Há fenômenos que estão abaixo de minha compreensão. Não que me considere superior a ninguém. Existem, porém, certos produtos “culturais” que não consumo e dos quais me recuso a chegar perto. A vida é muito curta para perder tempo com o lado ridículo, tolo e mau do ser humano, explorado por criaturas medíocres. Mesmo assim, obriguei-me a ver A serbian film – terror sem limites, obra de estreia do diretor sérvio Srdjan Spasojevic. Tomei a difícil decisão porque existe um escândalo dentro do escândalo: a exibição dessa obra hedionda foi proibida em todo o Brasil pelo Ministério da Justiça. Pela primeira vez desde a instauração da democracia no Brasil, um filme é censurado, e um “produto cultural” considerado criminoso. Será que, ao menos uma vez, a censura e a condenação de uma “obra de arte” (sempre entre aspas no caso de A serbian film) se mostra justificável?
O problema é complexo, porque entram em jogo a lei brasileira, a visão estrita das autoridades jurídicas, o preconceito de um partido conservador e a tolerância do público perante certas manifestações cruéis e pornográficas. A suspensão do filme se deu por pressão do DEM. O partido acusou o filme de incitação de pedofilia, com base em uma investigação feita pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais. O inquérito civil foi encaminhado ao ministério. Na sexta-feira, 29 de julho, o filme foi proibido em todo o território nacional por ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o artigo 241-C da lei, é proibido “simular a participação de criança ou adolescência em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual”.
O problema é complexo, porque entram em jogo a lei brasileira, a visão estrita das autoridades jurídicas, o preconceito de um partido conservador e a tolerância do público perante certas manifestações cruéis e pornográficas. A suspensão do filme se deu por pressão do DEM. O partido acusou o filme de incitação de pedofilia, com base em uma investigação feita pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais. O inquérito civil foi encaminhado ao ministério. Na sexta-feira, 29 de julho, o filme foi proibido em todo o território nacional por ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o artigo 241-C da lei, é proibido “simular a participação de criança ou adolescência em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual”.
Você concordaria em banir a obra? Tanto faz. Sua opinião não importa. Porque a Justiça se antecipou e já domou a decisão por você. É o poupatempo dos campeões da moral. Na semana passada, a desembargadora Gilda Maria Dias Carrapatoso, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, argumentou o seguinte: “Não se pode admitir e permitir que, em nome da liberdade de expressão, cenas de extrema violência física e moral, inclusive utilizando recém-natos, sejam levadas ao grande público, vez que podem provocar reações adversas, às vezes em cadeia, em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade”.
Sem pensar muito, eu poderia dizer que tendo a concordar com a desembargadora – e aceitar a forma da lei. Penso que uma "censura justa" possa ser possível. O filme me provocou indignação. Mas “fi-lo porque qui-lo”, como diria Jânio Quadros. Fi-lo, qui-lo e disso não me arrependo, porque o fiz em nome daquilo que a juíza rechaça de antemão, a “liberdade de expressão”. Para mim, ela é sagrada, e está acima da censura, da mediocridade e dos preconceitos. A burrice sem limites também é uma obra hedionda.
A serbian film não merece crítica, por jogar baixo com a vida, pelo desprezo que mostra ao próximo, por desumanizar os personagens e transformá-los em máquinas de sevícias. Minha sensibilidade, minha alma se sentiu estuprada diante de sequências de tortura e sexo. O enredo é o seguinte: um ator pornô é capturado e submetido a todas as variedades de horror, de sexo explícito à necrofilia. Uma das cenas mostra o estupro de um bebê recém-nascido. Respirei fundo e me recuperei, porque não caí na ingenuidade de confundir filme com vida real. A maior parte das cenas, inclusive a ominosa sequência do bebê, foi feita com bonecos, com prostéticos mecatrônicos, como dizem os cineastas. Ora, não passa de um filme, nada mais que um filme... e muito ruim. O diretor afirmou que sua intenção é denunciar os horrores que a Guerra dos Bálcãs impuseram a seus habitantes no passado recente. Uma boa desculpa para exibir um circo de horrores.
Vamos e venhamos: apesar de tudo, Spasojevic não é um criminoso. Ele não matou nem estuprou nem fez estuprar ninguém. Caros juízes e desembargadores, o diretor apenas encenou sevícias, não as praticou. É preciso distinguir realidade de ficção. É preciso absolvê-lo.
Ao assistir ao filme, de certa forma sinto-me em vantagem em relação à maior parte do público brasileiro – ou desvantagem. O público não sabe o que está ganhando por não ver essa obra. E nem saberá se não obtiver uma cópia pirata ou um DVD de serviço dos distribuidores. Nem mesmo o mais desprezível tarado consumidor de cultura terá o direito de pagar seu ingresso para assistir ao filme.
Sem pensar muito, eu poderia dizer que tendo a concordar com a desembargadora – e aceitar a forma da lei. Penso que uma "censura justa" possa ser possível. O filme me provocou indignação. Mas “fi-lo porque qui-lo”, como diria Jânio Quadros. Fi-lo, qui-lo e disso não me arrependo, porque o fiz em nome daquilo que a juíza rechaça de antemão, a “liberdade de expressão”. Para mim, ela é sagrada, e está acima da censura, da mediocridade e dos preconceitos. A burrice sem limites também é uma obra hedionda.
A serbian film não merece crítica, por jogar baixo com a vida, pelo desprezo que mostra ao próximo, por desumanizar os personagens e transformá-los em máquinas de sevícias. Minha sensibilidade, minha alma se sentiu estuprada diante de sequências de tortura e sexo. O enredo é o seguinte: um ator pornô é capturado e submetido a todas as variedades de horror, de sexo explícito à necrofilia. Uma das cenas mostra o estupro de um bebê recém-nascido. Respirei fundo e me recuperei, porque não caí na ingenuidade de confundir filme com vida real. A maior parte das cenas, inclusive a ominosa sequência do bebê, foi feita com bonecos, com prostéticos mecatrônicos, como dizem os cineastas. Ora, não passa de um filme, nada mais que um filme... e muito ruim. O diretor afirmou que sua intenção é denunciar os horrores que a Guerra dos Bálcãs impuseram a seus habitantes no passado recente. Uma boa desculpa para exibir um circo de horrores.
Vamos e venhamos: apesar de tudo, Spasojevic não é um criminoso. Ele não matou nem estuprou nem fez estuprar ninguém. Caros juízes e desembargadores, o diretor apenas encenou sevícias, não as praticou. É preciso distinguir realidade de ficção. É preciso absolvê-lo.
Ao assistir ao filme, de certa forma sinto-me em vantagem em relação à maior parte do público brasileiro – ou desvantagem. O público não sabe o que está ganhando por não ver essa obra. E nem saberá se não obtiver uma cópia pirata ou um DVD de serviço dos distribuidores. Nem mesmo o mais desprezível tarado consumidor de cultura terá o direito de pagar seu ingresso para assistir ao filme.
Além disso, o efeito da lei é inverso da proibição pretendida: a censura acaba promovendo o filme, como acontecia nos tempos da ditadura brasileira. O último filme de que me lembro ter sofrido censura foi uma obra de arte, e nele estava em questão um dogma da virgindade de Maria. Era o longa-metragem Je vous salue Marie, do diretor franco-suíço Jean-Luc Godard, censurado em 1986. Depois de muitos debates jurídicos e religiosos (a Igreja Católica havia pressionado o governo a suspender o filme), a proibição acabou suspensa. E hoje qualquer um pode conferir a poesia de Godard ao representar Maria como uma jovem contemporânea.
Obviamente, não é esse é o caso de A serbian film. O longa passa muito abaixo de qualquer debate de ideias. Daí a novidade. E o resultado. Não há muitos intelectuais se levantando para defender a liberdade de expressão - e isso me parece sintomático e grave. O terror se converte em tabu cultural e o longa, em campeão de downloads ilegais na internet. É um hit entre os adolescentes, que o estão vendo às escondidas nas lan houses de todo o território nacional. Ao querer “poupar” as pessoas de cenas abomináveis, o Estado volta a tutelar o gosto do público. Isso em um momento em que esse tipo de medida se mostra inócuo. Porque o efeito é avesso, pois dá visibilidade a uma obra que em outros lugares do mundo foi exibida com restrições – e recebeu o que merecia, o desprezo.
O perigo que nossos políticos e legisladores - os novos censores "justos" - correm é de abrir um precedente jurídico para censurar tudo o que for considerado imoral. A seguir o raciocínio dos novos censores, livros e filmes como Lolita, Verão 42, ou Notas sobre um escândalo podem incitar um insano à pedofilia. Vamos proibir Madame Bovary porque uma mulher insana pode se inspirar no livro e trair o marido, ou então Dona Flor e seus dois maridos e praticar a poliandria. E que tal vetar O pequeno príncipe, por incitar crianças a pilotar aviões? Isso para não mencionar os filmes pornográficos, que seguem exibidos e vendidos por aí, em salas de cinema e pela internet.
O que está em jogo a nossa tolerância para com os excessos da arte, ou, melhor dizendo, da falta da arte. Até que ponto podemos aguentar essas cenas? Até que ponto nossa moral é ferida por isso? Sejam quais forem as respostas, não admito que o Estado se adiante e decida por mim, interpretando de modo limitado o conteúdo da lei. Quero ter o direito de escolher o que leio, o que vejo e o que consumo. Ninguém precisa nem está autorizado a fazê-lo por mim. Tenho certeza de que qualquer cidadão adulto e responsável pensa como eu.
Do jeito que está, isto aqui está parecendo China ou Coreia do Norte ou qualquer integrante do “eixo do mal”. Pela primeira vez em 25 anos, a censura voltou. E censura é intolerável mesmo a censura de um filme intolerável com esse Serbian film. Eu sempre me lembro da declaração e Voltaire: “Não concordo com nada que você disse. Mas vou lutar até a morte pelo seu direito de dizê-lo.” Senhor Srdjan Spasojevic, seu filme me repugna e me revolta, mas vou lutar até o fim por seu direito de exibi-lo a quem quiser vê-lo. Só não me convide para a sessão...
Obviamente, não é esse é o caso de A serbian film. O longa passa muito abaixo de qualquer debate de ideias. Daí a novidade. E o resultado. Não há muitos intelectuais se levantando para defender a liberdade de expressão - e isso me parece sintomático e grave. O terror se converte em tabu cultural e o longa, em campeão de downloads ilegais na internet. É um hit entre os adolescentes, que o estão vendo às escondidas nas lan houses de todo o território nacional. Ao querer “poupar” as pessoas de cenas abomináveis, o Estado volta a tutelar o gosto do público. Isso em um momento em que esse tipo de medida se mostra inócuo. Porque o efeito é avesso, pois dá visibilidade a uma obra que em outros lugares do mundo foi exibida com restrições – e recebeu o que merecia, o desprezo.
O perigo que nossos políticos e legisladores - os novos censores "justos" - correm é de abrir um precedente jurídico para censurar tudo o que for considerado imoral. A seguir o raciocínio dos novos censores, livros e filmes como Lolita, Verão 42, ou Notas sobre um escândalo podem incitar um insano à pedofilia. Vamos proibir Madame Bovary porque uma mulher insana pode se inspirar no livro e trair o marido, ou então Dona Flor e seus dois maridos e praticar a poliandria. E que tal vetar O pequeno príncipe, por incitar crianças a pilotar aviões? Isso para não mencionar os filmes pornográficos, que seguem exibidos e vendidos por aí, em salas de cinema e pela internet.
O que está em jogo a nossa tolerância para com os excessos da arte, ou, melhor dizendo, da falta da arte. Até que ponto podemos aguentar essas cenas? Até que ponto nossa moral é ferida por isso? Sejam quais forem as respostas, não admito que o Estado se adiante e decida por mim, interpretando de modo limitado o conteúdo da lei. Quero ter o direito de escolher o que leio, o que vejo e o que consumo. Ninguém precisa nem está autorizado a fazê-lo por mim. Tenho certeza de que qualquer cidadão adulto e responsável pensa como eu.
Do jeito que está, isto aqui está parecendo China ou Coreia do Norte ou qualquer integrante do “eixo do mal”. Pela primeira vez em 25 anos, a censura voltou. E censura é intolerável mesmo a censura de um filme intolerável com esse Serbian film. Eu sempre me lembro da declaração e Voltaire: “Não concordo com nada que você disse. Mas vou lutar até a morte pelo seu direito de dizê-lo.” Senhor Srdjan Spasojevic, seu filme me repugna e me revolta, mas vou lutar até o fim por seu direito de exibi-lo a quem quiser vê-lo. Só não me convide para a sessão...
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