Voltando a trabalhar em conjunto, o realizador Joaquim Leitão e o produtor Tino Navarro, propõem uma história policial que começa com a investigação de um caso de pedofilia: "Quarta Divisão" vai falhando, infelizmente, na construção dramática e na relação cognitiva com o espectador.
Trailer/Cartaz/Sinopse:
Quarta DivisãoUm dia, uma criança de 9 anos, Martim Cabral e Melo, desaparece do colégio privado onde estuda. A polícia monta uma grande operação de busca por toda a cidade para o encontrar. Todas as hipóteses são possíveis: Que aconteceu?
O que é a verosimilhança dramática de um filme? Não há, obviamente, uma resposta única e definitiva: cada filme cria o seu próprio programa narrativo e, melhor ou pior, tenta cumprir os seus pressupostos e exigências. Digamos, então, para simplificar, que é algo que garante ao espectador que todos os dados que o filme investe na sua ficção têm alguma pertinência para o olhar desse mesmo espectador.
"Quarta Divisão" é um filme com dificuldades para sustentar esse tipo de verosimilhança. A sua crónica sobre uma brigada policial (Quarta Divisão) que persegue um suspeito de pedofilia vai revelar-se, afinal, uma história completamente ao lado desta... Mesmo sem querer revelar o desenlace do filme, há, aqui, um jogo de "surpresas" que decorre menos de uma genuína elaboração dramática e mais da ilusão (conceptual) de que a intensidade emocional redobraria apenas porque, de modo mais ou menos arbitrário, se lança para a arena da ficção um "trunfo" que ninguém sabia que existia.
E não é apenas um problema de saber "mais" ou saber "menos" sobre o que está a acontecer. Para nos ficarmos por um contraponto eloquente, observe-se o admirável efeito de surpresa que Alfred Hitchcock põe a funcionar no genial "Frenzy/Perigo na Noite" (1972), quando, ainda muito cedo na duração do seu filme, nos mostra que, afinal, não estávamos a ver o verdadeiro assassino... Mais do que isso: passamos a saber tudo aquilo que a polícia não sabe e, no entanto, tal não implica qualquer diminuição da espantosa vibração do suspense. Bem pelo contrário: como Hitchcock não se cansou de referir (nomeadamente no célebre livro/entrevista com François Truffaut), o suspense não é uma revelação linear ("o criminoso é..."), mas um elaborado exercício de equilíbrios e desequilíbrios entre aquilo que o espectador sabe e o conhecimento ou desconhecimento de cada uma das personagens centrais.
Fica, por isso, uma sensação de desencanto e arbtitrariedade que, em todo o caso, não exclui um essencial reconhecimento: aliado ao produtor e argumentista Tino Navarro, o realizador Joaquim Leitão prossegue aqui uma aposta na abordagem de personagens e situações que, de uma maneira ou de outra, remetem para o aqui e agora da sociedade portuguesa. Podemos discutir as próprias coordenadas sociológicas,também inevitavelmente dramáticas, de tal abordagem (por exemplo, na integração de vários clichés morais e mediáticos para a descrição do mundo dos "ricos"); em todo o caso, não deixa de ser verdade que estamos perante um cinema apostado em não perder a sua articulação com diversos elementos do tempo que vivemos.
O saldo de tudo isto vê-se, como sempre, no investimento feito no trabalho dos actores. Por um lado, o filme aposta num risco calculado, atribuindo o protagonismo a uma personagem feminina (no interior da referida brigada policial): mesmo se a sua definição carece, por vezes, de densidade emocional, é um facto que Joaquim Leitão consegue oferecer a Carla Chambel alguns interessantes momentos de composição. Por outro lado, casos como o de Paulo Pires (o suspeito) decorrem de um conceito estereotipado de personagem, desde os tiques "sociais" até aos sintomas "psicológicos", tornando inviável qualquer esforço de representação. Em alguns breves momentos, podemos ainda descobrir o discreto, mas magnífico, Adriano Luz, por certo um dos actores mais sub-aproveitados do cinema em Portugal.
Crítica de João
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