eles admitiam o que tinha acontecido, depois que eles perceberam que a coisa estava feia...
Voltaram atrás?
Parece que o pessoal tem dupla personalidade. "Não, não falei nada disso". Mas ele abaixou a calça, uma pessoa por trás dele abaixou a cueca dele, ele ficou totalmente despido e eles ficavam gritando "xupa, bixo", se faziam de homossexuais. Um chegou a colocar a mão no meu pênis quando eu ainda estava com bermuda. Um deles falava que queria chupar meu pênis e eles se faziam de homossexuais, mas eu acreditei e também não sei até que ponto eles estavam conscientes depois do tanto que tinham bebido e até que ponto aquela história era verdade mesmo. Se eles estavam realmente brincando ou se alguns estavam brincando e outros fazendo de verdade, mas eles pareciam ter prazer em ficar se esfregando na minha perna. Eu saí empurrando as pessoas que estavam em volta e consegui ir para outro canto. Fiquei preso nesse outro canto e foi a mesma história.
Vieram de novo?
É, com várias brincadeiras desse tipo. Ele dizia que queria chupar meu pênis e todos gritavam "xupa", mas acho que os outros que estavam em volta não sabiam que ele ia fazer aquilo. Eu imagino que não, eu imagino que não eram todos. Eu consegui escapar dali e subi para o piso de cima. Antes de eu chegar ao meu quarto subiu um rapaz e começou a conversar, falar para eu ficar calmo. Ele percebeu que eu estava super apavorado. Ele ficou falando que não era para eu ficar chateado, que não era intenção dele eu ficar magoado, e não sei também se era verdade, mas ele ficou ali conversando um bom tempo, não queria deixar eu entrar no quarto. Falava "cara, vamos descer e beber com a gente", "pode ficar tranquilo, os caras exageraram, mas eu não sabia que iam fazer isso". Eu dispensei todos os convites e fiquei dentro do meu quarto. Virou a madrugada com eles fazendo festa e eles pareciam estar muito loucos mesmo. Tinha alarme de incêndio no prédio, eles ficavam apertando. Ficavam correndo pelo prédio inteiro. Eu estava assustado. Eu dormia no quarto com mais duas pessoas e um deles estava lá embaixo, e tinha uma geladeira no meu quarto onde o pessoal guardava cerveja. Então eu fiquei apavorado porque a noite inteira o pessoal entrava e saía. Não era brincadeira aquilo para mim. Se alguém estava brincando, com certeza não foram os que se esfregaram ou abaixaram a bermuda. Aqueles três eu acredito que foi de sacanagem mesmo.
Leia o que já foi publicado sobre o caso.