Por ano, mil brasileiros são vítimas do tráfico de pessoas e de trabalho escravo, diz MPF

Fabíola Ortiz
Do UOL, no Rio

A subprocuradora-geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, afirmou nesta sexta-feira (17) que o Brasil registra uma média de mil casos de tráfico de pessoas e de trabalho escravo por ano. Segundo ela, nos últimos três anos, quase 3.000 pessoas tiveram sua liberdade privada e foram aliciadas para o tráfico de seres humanos e para fins de trabalho escravo.
"Não é um número desprezível, é significativo e com magnitude. Um grande contingente da população brasileira está sendo privada de dignidade. Mil casos por ano não correspondem à totalidade dos casos", disse a subprocuradora-geral durante a audiência pública Tráfico de Pessoas: Prevenção, Repressão, Acolhimento às Vítimas e Parcerias, realizada na sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro. "Não sabemos quantos casos escaparam da nossa atuação."
De maio de 2010 a dezembro de 2012, o MPF ajuizou 58 ações penais no Brasil, 111 investigações criminais e acompanhou 191 inquéritos policiais relativos ao tráfico de pessoas, além de acompanhar outros quase 2.000 casos de ação pelo crime de escravidão.
"Temos que trabalhar de forma efetiva para que esses casos resultem na condenação e sejam julgados com brevidade. O crime de tráfico de pessoas fere a dignidade humana, assim como o trabalho escravo que anula a personalidade do indivíduo, coisifica a pessoa e a torna uma mercadoria que pode ser traficada e transportada", afirmou Raquel Dodge, que atua como membro do Conselho Superior do MPF (Ministério Público Federal). "Além de impedir que as pessoas exerçam a sua expressão livremente."
O Procurador da República no Rio de Janeiro, Luiz Fernando Chagas Lessa, lembrou, no entanto, a dificuldade de precisar quantas pessoas são vítimas do tráfico no Brasil em razão da subnotificação dos crimes. "Nem sequer temos a real dimensão do problema hoje. Não temos dados confiáveis", disse, ao defender uma punição exemplar.
De acordo com a ONU, por exemplo, de 2005 a 2011, foram investigadas 514 denúncias desse crime. Dois terços (344) dos inquéritos são relacionados com trabalho escravo. Outros 157 são de tráfico internacional, e 13 investigaram tráfico interno de pessoas, modalidade onde o índice de denúncia é muito baixo.
A atuação do Estado brasileiro resultou no indiciamento de 381 suspeitos. Por causa de limites da legislação e de dificuldades em reunir provas, apenas 158 foram presos.
Segundo as Nações Unidas, o tráfico de pessoas é um crime que explora mulheres, crianças e homens para inúmeros propósitos, incluindo trabalho forçado e sexo.  Só na Europa, estima-se que o tráfico de pessoas movimente 2,5 bilhões de euros todos os anos. No mundo todo, estima-se que cerca de 2,5 milhões de pessoas são vítimas dos traficantes de seres humanos.
"As pessoas emigram voluntariamente, às vezes são movidas pelo desejo de uma vida melhor", afirmou Raquel Dodge. De acordo com levantamento realizado pela Unodc (Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes), 58% das pessoas traficadas são submetidas à exploração sexual e 36% a trabalho escravo.

Crime invisível

O combate ao tráfico de pessoas no Brasil é tratado como um crime invisível, de acordo com a opinião do juiz Rinaldo Aparecido Barros, membro do grupo de trabalho de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do CBJ (Conselho Nacional de Justiça), criado há três anos.
"O tráfico de pessoas é ainda um crime invisível. Contrabandear cocaína é mais grave na lei que traficar seres humanos a nível internacional. A impunidade, com certeza, é o motivador da criminalidade", disse o juiz de Goiás. "Temos que criar mecanismos para punir quem merece."
Na legislação brasileira, o tráfico de drogas é mais grave que o tráfico de seres humanos. Enquanto a venda de drogas – tida como um crime hediondo – prevê penas de cinco a 15 anos em regime fechado, o envio de pessoas para fins de exploração sexual não passa de oito anos de prisão.
O delegado da Polícia Federal e representante da Interpol no Rio de Janeiro, Erick Blatt, explicou ao UOL que, no Brasil, o tráfico de pessoas é apenas considerado crime quando tem fins de exploração sexual. Segundo ele, isto torna o seu combate ainda mais difícil.
"O flagrante é muito difícil de acontecer. É só através de denúncia que a gente inicia uma investigação, e não quer dizer que a gente vá pegar em flagrante. Normalmente, as pessoas vão por vontade própria,  a maioria não sabe que vai ter o passaporte retido", afirmou o delegado da PF.