Escritor acredita que literatura infantil ajuda crianças a superar a violência sexual

O tema da infância sempre esteve presente na vida do professor universitário e escritor Hugo Monteiro Ferreira. Seu trabalho, muitas vezes como voluntário, tem sido despertar o prazer pelos livros nas crianças, em orfanatos, organizações sociais , instituições de saúde e escolas. Suas pesquisas de mestrado e doutorado são sobre a formação do leitor com crianças do ensino fundamental. Ao disseminar a leitura nas comunidades mais vulneráveis de Pernambuco, ele conviveu com casos de violência doméstica. Hugo conta, em entrevista para a Childhood Brasil, porque resolveu escrever o livro “Antônio” (Editora Escrita Fina – ilustrações de Camila Carrossine) para ajudar as crianças a ter coragem de denunciar o abuso sexual por meio de personagens de contos infantis.

O que o inspirou a escrever uma história infantil falando sobre abuso sexual contra crianças?
Eu sempre desejei ajudar as crianças vítimas de abuso, porque percebia que elas tinham muita dificuldade para falar. Além do medo, vem a opressão, a culpa e uma sensação muito grande de estarem desprotegidas. O abusador atribui à criança uma culpa que ela não tem. Queria fazer com que elas se sentissem mais fortes para poder pedir socorro. O livro Antônio é como um grito. Eu não passei por um abuso, mas procurei me colocar na posição de um garotinho que passa por isso, porque machuca muito.
O menino Antônio gostava muito de jogo da memória, mas não queria lembrar mais do que acontecia entre ele e a Mão [no livro, “a Mão”, representa o abusador]. Ele foi inspirado em alguém?
Na verdade, ele se chama Fábio e o conheci em um orfanato de Olinda, onde trabalhei. Toda segunda-feira, ele dormia muito na escola, porque era abusado sexualmente por um vizinho nos finais de semana, quando voltava para a casa da família. A avó sabia, mas fazia de conta que desconhecia a violência, porque recebia dinheiro do abusador para ficar calada. Ele tinha dez anos, mas viveu isso por dois anos.
Em um dos capítulos, o garoto Antônio diz para a professora que queria que o seu tio perdesse a mão, assim como o soldadinho de chumbo perdeu a perna. Por que você escolheu usar contos universais para falar sobre um tema delicado?
Os garotos precisam elaborar no simbólico para resolver a realidade. Antônio se imagina na Terra do Nunca e que conseguirá destruir a “Mão” que o ameaça, como Peter Pan venceu o capitão Gancho.
A mensagem do livro é também para os adultos?
Quero muito que eles leiam, porque são os responsáveis por proteger e ajudar as crianças. No livro, o menino dá sinais para a professora, que não consegue entender e é levado ao psicólogo que diz aos pais que ele está com depressão, mas não fala a causa. Os adultos precisam estar atentos, porque ainda é muito raro uma criança ter coragem de contar sobre a violência sexual sofrida, é muito constrangedor.
Que advertência você daria aos pais, educadores e comunidade para acolher as vítimas e prevenir os abusos?
Quando os adultos respeitam a infância, conseguem ouvir a voz do outro. Os pais, educadores e toda a comunidade precisam estar atentos, principalmente, hoje com a internet. Não deixem a criança se sentir solitária. Leiam com ela, vejam filme e brinquem juntos. Os pais de Antônio se ausentavam muito, porque precisavam trabalhar demais, é a vida contemporânea, mas é preciso ouvir a criança.
O que mais chamou sua atenção convivendo com as crianças vítimas de abuso das comunidades mais vulneráveis?
A própria comunidade quando fica sabendo de um abuso sexual não responsabiliza o adulto pelo crime. A menina não é vista como vítima, mas é considerada culpada. Dizem que o “macho” tinha que fazer isso mesmo, porque ela é “safada” e usou roupas curtas. Há uma distorção de valores.
Qual tem sido a repercussão do livro?
Mesmo sendo um assunto denso, como o texto é poético e com ilustrações, já está sendo usado em algumas escolas públicas de Recife. Quero que atinja também as escolas privadas, porque o abuso sexual é uma realidade de todas as classes sociais. Criei um pocket show (uma apresentação de curta duração), no qual coloco adivinhações e lendas e também tenho feito algumas palestras sobre o tema.
Você já teve alguma experiência de o livro ter inspirado alguma criança a falar do assunto?
Quando fui convidado para a feira de literatura no salão do livro infantil e juvenil do Rio de janeiro, contamos a história para crianças de quatro e cinco anos e quando abrimos para perguntas, elas resolveram dar depoimento sobre como que viviam em suas casas, reclamando que ficavam muito sozinhas e até relatando outros casos mais delicados.
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