Ele olhava com sarcasmo', diz mãe que agrediu advogado de réu da Kiss

Carina Correa deu um tapa no rosto de Jader Marques, que defende Kiko.
Tribunal de Justiça do RS mandou soltar quatro réus no processo.

Vinicius RebelloDo G1 RS
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  A decisão da Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) de conceder nessa quarta-feira (29) liberdade provisória aos quatro presos por envolvimento no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, foi recebida com revolta por alguns familiares das 242 vítimas da tragédia, ocorrida em 27 de janeiro. Após a audiência em Porto Alegre, Carina Correa, de 34 anos, deu um tapa no rosto do advogado Jader Marques, defensor de Elissandro Spohr, o Kiko, um dos sócios da casa noturna.
Ela garante ter perdido completamente a cabeça no momento da agressão e diz que, devido aos remédios que está tomando, lembra de pouca coisa. "Só lembro que ele olhava com sarcasmo. Depois disso, não lembro de mais nada. Em situação normal, jamais agrediria alguém. Tenho pouco mais de 1,40m e não acredito que machuquei aquele homem", disse Carina ao G1.
Familiares de vítimas do incêndio na Kiss fazem manifestação em Santa Maria (Foto: Bernardo Bortolotto/RBS TV)Familiares de vítimas do incêndio na Kiss fizeram
manifestação em Santa Maria
(Foto: Bernardo Bortolotto/RBS TV)
Carina Correa disse que nunca aceitou a morte da filha, Thanise Correa Garcia. Segundo ela, desde a madrugada do dia 27 de janeiro, não consegue mais trabalhar e tem pesadelos com o incêndio na boate. "Não tenho mais vida. Não consigo trabalhar, vivo medicada. Sinto muito a falta dela. Nunca aceitei a morte da minha filha. Tenho pesadelos com aquela noite, sabendo que minha filha morreu daquela forma", disse a mãe.
Após ter sofrido a agressão, Jader Marques registrou ocorrência na delegacia e prometeu processar Carina Correa. "Vou tomar todas as providências. Como homem e pai, entendo. Mas como advogado criminalista, vou tomar todas as providências", afirmou.
Já ciente das intenções do advogado, Carina disse que Jader Marques está no direito dele.
"Eu já perdi muito na vida. Ele que faça o que quiser. Vai querer o que de mim? Colocar uma mãe em luto na cadeia? Não basta ter me arrebentado o coração e agora vai querer me colocar na cadeia?', disse ela.
Liberdade provisória foi concedida por unanimidade
O pedido de liberdade provisória partiu do advogado Omar Obregon, que representa o vocalista do grupo que tocava na boate Kiss no momento em que iniciou o incêndio. A decisão de conceder a eles liberdade provisória foi tomada por unanimidade entre os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS, por três votos a zero. Os desembargadores acreditarem que os quatro réus não representam riscos para o processo e para as vítimas e que não há mais o clamor social que justifique a prisão preventiva. Na mesma seção, eles negaram o pedido de anulação de recebimento da denúncia.
O Ministério Público já confirmou que vai entrar com um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos próximos dias para tentar reverter a liberdade provisória. Segundo os promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan, de Santa Maria, o prazo para recorrer é de cinco dias. A data que o MP deve formalizar o recurso não foi divulgada.
Sócios da boate Kiss e músicos são solto (Foto: Editoria de Arte / G1)Sócios da boate Kiss e músicos foram soltos
na noite de quarta (Foto: Editoria de Arte / G1)
Os sócios da casa noturna Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo dos Santos e o produtor Luciano Bonilha Leão, deixaram a prisão em Santa Maria ainda na noite de quarta.
Além de justificar a soltura dos réus, principalmente de seu cliente, Jader Marques reforçou que continua trabalhando pela responsabilização do prefeito Cezar Schirmer na tragédia. "Levei todas as provas que eu pude, estou fazendo todo o esforço que eu posso em relação ao Schirmer. Se nada disso der certo, já tenho todos eles como testemunhas do Kiko", disse o advogado, se referindo também a outras autoridades, como bombeiros. "Ele não fez a obra sozinho", completou.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.
O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.
De acordo com o juiz Ulysses Louzada, de Santa Maria, a primeira audiência relativa ao processo criminal deve ser marcada na próxima semana. Paralelamente, outras investigações apuram o caso. Um inquérito Policial Militar analisa o papel dos bombeiros no caso, desde a concessão de alvarás e a fiscalização do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) até o atendimento aos feridos na tragédia. A investigação deve ser concluída nos próximos dias, segundo a Brigada Militar.
Na Câmara dos Vereadores da Santa Maria, uma CPI analisa o papel da prefeitura e tem prazo para ser concluída até 1º de julho. O Ministério Público ainda realiza um inquérito civil para verificar se houve improbidade administrativa na concessão de alvará e na fiscalização da boate Kiss.
Veja as conclusões da investigação
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas