Folha de São Paulo
Mais do que linhas de pensamento de magistrados, as decisões que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tomou na semana passada sobre estupro de crianças e álcool ao volante expõem a má qualidade das leis brasileiras, de acordo com especialistas.
Ao analisar o caso de um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos que se prostituíam, o tribunal decidiu que ele era inocente porque as vítimas já tinham tido relações sexuais anteriormente. O Código Penal, porém, prevê que transar com menores de 14 anos, mesmo quando há o consentimento da jovem, é estupro.
Já sobre a lei seca, os ministros do STJ decidiram que só testes de bafômetro ou exames de sangue poderão comprovar a embriaguez do motorista ao volante. Antes, exames clínicos ou depoimentos de testemunhas bastavam para que o infrator respondesse a uma ação penal.
"Essas decisões revelam um produto legislativo ruim. Textos mal redigidos que acabam ensejando decisões que recusam a funcionalidade da lei para qual foram criadas", afirma o juiz Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, membro da Associação Juízes para a Democracia.
Sobre a chamada lei seca, por exemplo, o magistrado diz não haver dúvidas de que o legislador errou. Quis "parecer durão" ao colocar baixos níveis de tolerância para (seis decigramas de álcool por litro de sangue) para configurar crime, mas dificultou a sua aplicação.
Sobre o estupro, a mesma coisa. "O legislador mudou a legislação recentemente, colocando o tal do estupro do vulnerável, mas não solucionou uma antiga discussão que havia com a relação à condição da vítima."
O promotor criminal Roberto Livianu, vice-presidente do movimento Ministério Público Democrático, diz que o texto sobre a lei seca "é mal feito". "A lei precisa ser repensada e reconstruída de maneira a não permitir a impunidade", disse.
Sobre o estupro de menores de 14 anos, ele disse que a legislação precisa prever exceções. "O direto penal é um instrumento de promoção da paz, e não um instrumento belicoso, de vingança. Da sociedade se vingar do criminoso", diz o promotor.
Proteção
Para Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, as decisões do STJ contrariam o "senso comum, a cidadania e a sociedade".
"Uma decisão protege o estuprador, a outra, o bêbado."
A decisão sobre a lei seca, diz Camanho, representa a "vanguarda do atraso".
Para o advogado Tales Castelo Branco, no entanto, o STJ agiu corretamente nos dois casos. Na atuação da lei seca, acertou ao não permitir que um cidadão produza prova contra si. No caso das meninas violentadas, o erro é do Estado, resultante da "pobreza e da desigualdade", não do Judiciário.
"Você não corrompe quem já está corrompido", diz. "Uma menina de 12 anos que se prostitui não tem mais a pureza, a inexperiência e a inocência que a lei protege", afirmou o advogado.
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