Exploração sexual comercial de crianças: necessidade de cooperação na Tríplice Fronteira, por Patrícia Nabuco Martuscelli

A Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai é uma região singular pela presença da hidrelétrica de Itaipu (maior usina binacional desse tipo do mundo e com maior produção energética) e pelo seu potencial turístico devido às Cataratas. As três principais cidades ali encontradas são Foz do Iguaçu (Brasil) que possui mais de 300.000 habitantes, Ciudad del Este (Paraguai) com cerca de 280.000 habitantes e Puerto Iguazú (Argentina) com aproximadamente 40 mil habitantes. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) calcula que 45% da população da Tríplice Fronteira seja de crianças e adolescentes.

Dentre essa população há um grande número de pessoas que atravessam a fronteira para trabalhar, para colocar os filhos em escolas melhores e em busca de serviços de saúde. Além disso, há uma grande quantidade de turistas que por ali passam diariamente, principalmente para fazer compras na cidade paraguaia que possui zona franca. Segundo estimativas da Receita Federal do Brasil, 40 mil pessoas e 5 mil carros atravessam diariamente a Ponte da Amizade que liga Foz do Iguaçu com Ciudad del Este. Há também a Ponte Tancredo Neves (conhecida como Ponte da Fraternidade) que liga a cidade brasileira à Puerto Iguazú.

A Tríplice Fronteira sofre com problemas de crimes transnacionais como tráfico de armas e drogas, contrabando e tráfico internacional de seres humanos. O Brasil é o maior exportador do mundo de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual. Há assim uma especial vulnerabilidade ao recrutamento de crianças e adolescentes com destino a Argentina, Brasil, Paraguai e Europa na região. De acordo com estimativas da Organização Internacional do Trabalho, em torno de 20 vítimas de tráfico humano (incluindo jovens e crianças para a exploração sexual comercial) passam todos os dias pela Tríplice Fronteira.

Os direitos das crianças na região fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai são muitas vezes violados. Além da exploração sexual comercial, há o tráfico de crianças e adolescentes relacionados a outros fins como trabalho escravo e tráfico de órgãos e o uso desses como transporte para armas, drogas e mercadorias contrabandeadas.

Um dos principais problemas que ainda persiste na região é a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, mas pouca atenção é dada a ele pela mídia, sociedade civil e governos. A Pesquisa Nacional de Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial (PESTRAF) de 2002, revelou que há mais de 4 mil crianças e adolescentes em situação de exploração sexual comercial, na fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai. Normalmente esses menores possuem famílias pobres e desestruturadas, na maior parte meninas entre 8 e 17 anos, que são atraídas pelos aliciadores com promessas de dinheiro e melhores condições de vida. A exploração dessas crianças ocorre em prostíbulos fechados envolvendo cárcere privado, tráfico de pessoas e leilões de virgens, na rua quando a crianças vende seu corpo para obter afeto e sustento ou em uma rede de turismo sexual que conta com agências especializadas, hotéis e taxistas.

A Argentina, o Brasil e o Paraguai fazem parte de acordos internacionais que visam à proteção da criança e do adolescente e incitam os Estados partes a impedirem situações de risco para essas. O primeiro deles é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) que determina que o Estado deve garantir a proteção dessas contra todas as formas de exploração e abuso sexual. O segundo é a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre as piores formas de trabalho infantil que inclui a exploração sexual comercial. Por fim, há o Protocolo Facultativo para Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis. Mesmo com esses mecanismos jurídicos, esse assunto é de difícil resolução e pouca coisa foi feita para lidar com o problema.

Tão séria é a situação na região que a OIT empreendeu o Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes na Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai entre setembro de 2001 e o ano de 2005. Esse projeto implementado nos municípios de Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad del Este teve como objetivos identificar as lacunas legais e propor harmonizações entre os três países; contribuir na obtenção e análise de informações confiáveis e relevantes sobre o problema; fortalecer as instituições públicas e privadas na formulação e implementação de ações, proporcionar atenção nas áreas de saúde, educação, apoio psicossocial e jurídico a crianças e adolescentes sexualmente exploradas e contribuir na formulação de políticas e mecanismos de prevenção a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes.

O programa foi importante para colocar em foco tal problemática e para estimular o diálogo entre os três países para possíveis soluções. É necessário observar que o projeto dava especial atenção a ações para evitar a exploração visto que é extremamente complexo lidar com as vítimas dessa prática. Não só os indivíduos precisam de assessoria jurídica, psicológica e em aspectos de saúde, mas também suas famílias necessitam dessa assistência.

Apesar de ter melhorado a colaboração entre Brasil, Argentina e Paraguai, ainda há muito trabalho a ser feito a fim de evitar a exploração sexual de crianças e adolescentes na Tríplice Fronteira. Esses países ainda não possuem leis específicas contra a exploração humana e maneiras eficientes de punir os envolvidos com essa prática, principalmente aliciadores e “clientes”. Não há estatísticas precisas em nenhum dos três países relacionadas ao problema, o que dificulta sua mensuração e combate. Há também dificuldades relacionadas ao controle de fronteiras, como a difícil fiscalização relacionada ao enorme número de pessoas que as atravessam todos os dias. Também há o fato de que as vítimas de exploração sexual muitas vezes não denunciam os abusos sofridos para as autoridades, seja por medo da reação dos exploradores ou por vergonha. Além disso, os países em questão não possuem um sistema penal eficiente para lidar com a situação visto que há empecilhos para investigar os crimes, não há juízes e promotores especializados na problemática e os perpetradores normalmente ficam impunes (seja pela impossibilidade de denúncia ou por sua fuga pelas fronteiras)

A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é uma atividade amplamente atrelada ao crime transnacional organizado e à pobreza. Portanto, é necessária uma maior cooperação entre Brasil, Paraguai e Argentina para encontrarem soluções e meios de prevenção conjuntos e para combaterem as causas desse crime. Além de os Estados cumprirem suas obrigações internacionais a cerca da proteção de seus menores, a mídia internacional deveria dar maior atenção para a situação de milhares de crianças que sofrem na região. Por fim, é importante a criação e atuação de redes de proteção que envolvam governos, sociedade civil e organismos internacionais para mudar a realidade e oferecer proteção a todos os menores da Tríplice Fronteira.


Patrícia Nabuco Martuscelli é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e membro do grupo de pesquisa Teoria das Relações Internacionais, Brasil e América Latina do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (patnabuco@gmail.com).

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