Pedofilia e Abuso Sexual Pequenas vítimas de crimes cruéis

Falta de conhecimento sobre o trabalho do conselho tutelar causa estranheza e afastamento das vítimas
CascavelBruna B. da LuzGazeta do Paraná
Crédito: João Guilherme Clos/Gazeta do Paraná
“Lápis, caderno, chiclete, pião, sol, bicicleta, skate, calção, esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão, bola, pelúcia, merenda, crayon, banho de rio, banho de mar, pula cela, bom-bom, tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão”. É assim que começa a música que determina que criança não trabalha, dá trabalho. Mas antes de continuar, destaco que embora seja sobre elas, essa não é uma boa história para contar para crianças, e bem no fundo, não é boa história nem para adultos. Quem dera, ela nem tivesse sido inventada, ou que fosse mesmo só invenção.

“Criança dá trabalho”, foi nesta parte da canção que paramos. A criançada de Cascavel, em um número bastante considerável, vem dando trabalho, mas não é bola, não é bicicleta, nem chiclete e nem bom-bom, e sim gritaria, correria e confusão, na pior natureza que estas palavras poderiam ter. Os dados do Conselho Tutelar Leste assombram, os problemas que estão no topo dos atendimentos são os que envolvem violência física ou sexual. As vítimas quase sempre crianças pequenas e os agressores são os próprios familiares ou amigos da família. É criança dando trabalho aos conselheiros, mas passando trabalho em casa.

A presidente do conselho Leste, que também é conselheira tutelar, Luziara Galindo Barros, conta que as próprias escolas identificam as agressões e denunciam. “Os funcionários notam marcas na hora da troca da roupa”, especificou. Ela não pode me precisar o exato número de atendimento dessa natureza, mas podemos utilizar como base a média de atendimentos realizados no mês de março. Mesmo com todos os feriados, foram novos 80 casos atendidos e 160 atendimentos a casos já registrados anteriormente, apenas no Conselho Tutelar Leste. Agora apresento novamente a informação de que o maior número de atendimentos é originado pela violência sexual ou física. “Nossa rotina é bastante dura”, destacou.

Na semana passada Cascavel ficou chocada com o caso de Rafaela, uma criança de cinco anos assassinada pelo padrasto com golpes de fio de energia elétrica, além disso, existem suspeitas de abuso sexual. O fato levantou o tapete e mostrou a sujeira, que é varrida há tempos para onde nossos olhos não possam ver. Coincidentemente, no mesmo dia em que seu corpo foi encontrado, foi sancionada a Semana Municipal Todos Contra a Pedofilia, que no dia 15 foi batizada com o nome de Lei Rafaela Eduarda Trates. Agora, embora importante, existe campanha de conscientização suficiente para acabar com este problema, que definitivamente não se resume a este único caso?

Para Luziara o trabalho vai muito mais além. “A gente tem um programinha onde colocamos o agente violador. Se é a criança, o estado, a sociedade. Mas não existe apenas o agente violador, existe o contexto familiar”, afirmou. Segundo ela, a violência pode ser justificada pelas circunstâncias de quem pratica a violência, ou seja, o agressor pode ter sido criado em meio à violência. Além disso, a falta de conhecimento sobre o trabalho do conselho tutelar causa estranheza e afastamento das vítimas. “A população não vê o conselho tutelar como um órgão de proteção, somos vistos como um bicho papão que vai roubar a criança da família”, disse. Segundo ela, isso dificulta muito o trabalho, já que as próprias crianças resistem ao serviço.

Acolhimento

Justificar esse dogma todo não é difícil. Logicamente o pensamento não está correto, mas os frequentes casos de acolhimento assustam a população. O que precisa ser destacado é que isso não é um indicador de que o conselho tutelar é intolerante e sim que a realidade de muitas crianças é bruta. “No ano passado houve uma semana em que fizemos dez acolhimentos. Teve dias em que não ficou ninguém na sede”, relatou Luziara. Segundo ela, muitas das vezes em que foi realizado o acolhimento foi necessária a ajuda da polícia. “Já fomos apedrejados, já levamos tiros. A gente tem essa resistência das famílias. E de fato o acolhimento é algo difícil para todos, para a família, para as crianças e para nós também”, relatou a conselheira.