Pedofilia na net sem castigo

Justiça: Autoridades impedidas de acederem a dados de tráfego
As autoridades estão a ser obrigadas a arquivar processos de investigação a crimes informáticos, como a pornografia infantil, por estarem impedidas pelo novo Código de Processo Penal de acederem aos dados de tráfego (comunicações electrónicas), meio de prova fundamental para identificar os criminosos que recorrem às novas tecnologias.
Por:Ana Luísa Nascimento

Em causa está o facto de a lei só permitir que estes dados – como o ISP, que permite identificar a origem e circuito de uma comunicação electrónica – sejam requeridos em investigações de crimes puníveis com pena superior a três anos, o mesmo regime das escutas telefónicas. Ficam de fora crimes como a pornografia infantil ou a burla informática – onde se enquadra o fishing, designação inglesa para a captura de dados financeiros confidenciais, que permite a utilização abusiva de contas.
Numa altura em que o chamado crime sem fronteiras, devido ao recurso à internet, tem tido atenção redobrada das autoridades, polícias e magistrados vêem-se impedidos de actuar, sendo muitas vezes o arquivamento o desfecho do processo-crime, como confirmou ao CM a Procuradoria-Geral da República, através de Maria José Morgado, indicada por Pinto Monteiro para responder às perguntas feitas.
"Todos compreendemos que no homicídio a apreensão e o exame da faca é essencial para provar a autoria do crime. Assim é com os crimes que usam a informática como meio de execução: se não obtivermos esses dados fica-se sem saber quem é o autor do crime", explica a directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. "Os dados de tráfego são essenciais para os crimes com recurso às tecnologias de comunicação. Sem eles não há investigação", acrescentou um responsável da PJ ao CM.
A este impedimento junta-se o facto de Portugal ainda não ter transposto para a ordem jurídica nacional a directiva comunitária que obriga as operadoras de telecomunicações a conservarem os dados gerados nas comunicações electrónicas pelo período de um ano. Segundo o Ministério da Justiça, esta proposta de lei aguarda promulgação do Presidente da República.
"HÁ PROCESSOS-CRIME ARQUIVADOS"
CM - As investigações aos crimes informáticos estão comprometidas?
Maria José Morgado – A impossibilidade frequente de as autoridades acederem aos dados de tráfego, resultante do atraso da transposição da directiva comunitária, tem sido muito prejudicial para a investigação da criminalidade grave e altamente organizada. Tem acontecido frequentemente não ser possível obter em tempo útil os dados de tráfego, em virtude de não estar definido legalmente qual o período de tempo durante o qual é obrigatória a conservação desses dados. Há operadoras que conservam os dados apenas durante seis meses (ou menos), uma vez que os critérios seguidos são meramente comerciais.
– Já há processos arquivados?
– Há notícia do arquivamento crescente de processos-crime por falta de prova nos casos de criminalidade informática, burla informática simples, reprodução ilegítima de programas protegidos, em consequência da limitação processual. Essa tendência manter-se-á a menos que se produzam as alterações legislativas. Caso contrário, as zonas de impunidade instalam-se, com consequências graves para a vida das pessoas e enfraquecimento da autoridade. O uso das tecnologias de informação pelo crime é um fenómeno que não podemos ignorar, uma vez que deste modo se potencia a impunidade, com o alargamento das comunicações anónimas, rápidas e de dimensão global. E quando o crime passa pelo computador, pela internet, pelo correio electrónico, não há alternativa.
– O novo Código de Processo Penal (CPP) impede a investigação aos crimes informáticos?
– As alterações do CPP limitam excessivamente o acesso das autoridades aos dados de tráfego. Há crimes, tais como a posse de pornografia de menores, a burla informática simples, que ficaram fora da possibilidade de acesso a esses dados. Parece-me proporcionada a exigência de alargamento do acesso a tais dados, na medida em que o possuidor de imagens pornográficas infantis, por exemplo, pode estar no caminho da revelação dos crimes mais graves.
"É EXTREMAMENTE GRAVE"
Paulo Santos, presidente da Federação de Editores de Videogramas Portugueses (FEVIP), não tem dúvidas em afirmar que "o Código de Processo Penal impede a investigação dos crimes informáticos", classifica a situação como "extremamente grave" e garante que tem conhecimento do arquivamento de, pelo menos, 200 processos, 15 por cento dos quais relativos a pirataria.
"Inocentemente ou propositadamente, criou-se um vazio legal que não permite investigar uma série de crimes. Como é que isto é possível num Estado que defende a inovação e a tecnologia?", questiona o advogado, defendendo uma alteração do Código de Processo Penal.
Para o presidente da FEVIP, que tem como missão combater a pirataria, o problema está na equiparação dos dados de tráfego ao mesmo regime legal das intercepções telefónicas, quando estes dados não são conteúdos das comunicações. "São dados de utilização de rede", explica.
CRIMES EM CAUSA
PORNOGRAFIA INFANTIL
O artigo 176.º do Código Penal prevê que quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder por qualquer meio materiais de pornografia com menores é punido com pena de prisão até dois anos.
BURLA INFORMÁTICA
Prevista no artigo 221.º do Código Penal, a burla informática nas comunicações, onde se inclui o fishing, é punida com prisão até três anos ou multa.
ACESSO ILEGÍTIMO
Quem, de forma não autorizada e com o objectivo de alcançar benefício ilegítimo, aceder a um sistema informático, é punido com prisão até um ano ou com pena de multa, segundo o artigo 7.º da Lei 109/91 – criminalidade informática.
REPRODUÇÃO ILEGÍTIMA
A reprodução ilegítima de programa protegido é punível, segundo a lei da criminalidade informática, com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
NOTAS
200 PROCESSOS ARQUIVADOS
Pelo menos 200 processos já terão sido arquivados devido aos obstáculos na investigação dos crimes informáticos, quem impedem as autoridades de terem acesso a meios de prova.
LEI: 17 ANOS SEM ALTERAÇÕES 
A Lei 109/91, sobre a criminalidade informática, foi aprovada há 17 anos e desde então não sofreu qualquer alteração significativa, apesar das recentes reformas legislativas.
PROPOSTA: GUARDAR OS DADOS
O Grupo de Trabalho de Prevenção do Abuso e do Comércio Sexual de Crianças Institucionalizadas propõe que os dados sejam conservados durante dois anos.
Polícias não conseguem aceder aos dados das comunicações electrónicas