Neste domingo, 26 de maio, completam-se 30 dias desde que a garota foi levada de Cuiabá; mãe adotiva tem esperanças
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Da Reportagem
A cama, roupas e até a mochila escolar da pequena Ida Verônica Feliz, de 8 anos, sequestrada exatamente há um mês, permanecem arrumadas como se ela fosse voltar a qualquer instante e retomar a vida que tinha ao lado da mãe adotiva, Tarcila Siqueira, das duas irmãs e dos cinco primos.
A dor pela perda da filha, que foi levada à força, com uso de arma de fogo supostamente a mando dos pais biológicos - a dominicana Élida Isabel Feliz e o italiano Pablo Milano Escarfulleri -, transcende a aparência física.
Além dos quase cinco quilos que perdeu, visíveis aos olhos de quem a
viu no dia do sequestro, e da fisionomia abatida e cansada, dona
Tarcila conta que tem apresentando insônia, acorda no meio da noite e não consegue mais dormir pensando em onde e como pode estar a filha.
Com esperança de ter a menina de volta, ela se diz disposta a enfrentar qualquer barreira. Nem mesmo a possibilidade de a menina estar vivendo fora no Brasil, no país do pai ou da mãe, a intimida. “Se eles, os estrangeiros, podem vir aqui trazer drogas, por que o Brasil não pode recuperá-la legalmente. Tenho a guarda dela”, enfatiza.
Quando alguém, como ocorreu várias vezes, pede para dona Tarcila
aceitar a perda da filha, ela se indigna. “As pessoas dizem: ‘Ela não é sua filha, aceita’. Como? Ela é minha, eu a amo e quero tê-la ao meu lado assim como tenho minhas duas filhas e netos”.
Ao imaginar o que acontecia com a menina antes da prisão da mãe
biológica, dona Tarcila teme que Verônica esteja sofrendo. Ela diz que na época em que conheceu mãe e filha, a menina com uns três meses, Élida Isabel estava perdida nas drogas. Levava o bebê até para bocas-de-fumo. Agora, a menina não fala a língua dos pais, não conhece ninguém nem os costumes de onde está.
Ela se emociona ao se lembrar do carinho que compartilhavam e das
peraltices de “Loira”, como costumava chamá-la. Dona Tarcila lembra
que a filha não gostava do nome Ida e que preferia ser chamada de
Verônica ou “Loira”.
O sofrimento estampado no rosto de dona Tarcila se reproduz entre os
demais familiares, a começar pelas crianças. A neta dela, Vitória, de cinco anos, que é cega, chama por Verônica o tempo todo.
Felipe, também neto, que estudava na mesma sala e sentava ao lado da
prima, quase não consegue falar e enche os olhos de lágrima quando
alguém lhe pergunta da menina. Conforme dona Tarcila, Felipe teve
febre e ficou acamado na primeira semana do sequestro.
Desde então vive triste pelos cantos da casa. Ele tem a mesma idade de Verônica, com diferença de dias, por isso comemoravam o aniversário juntos.
Era na casa de Tarcila, a quem Verônica se referia como vó, que os
netos dela, que moram na casa ao lado, se reuniram para brincar com
Verônica. De acampamento, fazendo cabana com lençóis amarrados às cadeiras, era uma das brincadeiras prediletas de Verônica e da prima
Vitória.
Com Verônica longe de sua vigilância, até uma das brincadeiras
preferidas da menina agora apavora a mãe adotiva. Dona Tarcila relata que a garota adorava se amarrar com cadarços e cintos para sair saltitante pela casa. “Ela amarrava fios e cintos por todas as partes do corpo”, explica.
Apesar de dispor da guarda da menina e de saber que a reversão do
processo de adoção era praticamente impossível por causa do
envolvimento de Élida Isabel com tráfico e dependência química, dona Tarcila sempre teve medo de perder a filha.
Ela conta que em outubro de 2010, quando Élida Isabel raptou o
filho (Pietro, de pouco mais de três) da família adotiva catarinense, teve medo que ela levasse Verônica. Mãe e filho estiveram em Cuiabá e até pernoitaram na casa de dona Tarcila. “Levei um susto quando ela desceu de um táxi acompanhada do filho e de outra mulher”, relata.
Élida estava acompanhada também de uma boliviana, segundo Tarcila. O
menino chegou a ficar sem a mãe na casa, sob os cuidados de Tarcila e das filhas dela, Milka e Daniele, mas até então ninguém sabia do rapto.
Só ao final da visita, com muita insistência, a mãe contou que havia
raptado o menino. “Fiquei confusa, não sabia se denunciava ou não. Não chamei a polícia e nem o Juizado da Infância porque tive medo de
vingança. Eles são envolvidos com tráfico”, esclarece Tarcila.
Tarcila complementa: “Eu pedi que ela não dissesse que era a mãe da
Verônica para não confundir a cabeça da menina”, diz. Ela teria
respondido que só veio ver a filha. Por algumas vezes, chegou a abraçar Verônica dizendo “mamãe”, mas a garota, que já tinha quase seis anos, ficava arredia e fugia para ir ao encontro de mãe adotiva.
Dona Tarcila diz que manteve Verônica o tempo todo sob a vigilância
dela e das irmãs. Ao contrário de Élida Isabel, que passou grande
parte dos três dias que esteve em Cuiabá andando com a boliviana
enquanto o filho estava na casa de dona Tarcila.
Duas semanas depois do sequestro o delegado Flávio
Stringueta, da Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO) e da
Divisão Anti-Sequestro, da Polícia Judiciária Civil, pediu a prisão
preventiva dos pais biológicos de Verônica. A Justiça acatou o pedido, o que pode facilitar o trabalho de busca da criança.