"Não esperava justiça tão pesada"
Francisco Guerra conta, ao JN, que o ameaçaram e lhe oferecerem dinheiro para sair do país. Encerrado o processo, oito anos depois, diz que "valeu a pena"
FÁTIMA MARIANO
Manteve-se afastado dos palcos mediáticos enquanto o processo Casa Pia decorreu. Hoje, uma vez conhecido o acórdão, sente-se livre para falar do assunto.
foto Lionel Balteiro/Global Imagens
Francisco Guerra
Francisco Guerra, 25 anos, uma das vítimas de abuso sexual, nega que tenha sido o braço-direito de Carlos Silvino ("Bibi") e revela que alguns dos condenados o ameaçaram e ofereceram dinheiro para sair do país.
Um dia depois da leitura do acórdão, como se sente?
O sentimento é difícil de exprimir numa situação destas. Foram oito anos de espera, de luta, mas sinto--me feliz.
Conseguiu dormir esta noite?
Não, por não estar à espera de tantas condenações. Esperava que se fizesse justiça, mas não que fosse tão pesada.
Não esperava que todos os arguidos fossem condenados?
Sempre achei que iam ser todos condenados, mas não com tantos anos.
Durante o processo, nunca se expôs. Ontem [anteontem], fê-lo. Não tem receio de agora ser reconhecido na rua como um dos rapazes da Casa Pia que foi abusado?
Não. As pessoas têm de conhecer-me por aquilo que eu fiz. Acho que as pessoas entendem por que estou a dar cara agora.
Fale-me dos tempos em que viveu na Casa Pia. Entrou na instituição com quatro anos.
Foram anos difíceis, mas, acima de tudo, tenho um grande orgulho por ter sido casapiano. Continuo a gostar imenso da Casa Pia. Dou a cara também porque tenho um grande respeito pelos casapianos que ainda lá estão.
Que memórias tem desse tempo?
As memórias não são boas. São coisas que não gosto de lembrar ou sequer de falar. Nunca vou esquecer--me do que aconteceu. De bom, tenho memórias da educação que tive.
Pode falar-nos dos abusos de que foi vítima?
O que aconteceu é público. Aliás, foi público durante estes oito anos sem ter sido eu a dizê-lo. Como compreenderá, não gosto de falar concretamente do que aconteceu, muito menos à Comunicação Social. Disse-o durante muitos anos, durante a fase de investigação e no tribunal, mas não vou falar do que aconteceu. Apenas que tudo o que eu disse em tribunal, tudo o que ontem [anteontem] foi dito pela dr.ª juíza é real, aconteceu.
O Francisco foi apontando como sendo o braço-direito de Carlos Silvino.
Nunca me classifiquei como braço-direito de Carlos Silvino. Quem me classificou foi a Comunicação Social, julgo que por causa da quantidade de processos em que eu prestei depoimento.
Foi dito que o Francisco acompanhou Carlos Silvino quando este transportava os casapianos para os locais onde os abusos sexuais foram cometidos.
Está escrito nos meus depoimentos qual era a minha relação com Carlos Silvino. Para mim, ele era um pai, mas eu nunca colaborei para que os meus colegas fossem abusados. Não sou o braço-direito de ninguém.
Quando o caso saltou para o espaço público, o que sentiu?
Nessa altura, trabalhava na Casa Pia como fiel de armazém. Senti medo. Carlos Silvino foi detido, entretanto. Ouve pessoas, cá fora, que entraram em contacto comigo, que me ameaçaram e me ofereceram dinheiro para eu ir para fora. Entretanto, entrou em funções a dr.ª Catalina Pestana e comecei a colaborar com a Polícia Judiciária. De imediato, tive apoio e, mais tarde, até tive segurança pessoal. A partir daí, nunca mais tive qualquer ameaça.
Durante a fase de processo, as vítimas foram várias vezes acusadas de estar a mentir.
Ontem [anteontem], fez-se história em dois sentidos. Em relação à nossa credibilidade, pois disseram que éramos uns delinquentes, tudo e mais alguma coisa, e isso é que ficou provado que é mentira. Depois, fez-se história na Justiça. As pessoas podem acreditar na Justiça. Foram condenados justamente e estou muito feliz.
Este é um capítulo da sua vida que está definitivamente encerrado?
Este foi um processo muito longo, mas que valeu a pena.
"Não esperava justiça tão pesada"
setembro 05, 2010
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