Depoimento: o enfrentamento


Quando soube por meio do diagnóstico pela amniocentese que minha pequena Lorena terá síndrome de Down, não tive uma reação diferente comparada a de outros pais, ou seja, um misto de preocupação, medo, negação e tristeza invadiram meu coração. Logo eu e meu marido contamos para familiares e amigos mais próximos, que nos apoiaram prontamente, sem quaisquer reações com preconceitos ou algo similar. Assim que meu coração acalmou com o remédio chamado tempo, associado a uma boa dose de informação, consegui assimilar a síndrome e falar dela sem derramar lágrimas. Neste momento, percebi que poderia comentar sobre minha filha abertamente, pedindo ausência dos olhares de pesar das pessoas, pois para mim ela é minha segunda filha e nada diferente da primeira.

Ser gestante é, sem dúvida, estar em evidência. Todos, até quem nunca te dirigiu uma palavra sequer, perguntam algo sobre seu filho: sexo, quando nasce, nome etc. Para mim, fica um vazio imenso quando não menciono que ela será especial. Não porque ela será diferente das outras crianças em alguns aspectos e sim para evitar o diagnóstico pós-parto e comentários desagradáveis para uma mãe. Muitos pais de filhos com alguma deficiência são taxados de “coitados” ou “pessoas que estão pagando algum pecado”. Desta forma, revelando logo que serei mãe de uma menina com SD, já emendo a notícia com o fato de eu não estar triste com isso e que minha pequena é tão amada e desejada quanto sua irmã.
"Assim que meu coração acalmou com o remédio chamado tempo, associado a uma boa dose de informação, consegui assimilar a síndrome e falar dela sem derramar lágrimas"
Certa vez meu marido me perguntou se eu não estava expondo demais meus sentimentos revelando o diagnóstico dela para todos. Eu acredito que não. Lembrei-me de um fato curioso: na época que o cantor Cazuza se contaminou com o vírus da Aids e ficou muito magro, foi indicado para ganhar um prêmio. Sua mãe indagou: “Filho, você acha válido se expor tanto, mostrando que está doente para o Brasil todo?”. E ele respondeu: “Mãe, na minha música eu digo ‘Brasil mostra sua cara’ e agora eu vou me esconder?”. Achei muito sábio e corajoso da parte do Cazuza e me espelhei nessa afirmação para minha escolha: sim, minha filha terá síndrome de Down e acabou. 
Quando a Revista Pais & Filhos me convidou para ser colunista e revelar detalhes da minha gestação e pós-parto de uma criança com SD não tive dúvidas em aceitar. Queria muito poder escrever meus sentimentos, angústias, soluções, dúvidas e alegrias e assim compartilhar informações com outras pessoas, desmitificando a síndrome e mostrando que eu sou apenas uma mãe, não mais especial que outra. Foi nessa hora que dei uma de Cazuza e mostrei a minha cara, sem medo. Acreditem, foi a melhor decisão da minha vida... Escrevendo, estou desabafando e atingindo positivamente muitas pessoas. Tenho um retorno imenso das minhas palavras, me confortando e dando apoio nesse momento delicado que estou passando. 
"Mostrem suas fragilidades diante de algum problema e não temam em pedir ajuda ou até derramar algumas lágrimas em público. Isso fortalece e não derruba"
Um ponto interessante dos meus relatos na revista foi a quantidade de pessoas próximas a mim que me revelaram ter filhos com algum tipo de síndrome ou deficiência, algo ainda nunca exposto até então. Isso me intriga um pouco, pois eu tive uma reação tão diferente e acho que só colhi benefícios. Não tenho a menor intenção de criticar alguém, até porque cada pessoa reage de um jeito diante de um problema. Mas, sempre me questiono: por que esconder? Até quando esconder? Como esconder? Nunca tive coragem de perguntar a essas mães tais questões tão delicadas.
Finalizo esse meu relato com um conselho: encarem o desafio da sociedade preconceituosa. Mostrem suas fragilidades diante de algum problema e não temam em pedir ajuda ou até derramar algumas lágrimas em público. Isso fortalece e não derruba. Mostrar a cara para o mundo pode não ser o problema e sim solução.
Meu nome é Ivelise, estou na trigésima terceira semana de gravidez de uma menina com SD. Posso dizer com muita convicção: sou uma pessoa muito feliz.
Ivelise Giarolla é médica infectologista do Hospital São Cristóvão e do Centro de Referência DST/AIDS-SP. Mãe da pequena Marina, grávida da segunda princesa Lorena. Feliz.
Saiba mais:
Confira a coluna de Ivelise na revista Pais & Filhos: