Recentemente, fui entrevistado por uma jornalista; ela queria que eu opinasse sobre a decisão judicial que, na semana passada, decretou a ilegalidade da greve dos professores de Cuiabá.
Na essência, a jornalista queria saber minha leitura acerca de uma pontualidade inserida no enunciado da sentença, no qual se podia ler “que reajustes já dados pela prefeitura asseguram à categoria ‘remuneração compatível com a responsabilidade e relevância da função”.
Com o devido respeito ao signatário da sentença em causa, seu conteúdo é lamentável; afinal, até onde se sabe, hoje, o piso salarial pago pela prefeitura (R$ 1.134,00) está abaixo do piso nacional (R$ 1.567,00), já estipulado por lei federal.
Com o aumento concedido pela prefeitura de Cuiabá, os professores passariam a receber R$ 1.174,00; ou seja, para atingir o piso nacional ainda seriam necessários mais R$ 393,00. Portanto, apenas por esse detalhe básico, a sentença da justiça parece não promover o que deveria: justiça.
Todavia, além disso, o enunciado traz – por trás de suas palavras – um preconceito contra os profissionais da educação. Dizer que esse baixo salário dos professores está “...compatível com a responsabilidade e a relevância da função” é reafirmar a pouca importância que a sociedade já dispensa aos professores.
Mas a despeito dessa preconcepção, quero tratar do verdadeiro papel social do professor; por isso, começo perguntando: qual é a função do professor?
Quem pensou em dizer que a função do professor é ensinar seus alunos não está totalmente errado, pois, em termos legais, é isso mesmo; mas está bem longe de estar correto.
Se estivéssemos vivendo antes das duas ou três últimas décadas do século XX, seria razoavelmente tranquilo afirmar que a função de um professor se circunscrevia apenas à atividade do ensino.
Acontece que, acentuadamente, depois desse marco cronológico, a função de ensinar foi perdendo a força para outras necessidades e imposições que foram surgindo na vida (infernal) de um professor, sempre mal pago.
Para ser mais claro, depois que as novas práticas pedagógicas – completamente desastrosas para a qualidade do ensino no país – foram sufocando a necessidade do rigor estudantil, os professores foram – sem se dar conta – absorvendo funções e mais funções, para as quais não são e nunca serão pagos.
Quais são essas funções absorvidas pelos profissionais da educação?
Destaco algumas.
A primeira e mais simples de ser vista é a de cuidadora dos filhos alheios; algo próximo de uma empregada doméstica. Para muitos pais que precisam trabalhar, mais do que mandar seus filhos para obter bons aprendizados, a escola se torna um espaço razoavelmente confiável para um tipo de confinamento, pelo menos parte do dia. Lá, sempre há um professor para cuidar de seus filhos.
Entretanto, no cotidiano de uma escola, ocorre de tudo um pouco... De novo, lá está um professor. Quando não faz o papel de psicólogo de filho semiabandonado, faz o papel de policial que tenta apartar conflitos, isso quando não é vítima de violência; afinal, com raras exceções, as crianças, adolescentes e jovens não têm mais o menor senso social de limites. Poucas são as famílias que ainda não abriram mão de educar seus filhos. Para a maioria, os limites já foram para Marte há muito tempo.
Por isso tudo, a punitiva sentença judicial em pauta revela descaso com a trágica realidade do cotidiano de um professor.
Quem duvidar, passe um dia numa escola qualquer e, se não endoidecer, me conte depois.
*ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ - dr. em Jornalismo/USP; prof. de Literatura/UFMT
ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ Da “relevância da função”
agosto 31, 2013