Em Cuiabá morre-se pra sempre Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso


A frase é do historiador cuiabano Estevão de Mendonça (1869 a 1949), pai do historiador Rubens de Mendonça. Quis dizer que a memória cuiabana não guarda as lembranças do que viveram por aqui. Trago o assunto porque na semana passada a Câmara Federal homenageou Dante de Oliveira, pelos 30 anos da apresentação da emenda à Constituição, conhecida como a “emenda das diretas já”, apresentada em 1983, propondo que a eleição presidencial de 1985, em substituição ao general João Baptista de Figueiredo, se realizasse por eleições com voto dos cidadãos. Desde 1964, os presidentes militares eram escolhidos pelo voto indireto, de parlamentares do Congresso Nacional, sob intensa pressão militar.
           Recém-eleito em 1982, empossado em 1º. de março de 1983, a emenda de Dante veio em seguida. Havia propostas anteriores, mas de parlamentares que não foram reeleitos e por isso saíram da pauta da Câmara dos Deputados ou do Senado. Os cardeais do PMDB, o partido da oposição, como Ulysses Guimarães, Teotônio Vilella e tantos, deixaram a emenda correr livre, porque se tratava de um deputado novo e de um estado até então inexpressivo como era Mato Grosso. O que ninguém, nem eles esperavam, é que a sociedade brasileira estavesse pronta pra votar. Seguiu-se um fenômeno de massa igual somente àqueles levantados pelo ex-presidente Getúlio Vargas com os trabalhadores brasileiros lá pelos anos 1940 e 1950.
           A emenda juntou 700 mil pessoas no comício em frente à Catedral da Sé, em São Paulo, 400 mil em Goiânia, 500 mil em Curitiba, 70 mil em Cuiabá. Criou-se uma onda nacional de cidadania. Nos comícios quando Fafá de Belém cantava o hino nacional com arranjos altamente emocionais, diferente do estilo marcial (sugiro ouvi-lo no youtube), o país se arrepiava. Dante virou um herói nacional. A força da mobilização despertada pela emenda das Diretas Já, contagiou o Brasil e em janeiro de 1985, o presidente civil Tancredo Neves, ainda eleito pelo voto indireto dos congressistas, deveria ter tomado posse, mas sua morte o impediu. Assumiu José Sarney, seu vice.
           Enfim, em 1994, dez anos depois das Diretas Já, Dante elegeu-se governador de Mato Grosso e reelegeu-se em 1998. O seu primeiro mandato foi um grande mandato. Tomou o Estado velho, inchado, endividado, gastador e reformou-o fechando empresas estatais, o banco estadual, a companhia de saneamento e vendeu a de energia elétrica. Todos deficitários e endividados. Quem acompanhou tudo isso se recorda que foram operações de enorme engenharia política e econômica. Nascia ali um novo Mato Grosso adequado ao mundo moderno. Se fosse um país, seria um “tigre asiático”.
           O segundo mandato já foi mais político e mais contraditório, com todos os desgastes de um segundo mandato. Candidato ao Senado foi derrotado e morreu em 2006, aos 54 anos, jovem, amargurado e esquecido pela sociedade de Mato Grosso. Aliás, desde então ainda não foi resgatado. Aí se encaixa a frase de Estevão de Mendonça. Em Cuiabá os mortos são enterrados para sempre. Não fosse, eventualmente, o seu nome aplicado a algum monumento, prédio ou via pública, todos morreriam para sempre. Com Dante não foi diferente. Não foi diferente com o ex-governador Garcia Neto, o governador da divisão de Mato Grosso, com José Fragelli, com tantos de hoje e, quem sabe, com tantos de amanhã. A História não tem nos cobrado a nossa memória. Tristes memórias! Em Cuiabá as homenagens a Dante de Oliveira ganharam linhas em cantos de página da mídia, num descaso de fazer dó, indigno de alguém do seu porte!
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso