Hackers à caça de pedófilos portugueses na internet


Há um grupo de piratas informáticos, ligados ao Anonymous Portugal, que patrulha sites em fóruns à procura de abusadores de menores. Garantem que todos os dias encontram centenas de portugueses.Há um grupo de hackers portugueses a patrulhar a internet à caça de pedófilos. A «operação» – como eles próprios lhe chamam – começou a 10 de Junho e está a ser levada a cabo por elementos do grupo Anonymous Portugal, uma organização de piratas informáticos com ligações a todo o mundo e uma filosofia política de luta. Infiltrados em fóruns e chats, detectam adultos que tentam aliciar crianças ou partilham pornografia com menores. Garantem que, todos os dias, «são centenas» os casos que encontram e que denunciam às autoridades internacionais.

Abusos de bebés e cadáveres de crianças

«Por dia, serão centenas, arriscamos a dizer milhares. Não é possível quantificar correctamente, não temos meios para estarmos presentes em todos os chats 24 horas», revela uma fonte do colectivo Sud0h4k3rs – que integra os Anonymous Portugal –, explicando que foi o «sentimento de impunidade» em relação aos crimes de abuso sexual e pornografia de menores que os fez iniciar esta cruzada pela web. «Somos pais, mães, filhos e temos consciência dos perigos que estão na internet».

E os perigos são muitos. Infiltrados na deep web, onde se alojam sites só acessíveis através do pagamento de taxas, estes piratas informáticos encontraram já um «fórum de pedofilia de uma comunidade de portugueses». As conversas relevadas pelos print screens são chocantes. Há relatos de actos sexuais com bebés e um homem que se gaba de trabalhar numa funerária onde tem acesso a cadáveres de menores, explicando com pormenor o que faz e como apaga os seus vestígios.

Mais pedófilos a Norte

Graças aos seus conhecimentos informáticos, o grupo Sud0h4k3rs já localizou alguns dos homens que participam nestes fóruns. «Claramente, a zona do país onde identificámos mais indivíduos foi no Norte, mas isso também pode estar relacionado com a facilidade de acesso à internet ou com o grau de instrução». Mais difícil é chegar às vítimas. «Nos fóruns de pornografia infantil, normalmente as imagens já foram partilhadas o suficiente para que não consigamos detectar a origem e perdemos-lhes o rasto. Ou já são demasiado antigas», confessa um elemento dos Sud0h4k3rs. Outro problema é o facto de estes conteúdos «não estarem à superfície da internet, mas na deep web».

Ainda assim, estes hackers têm encontrado «desde crianças com menos de um ano até aos 13 ou 14 anos». Nos chats nacionais, o principal alvo de aliciamento são as raparigas. «Mas nos fóruns ou chats internacionais ou no próprio Facebook, os alvos são de ambos os sexos».

Sempre que se deparam com tentativas de aliciamento ou partilha de pornografia de menores, os Sud0h4k3rs denunciam estas actividades às «entidades internacionais responsáveis pelo alojamento de sites». E até já enviaram denúncias ao FBI, «que, ao contrário das nossas autoridades, pedem ajuda para identificar indivíduos suspeitos de serem pedófilos ou para identificar locais ou objectos presentes em fotos ou vídeos de teor pedófilo».

Estes piratas informáticos queixam-se, porém, de nunca terem sido contactados pela Polícia Judiciária (PJ) para partilhar informação e de verem ignoradas as denúncias feitas ao Facebook contra páginas «com fotos de perfil ou capa com conteúdo sexual explícito» ou mesmo «álbuns inteiros de fotos de menores em poses adultas ou nus». Os Sud0h4k3rs não têm, contudo, muitas ilusões sobre a eficácia do que estão a fazer. «A pedofilia é uma indústria que gera dinheiro, quer em pagamentos de taxas para visualizar os conteúdos quer no pagamento de alojamentos de sites ou da troca de material. É difícil conseguir encerrar estes sites com apenas uma denúncia», dizem.

PJ não quer comentar cruzada de hackers

Os métodos que usam, ao infiltrarem-se em fóruns e provocarem as conversas, também não se compadecem com a lei portuguesa, já que a legislação não permite a figura do agente instigador e torna todo o material conseguido desta forma impossível de ser usado por via legal.

Talvez por isso, a PJ recusa pronunciar-se sobre a actividade que o grupo ligado ao Anonymous Portugal tem desenvolvido.

Carlos Cabreiro, coordenador de investigação criminal responsável pelos crimes na internet, admite, porém, que há «uma tendência de algum aumento, embora ténue, de situações de aliciamento de menores» através da net, nomeadamente das redes sociais e dos chats.

Segundo dados da PJ, só em 2012 foram detidos 24 suspeitos por crimes relacionados com pornografia de menores na internet. Este ano, já foram cinco os suspeitos identificados. «De 2011 para 2012 notou-se um aumento destas situações», afirma Carlos Cabreiro, explicando que é, contudo difícil falar em redes. «Só numa das situações identificámos dez pessoas, porque se tratava de alguém que fazia distribuição de material pornográfico com crianças. Mas, pelas próprias características da internet, é difícil falar em associação ou rede criminosa nos termos em que é definida pela lei».

Cabreiro reconhece também a dificuldade de identificar os menores expostos no material apreendido. «Comunicamos sempre à Interpol, porque muitas vezes estes materiais têm origem internacional. Mas seja porque as crianças estão noutro ponto do mundo ou porque as imagens são antigas e os menores cresceram, torna-se quase impossível identificá-las», assume o coordenador da PJ, que admite não haver portugueses identificados. «Não sabemos é se é por não existirem ou por não os conseguirmos identificar».

Essenciais para as investigações da PJ têm sido as denúncias «sobretudo de pais e escolas» sobre conteúdos impróprios. «Quase sempre temos de contar com a ajuda dos pais, porque não temos grandes possibilidades de andar a patrulhar a internet».

Por isso mesmo, a Judiciária prefere apostar num trabalho de prevenção, alertando para os riscos da net e para a importância de os pais estarem atentos ao que os filhos fazem online. A mesma mensagem é passada pelos Sud0h4k3rs, que recomendam aos pais que ponham os computadores na sala e que alertem as crianças e jovens para «o perigo de fornecer informações pessoais ou que as possam localizar», bem como de enviar fotos pessoais. Além disso, os hackers aconselham os pais a verificar o histórico de utilização dos computadores e a apresentarem queixa na esquadra mais próxima ou no site http://linhaalerta.internetsegura.pt sempre que detectem comportamentos estranhos ou conversas impróprias.

margarida.davim@sol.pt