Falência moral: um pedófilo à frente de 2800 crianças


Henrique Raposo

Nas páginas do Expresso, Joana Pereira Bastos e Rui Gustavo contaram uma estória assombrosa. Um professor condenado em tribunal por pedofilia não só continuou a ser professor, como ainda teve um bónus: foi escolhido pelo ministério para ser director de um agrupamento de escolas em Odivelas. Entretanto o indivíduo já apresentou a demissão, mas a pergunta continua de pé: como é que isto foi possível? Como é que o ministério permitiu que um condenado por pedofilia continuasse a dar aulas? Como é que o ministério colocou um pedófilo à frente de um grupo de escolas com 2800 crianças? Os repórteres do Expresso dizem que o ministério conhecia o processo. Problema? O ministério não é uma pessoa, e esse conhecimento ficou perdido nos lost in translation típicos das burocracias bizantinas. Resta saber a causa deste lost in translation. Ninguém reparou no caso, porque estamos a falar de uma burocracia soviética que transforma os professores em meros números? O silêncio foi propositado, isto é, nasceu dos compadrios corporativos? Seja qual for a resposta, o caso revela que algo está profundamente errado na burocracia estalinista da 5 de Outubro.
Contudo, o dado mais angustiante desta estória está relacionado com a justiça. Em 2006, um tribunal deu como provocado o acto de pedofilia sobre uma criança de 13 anos. E o que aconteceu depois? Aqui fica a filinha indiana deste triste episódio: (1) o tribunal emitiu uma pena suspensa, (2) porque "bastará a ameaça de uma prisão efectiva para prevenir a repetição do crime"; (3) em paralelo, o tribunal não decretou a pena acessório óbvia, isto é, não determinou o afastamento do ensino do professor em questão; (4) sem ordens do tribunal, a miopia burocrática do ministério da educação nem sequer instaurou um processo disciplinar. Como é que isto foi possível? Como é que um tribunal permitiu que um pedófilo continuasse a dar aulas? Mais uma vez, descobrimos que o Direito português está desligado da mais básica noção de decência. É um Direito que se vê como um mero processualismo técnico e amoral.
Os juízes portugueses gostam sempre de dar pulinhos progressistas, olhem, olhem, reparem como somos tão de esquerda, reparem como somos bonzinhos, reparem como damos sempre penas suspensas, reparem como somos os juízes mais garantistas do planeta e arredores, reparem como só vemos direitos no rosto do réu. Perante este excesso garantístico,  a minha pergunta é sempre a mesma: e os deveres do réu perante as outras pessoas? Uma sentença jurídica não pode isolar o réu numa redoma de direitos. A espada da justiça é para usar, porque o contexto social tem de ser contemplado na sentença. E, neste caso, o contexto social são os milhares de pais que ficaram a saber que os seus filhos estiveram à mercê de um pedófilo condenado pela justiça do seu país. Até parece piadinha. 
Esta falência moral custa muito mais do que a falência financeira. 


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