Condenado por abuso de crianças foi indultado por Mohamed VI. Jornal marroquino escreve que libertação resultou de acordo entre serviços secretos.
A polícia de choque marroquina dispersou sexta-feira à noite uma concentração de pessoas que procuravam protestar, em Rabat, contra o perdão concedido pelo rei a um pedófilo espanhol, condenado a 30 anos de prisão, por abuso de 11 crianças. Um caso com contornos estranhos.
Milhares de pessoas – números da AFP; centenas, de acordo com a Reuters – concentraram-se para protestar junto ao Parlamento mas foram impedidos de o fazer livremente. Dezenas, entre as quais repórteres, ficaram feridas devido à actuação da polícia.
Houve também, segundo a Reuters, protestos noutras cidades, reclamando a revogação do indulto do rei.
“Estava com um grupo de amigos junto ao Parlamento quando a polícia interveio violentamente. Levei uma pancada na cabeça” disse à AFP Hakim Sikouk, descrevendo o que aconteceu em Rabat.
“É uma repressão desproporcionada. Não há outra explicação que não seja o Estado não ter explicação”, afirmou Fouad Abdelmoumni, um economista presente na concentração, dispersada por volta da meia noite local (1h de sábado em Lisboa). “Não querem que as pessoas se dêem conta que o rei faz disparates”, acrescentou.
O protesto foi motivado pela inclusão de um condenado por pedofilia num grupo de 48 presos espanhóis cuja libertação foi ordenada por Mohammed VI, na terça-feira. O recluso cuja libertação é contestada tem 64 anos e foi condenado em 2011 por violação e filmagem de 11 crianças com idades entre os 4 e os 15 anos. Estava preso na cadeia de Kenitra, a Norte de Rabat.
“Estamos aqui para saber quem é responsável pelo perdão. É uma vergonha, estão a vender as nossas crianças”, disse à Reuters Najia Adib, presidente de uma associação de defesa da infância, momentos antes de, com a filha adolescente ao lado, terem sido atacadas pela polícia.
“É uma vergonha internacional, não há direitos nem liberdades”. “Viva o povo. Onde está a justiça? Não à pedofilia”, gritaram manifestantes.
“O Estado defende e protege a violação de crianças marroquinas. A dignidade dos marroquinos foi violada”, disse um manifestante citada pela AFP.
Pedido do rei de Espanha
A libertação dos espanhóis foi a resposta a um pedido formal do rei Juan Carlos, que em meados de Julho visitou oficialmente Marrocos.
O Palácio Real não fez comentários. O ministro da Justiça, Mustapha Ramid, disse que o indulto foi concedido no interesse nacional e devido às relações de amizade entre os dois países. E que “o indivíduo será extraditado e impedido de entrar” de novo em Marrocos. O jornal El País escreveu que já está em Espanha, onde entrou na quinta-feira por Ceuta.
O diário digital marroquino Lakome, o primeiro a revelar que entre o grupo de indultados estava o condenado por pedofilia, escreveu que “foi indultado a pedido dos serviços secretos espanhóis” .
“Foi um acordo entre a DGED [serviço secreto marroquino] e o seu equivalente espanhol”, o CNI (Centro Nacional de Inteligencia), noticiou, citando fonte marroquina conhecedora do caso. “Os espanhóis insistiram em que fosse posto na lista e conseguiram”, acrescentou-
O El País, que reproduz as informações do Lakome, considera provável que o homem tenha sido efectivamente espião. E adianta que o nome pelo qual é identificado, Gálvan Viña, não é provavelmente o seu verdadeiro nome.
Abdelali Hamieddine, dirigente no partido islamista Justiça e Desenvolvimento, principal partido do Governo que está no poder em Marrocos desde Janeiro de 2012, disse que o indulto foi concedido pelo rei e “é preciso reconhecer que o perdão a este pedófilo foi um erro, porque ele não merecia esse perdão”.
“Os marroquinos têm o direito de se manifestar quando se sentem humilhados e as forças da ordem não têm o direito de intervir com esta violência”, acrescentou.
Marrocos tem sido confrontado com diversos casos de pedofilia. Em Junho, um britânico suspeito de abuso de crianças foi detido em Tétuan, no Norte. Em Maio, um francês de 60 anos foi condenado a 12 anos de prisão por um tribunal de Casablanca.