Meninas acorrentadas exploração sexual


Como classificar o gesto da mãe ituana que acorrentou as filhas de 12 e 15 anos em casa, para evitar que elas se envolvessem com drogas e prostituição? Foi amor ou abuso de poder? Proteção ou desrespeito?

É claro que a mãe não tem razão. Sua atitude é uma expressão hiperbólica do desespero que aflige muitos pais de meninos e meninas, quando percebem, impotentes, que eles se distanciam da família e começam a trilhar caminhos perigosos. Talvez alguns pais tenham até pensado em fazer o que essa mãe fez, naqueles momentos em que o amor e a razão, juntos, não conseguem enxergar uma saída. Muitos podem ter feito até pior, agredindo seus filhos ou colocando-os para fora de casa.

Nada justifica acorrentar alguém. Mas, certamente, o que essa mãe fez não se encaixa no artigo 136 do Código Penal, citado pela polícia para enquadrar o caso. Aquele artigo considera crime "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina".
A mãe não expôs as meninas ao perigo. Pelo contrário, tentou -- por meios tortuosos, é verdade -- protegê-las. Não era, logicamente, a melhor atitude a tomar. Mas, aos olhos da mãe, pareceu-lhe que seria menos prejudicial às meninas mantê-las presas do que deixá-las na rua.

Perto da casa dessa família, na Vila Nova, em Itu, existe uma avenida da Paz Universal, que, a julgar pelas referências, é exatamente o contrário do que o nome sugere. Bebidas, drogas e prostituição juvenil correm soltas em torno dos bailes funk e da eterna celebração hedonista de uma juventude que cada vez mais cedo reivindica o direito de fazer as próprias escolhas e viver como lhe convém.
Se a mãe não amasse suas filhas nem se importasse com elas, não procuraria prendê-las. Talvez não brigasse com elas. Talvez as incentivasse a fugir de casa, como as meninas afirmaram ser seu intuito. Por uma dessas contradições que só a complexidade dos sentimentos pode explicar, a mãe protetora se tornou agressora aos olhos da lei. Suas vítimas eram justamente aquelas que ela procurava proteger.

Não se pode dar razão a essa mãe --mas, por outro lado, como incriminá-la? Ela sabe que, lá fora, na Paz Universal, suas filhas podem terminar atadas a grilhões ainda mais terríveis. Drogas pesadas, gravidez precoce, Aids, estupros, assassinatos e exploração sexual não são, infelizmente, uma invenção paranoica das mentes de pais ultraprotetores. São fatos comprovados por estatísticas e pela experiência cotidiana da população.

Neste momento, quantos pais não choram por seus filhos que se perderam, alguns definitivamente? Quantos não culpam a si mesmos, acreditando que poderiam tê-los protegido das ameaças que, por fim, os enredaram? Quantos não perderam a alegria de viver, pensando em como poderiam ter agido diferente, tentando descobrir "onde foi que erraram"?
Os pais estão sós e impotentes diante de uma sociedade que arrasta o jovem para a noite, para as viagens, para a diversão. Sufocam o desespero e tentam resolver, entre quatro paredes, problemas para os quais não encontram soluções. É ilusão cobrar dos pais que se imponham, que tratem com energia seus filhos adolescentes. Só quem tem ou já teve filhos rebeldes pode entender a dificuldade de lidar com pessoas que não aceitam ordens nem temem coisa alguma.

Ser pai e mãe nunca foi fácil -- mas, também, nunca foi tão difícil. O assunto é sério e deveria merecer uma abordagem mais efetiva na elaboração das políticas públicas e programas sociais, no âmbito dos governos e da sociedade organizada. Para poder ajudar seus filhos, os pais precisam de ajuda. Eles não têm respostas, mas têm amor, e isso é o mais importante. Enquanto houver amor, haverá gestos tresloucados, mas haverá esperança.