“Se Mauro virar um pouco político, será ótimo prefeito”


Novato na política e, paradoxalmente, o vereador mais velho da Câmara Municipal de Cuiabá, o médico obstetra Ricardo Saad (PSDB), 63, ganhou destaque no cenário após apresentar diversas denúncias na área da Saúde Pública. 

Desde o suposto nepotismo envolvendo o secretário municipal de Saúde Kamil Fares (PDT), até suspeita de funcionários fantasmas, filhos da deputada estadual Luciane Bezerra (PSB), Saad justificou os atos como "prerrogativa" de sua função como parlamentar e fiscalizador. 

Crítico severo quanto à maneira centralizadora de gestão do prefeito Mauro Mendes (PSB), Saad afirmou que espera que o chefe do Executivo compreenda que um cargo público é bastante diferente de uma função no setor privado. 

“A mesma vontade que eu tenho de ser um bom vereador, imagino que ele tenha de ser um bom prefeito. Só que, quando entramos em um lugar que é político, temos que virar político. Eu tenho aprendido, a vida inteira fui de mandar, só que a realidade da iniciativa privada é totalmente diferente do serviço público”, disse o parlamentar. 

Confira os principais trechos da entrevista com Ricardo Saad: 

MidiaNews - O senhor é vereador de primeiro mandato. Como foi sua entrada no cenário e como foram os seis primeiros meses de mandato? 

Ricardo Saad – A política está entrando no meu sangue agora e a maior dúvida que tive quando comecei é se eu ia dar conta de ser vereador, porque cobro de mim e sei que as pessoas que me elegeram também cobram. Às vezes falam que eu sou muito explosivo e sou mesmo. É, é, não é, não é e acabou. Não tenho meio termo e não tem o velho “dar um jeitinho”, até pela minha idade. Fui arrastado para a política pelo amigo e deputado estadual Guilherme Maluf (PSDB) e pela vontade que eu tinha de fazer as coisas e ser diferente. Hoje eu sou escutado. 

Agora, em relação ao trabalho da Câmara como um todo, acho que fizemos um bom trabalho, apesar de muitos discordarem. Alguns desenvolveram mais, outros deixaram a desejar. Não vou citar nomes. Desde o começo também ficou muito claro que a maioria dos 25 vereadores é base e uns nove se tornaram oposição. Só que nós, como opositores, estamos muito mais organizados mesmo sem querer do que a própria situação. Estamos mais juntos um do outro, até porque fazer oposição não está sendo difícil. 

MidiaNews – Por muito tempo, a Câmara foi chamada de “Casa dos Horrores”, por escândalos envolvendo superfaturamentos, na época do ex-vereador Deucimar Silva (PP), ou ainda de desvios de dinheiro, na época de Lutero Ponce (PMDB). Isso está mudando? 

"Isso é só um discurso. Para o prefeito e a Câmara se darem bem, o aval tem que partir do Mauro, é ele que tem que abrir mais" Ricardo Saad – O pensamento dos parlamentares mudou e continua mudando. Nós não queremos deixar acontecer o que aconteceu antes. Tem muita gente nova que quer fazer coisas novas pela cidade. Tem a turma mais antiga que trabalha da maneira deles, mas tem uma boa parte que tenta mudar essa concepção. Hoje nós vamos lá para trabalhar. Tem gente que acha que nós não trabalhamos. O meu gabinete, por exemplo, não tem nada a ver com a eleição, tanto que ninguém que trabalhou na campanha está lá. Eu coloquei pessoas capacitadas para desenvolver um trabalho e não parei de ser médico e não vou parar tão cedo. Eu estou vereador e espero que a política me pegue, faça eu sentir aquela coisa, mas não aquela política cega, que não enxerga para frente e que defende só a própria linha de raciocínio. 

MidiaNews - Tanto o prefeito Mauro Mendes (PSB) como o presidente da Câmara João Emanuel (PSD) ficam afirmando que os poderes Legislativo e Executivo são independentes e harmônicos, mesmo com algumas sucessivas derrotas do prefeito. Na opinião do senhor, essa relação tem sido mesmo harmônica ou não? 

Ricardo Saad – Isso é só um discurso. Para o prefeito e a Câmara se darem bem, o aval tem que partir do Mauro, é ele que tem que abrir mais. As únicas duas vezes que conversei com o prefeito foi quando ele me convidou, logo no início do ano, para que eu desse minha opinião sobre o novo Pronto-Socorro de Cuiabá. Porém, ao invés de opinar, ele me mostrou um projeto pronto e informou que para o Governo Federal liberar o recurso da construção, a gestão da unidade deverá ser ou de uma Organização Social de Saúde (OSS) ou uma Parceria Público Privada (PPP) e, mesmo como PPP, em dois anos significa transformar um novo Pronto-Socorro em OSS. 

Hoje eu e o vereador Lilo Pinheiro (PRP) temos um projeto de lei exatamente com o objetivo de barrar a entrada de Organizações Sociais em Cuiabá. O modelo é o que todos os outros hospitais conveniados ao SUS queriam ser e que por isso mesmo é a maior injustiça que pode se cometer com quem está prestando um bom serviço. Essa vai ser uma das minhas brigas em um futuro próximo e, por esse mesmo caso, não vejo uma relação harmônica entre o prefeito e nós, parlamentares. 

MidiaNews - Mesmo os parlamentares da base do prefeito, vez ou outra, reclamam da falta de diálogo, que ele seria muito centralizador. Qual a sua avaliação a respeito de Mauro Mendes? 

Mary Juruna/MidiaNews

Para Saad, Mauro Mendes é centralizador e precisa mudar Ricardo Saad – Eu acho que o prefeito Mauro Mendes realmente é centralizador e tenho certeza que se ele mudar e virar um pouquinho político, ele vai ser um ótimo prefeito. A mesma vontade que eu tenho de ser um bom vereador imagino que ele tenha de ser um bom prefeito. Só que quando entramos em um lugar que é político, temos que virar político. Eu tenho aprendido, a vida inteira fui de mandar, só que a realidade da iniciativa privada é totalmente diferente do serviço público. 

Eu estive na diretoria financeira da Unimed durante três anos e sei o que é mandar e fazer. Eu fui diretor do Cermac (Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade) por três meses e não quero nunca mais passar perto de um negócio desses, porque não anda. Tudo é para o ano seguinte. Tive uma pessoa que me ajudou e abriu meus olhos do que era o setor público, eu não conhecia. Eu sou uma pessoa mais dinâmica e acredito que o Mauro tenha o mesmo perfil, mas tem os entraves de estar mexendo com uma coisa pública, que não é dele. 

Quando a gente manda, se der certo você quem fez, se der errado também. No público não, tudo que der errado ele irá responder depois. Para as coisas darem certo, tem que ter projeto de um ano para o outro e, o que pode ser pior, tem que passar pela Câmara. Tudo que o prefeito quiser passa por nós e é nesse momento que ele tem que ser político. Se ele não for, por mais que ele tenha a maioria no Legislativo, vai perder, como até agora tudo que mandou foi. Me diga, como a maioria perde para nove opositores? 

Eu sei que existem outras questões e interesses também e penso que quando um projeto for bom para a cidade, porque não votar a favor? Assim como a base deve imaginar que se não for interesse popular, não aprovará as mensagens do Executivo. Óbvio, nesse caso deve haver diálogo entre Mauro e seus vereadores, porém o que a gente escuta é que não há harmonia entre eles. 

MidiaNews - Nesse caso, a relação com o secretariado do prefeito Mauro Mendes também é prejudicada? 

Ricardo Saad - A reclamação de quase todo vereador é que o secretariado do prefeito não recebe e, alguns em particular, não abrem nenhuma brecha mesmo. Acho que nomes são desnecessários. De todos, quem mais consegue é a vereadora Lueci Ramos (PSDB), até pelo tempo que tem. 

MidiaNews - Mas, com esse tipo de gestão, o senhor acredita que o Mauro pode não ser reeleito? 

Ricardo Saad – Não sei. O que vai mandar são os três anos e meio de gestão que o prefeito tem pela frente. Agora ele está plantando. Se ele conseguir colher até o fim, eu acho que não há problema para ser reeleito. 

MidiaNews - Em relação ao PSDB na Câmara, a então líder do partido, Lueci Ramos, foi afastada e, agora, o senhor ocupa a coordenação. Por que isso ocorreu? 

"Eu acho que nós estamos fazendo oposição em cima de fatos. Não estamos inventado oposição. Do jeito que o Governo Municipal se encontra, com problemas no transporte urbano, na Saúde, não há por que não reclamar." Ricardo Saad – O que aconteceu é que desde o primeiro dia ela decidiu que seria base. A minha tendência no começo também era ir para base e até apanhei do partido por conta disso. Mas por que ir para base naquele momento? A intenção era ajudar, saber o que estava ocorrendo e ter uma cidade melhor. Só que primeiro o partido bateu e depois soltou as rédeas e eu comecei, naturalmente, a ser oposição, até mesmo pela minha maneira de ser, pelas denúncias. A saída dela foi nesse contexto, como ela estava na situação e era líder, enquanto eu e o vereador Maurélio Ribeiro éramos oposição? Fizemos uma reunião e todos concordaram. Não houve problemas. Eu acho que ela está certa no que está fazendo. O que pode acontecer no futuro é o próprio partido resolver tomar as rédeas, uma vez que nosso mandato é do PSDB e é ele que tem que avaliar. Quanto a mim, hoje por opção eu não vou mais para a base, já defini e minha cabeça é essa. 

MidiaNews – Na mesma semana da decisão o membro da Executiva Municipal, advogado Ussiel Tavares criticou sua postura, afirmando que suas críticas ao secretário municipal de Saúde, Kamil Fares, são pontuais e com vistas à eleição de 2014. Qual opinião do senhor de ter sido criticado por um colega do próprio partido? 

Ricardo Saad – Na verdade, ele nem sabia que uma semana antes o partido tinha feito uma votação e decidido que todos somos oposição. O que o Ussiel veio criticar é quem ficou na situação, não eu. Eu segui uma orientação partidária. O Ussiel é meu amigo, só que ele estava mal informado. 

MidiaNews – Mas, mesmo com essa oposição definida pelo PSDB e das críticas ao Executivo por parte de vereadores como Toninho de Souza (PSD) e Allan Kardec (PT), falta oposição na Câmara? Ela não estaria sendo realmente pontual? 

Ricardo Saad – Eu acho que nós estamos fazendo oposição em cima de fatos. Não estamos inventado oposição. Do jeito que o Governo municipal se encontra, com problemas no transporte urbano, na Saúde, não há porque não reclamar. Nós reclamamos e ainda estamos errados? Tem diversas coisas ocorrendo que eles querem nos cercear de falar e, no meu caso, ainda tentam mudar o foco, falando que eu quero atingir o secretário de Saúde por questões pessoais. 

MidiaNews – Mas, todas as denúncias foram na área da Saúde, como nepotismo na pasta ou ainda funcionários fantasmas que seriam filhos da deputada estadual Luciane Bezerra (PSB). E o senhor protagonizou com o secretário Kamil Fares uma disputa na presidência da Unimed... 
Mary Juruna/MidiaNews

Vereador garante que todas as denúncias são devidamente checadas, antes de serem repercutidas

Ricardo Saad – Mas é exatamente por algo que ocorreu há 10 anos que querem afirmar que todas as minhas denúncias são para afetar o secretário. Eu nunca fui inimigo do Kamil e não sou. Eu mesmo nem lembrava mais do fato de termos disputado no passado algo. A situação e o Executivo querem justificar dessa maneira, mas não tem nada a ver. Eu faço denúncias na Saúde porque também venho do setor. Ainda assim, tenho denúncias de outras secretarias que logo devem ser divulgadas. 

Em relação ao secretário, o que eu posso dizer é que já fui vice-presidente da Associação Médica Brasileira, por dois mandatos fui presidente da Associação Médica de Mato Grosso, fui diretor financeiro da Unimed por três anos. Então, dentro da classe, dentro do que eu podia ter sido, eu fui quase tudo. Sou um cara bem resolvido, trabalho bastante, ganho razoavelmente bem e não tenho nenhuma rixa com o Kamil. Tanto que eu avisei a ele quando iniciei meu mandato que estava indo nas policlínicas fazer vistoria e, à época, ele mandou pessoas do secretariado para ficar junto, porque eu não queria passar por cima dele. 

Daí começaram outras denúncias e junto com elas as cobranças. Repito, não tem nada a ver o fato do secretário ser ele quem é. O Kamil pode sair, se os problemas continuarem, assim continuarão as denúncias. 

MidiaNews – Mas, em relação às denúncias que o senhor tem feito, todas são averiguadas antes? Há um filtro? 

Ricardo Saad – Nenhuma denúncia que foi feita até hoje foi em vão. Todas são documentadas e encaminhadas ao Ministério Público Estadual. As que tenho dúvidas, tento juntar mais depoimentos e documentos para comprovar e não prejudicar as pessoas. Porque depois que se joga na imprensa o estrago está feito. 

Além disso, é preciso ressaltar, que antes de fazer a denúncia em plenário, chamei o assessor do prefeito, avisei a base e o secretário o que eu tinha na mão. Falar em plenário foi a última saída porque eu mandava os requerimentos e ninguém me dava resposta. A vida inteira acharam que eram soberanos e mandavam. Esse é o problema do cara que trabalhou a vida inteira no serviço privado, ele não dá satisfação. Serviço público se dá satisfação sim. E ainda pior, quando eu denunciei o nepotismo, falei para minha esposa que eu não gosto de mexer com os filhos dos outros, porque se mexerem com os meus eu vou ficar bravo também, mas é preciso denunciar. Uma prova de que eu não quero nada com isso é que encaminhei ao MPE, porque é fácil falar que eu estou esperando alguém chegar e me oferecer algo. 

MidiaNews – Mas o senhor não teme ser visto apenas como um parlamentar denuncista, ao invés de também ser visto como um vereador que propõe e elabora projetos? 

Ricardo Saad – Não. E os projetos que eu fiz? Se contar, eu fui o vereador que apresentou mais projetos neste primeiro semestre. São 35 no total, pelo menos. Eu não sou denuncista e duvido que alguém faça mais projetos que eu, porque fazer indicação de nome de rua tem gente que fica o dia inteiro na rua fazendo. Agora eu faço projeto de lei em cima do que eu sei e do que será bom para a população. 

 "O PSDB começou a morrer quando o Wilson Santos abandonou o final do segundo mandato na Prefeitura de Cuiabá, em 2010, para concorrer ao Governo do Estado. Aí, ele matou o partido e não conseguiu ser eleito, o que foi pior." MidiaNews – Em relação a 2014, quais os principais erros que o PSDB cometeu em Mato Grosso e não pode cometer de novo, para não ter uma nova derrota?

Ricardo Saad – O PSDB começou a morrer quando o Wilson Santos abandonou o final do segundo mandato na Prefeitura de Cuiabá, em 2010, para concorrer ao Governo do Estado. Aí ele matou o partido e não conseguiu ser eleito, o que foi pior. Em seu lugar assumiu Chico Galindo (PTB), que por alguns foi visto como um péssimo mandato e outros que o avaliam de forma positiva, eu particularmente achei que no primeiro momento ele não foi bom e depois melhorou, mas ainda assim, o partido perdeu muito quando o Wilson fez isso. Assim como foi ruim quando o Guilherme Maluf saiu candidato para a Prefeitura em 2012. E aí vem a pior parte: logo após o primeiro turno no ano passado, o Executivo decidiu que nós seríamos oposição tanto a Mauro Mendes (PSB) como a Lúdio Cabral. Não existe oposição a todo mundo, para um lado se tem que ir, porém é o que ficou ocorrendo até no início do ano. Foi deixado na mão da Executiva Municipal e o partido foi tendo seu rumo. Porém, em política, nem tudo é o que se mostra, o problema maior é o que não estamos vendo. Hoje quem é seu amigo pode ser, amanhã, um concorrente. No fim, quem vai decidir se foi bom ou não é a população. 

MidiaNews – E, até o momento, quem já foi definido como candidato? 

Ricardo Saad – Wilson Santos e Guilherme Maluf devem sair para estadual. A Lueci era candidata e retraiu e o restante deve vir do interior, principalmente de Rondonópolis. Nem eu e nem o Maurélio sairemos. 

MidiaNews – Mas, por que não concorrer? 

Ricardo Saad – Eu sou novato na política. Até acho que se eu me preparasse, poderia sair, mas acho que tenho que aprender. Mais três anos na Câmara será muito bom, vou aprender bastante e consolidar meu nome como político, já que como médico eu tenho. Fazer um trabalho bom e talvez sair para a reeleição, se tiver fôlego. Eu não gostaria hoje de me envolver com outra campanha, se o partido se decidir tudo bem, mas eu, de vontade própria, não quero.

Fonte: Mídia News