A informação adequada e de qualidade é uma arma poderosa para a prevenção da violência sexual. Ao invés de se esquivarem e evitarem falar sobre sexo com as crianças, pais e professores deveriam se preparar e conversar muito com elas sobre o tema, para ajudá-las no desenvolvimento saudável de sua sexualidade e também para que possam identificar situações de risco e conseguir sair delas. Essa é a principal orientação de Alexandre Gonçalves, consultor do programa Claves, que esteve em Sorocaba na semana passada para ministrar um curso de capacitação, voltado à prevenção da violência doméstica e abuso sexual infanto-juvenil, voltado a pais, educadores e demais pessoas que trabalham com crianças e adolescentes.
Intitulado "Brincando nos Fortalecemos para Enfrentar Situações Difíceis", o curso, realizado durante três dias na Fundação Assistencial Paz e Amor, abordou conceitos relacionados à temática da violência sexual contra crianças e adolescentes, orientando como identificar sinais de violência sexual e agir de maneira eficaz. Durante o encontro, os participantes também aprenderam a dinamizar os fatores de proteção, estimulando criança e o adolescente - através de atividades lúdicas - a desenvolverem habilidades para evitar a violência.
Quando Alexandre fala para pais e educadores fornecerem informação adequada sobre sexo, ele se refere a adaptar o tema para a faixa etária de quem irá ouvir e ter o cuidado de não passar muito conhecimento de uma só vez, pois a criança poderá ficar perdida diante de tanto excesso. "Um exemplo disso é uma criança de 4 anos perguntar para o pai o que é sexo e o pai tentar fazer uma explicação toda elaborada até que a criança, sem entender nada, pergunta, afinal, de que sexo ela é, se é masculino ou feminino", alerta Alexandre.
Com relação à qualidade, é preciso explicar sobre o tema de forma natural, sem vulgarizar ou transmitir uma ideia de que o sexo seja pecado, sujo ou algo ruim. "Geralmente os adultos falam sobre sexo a partir de suas próprias experiências, causando uma grande confusão para as crianças", afirma.
Alexandre observa que também as revistas e filmes pornográficos mostram uma ideia errada sobre sexo, afeto e cuidado. Ainda de acordo com o consultor, informações equivocadas podem levar a criança a desenvolver uma sexualidade problemática e isso é fator de risco para o abuso sexual. "Muitos pais, porém, têm receio de falar sobre o assunto com os filhos. Fala-se sobre tudo, menos sobre sexo, e a criança tem curiosidade. A falta de informação gera especulação, e isso faz com que procure saber com outras pessoas". Por outro lado, pontua Alexandre, o conhecimento dos pais e educadores, na maioria das vezes, é raso, superficial. "Ao contrário de realizarmos muitos projetos de como educar os filhos, deveríamos ter mais projetos de educação para os pais", diz.
Conforme Alexandre, geralmente se ensina sexualidade a partir das preocupações do mundo adulto e não como se deve. Um exemplo disso é o que as religiões geralmente pregam aos jovens, que recomendam casarem-se virgens. "Isso é muito pouco. Falar sobre sexualidade não vai estimulá-lo a fazer sexo, pelo contrário, se for em uma linguagem apropriada, se falarmos sobre os aspectos de proteção e cuidado, o resultado vai ser diferente. Não adianta apenas ficar focando nas doenças sexualmente transmissíveis pois não é o medo que vai pesar para ele e sim a valorização de si como pessoa."
Cuidado com o corpo Os pais e educadores têm a missão de esclarecer para a criança que ela deve ter cuidado com o próprio corpo e também com o corpo do outro. "Quando os pais e educadores falam abertamente sobre sexo, da forma apropriada para a idade, claro, eles conseguem adiar a primeira relação para três, quatro anos mais tarde", diz.
Todas as informações têm como foco principal a prevenção. "O ideal é se antecipar para evitar situações de violência, o que classificamos no curso como prevenção primária, mas grande parte dos profissionais já trabalham com situações de violência manifestas, então nesse caso temos de pensar na prevenção secundária, para romper ou impedir que o abuso se mantenha".
É preciso estar muito atento ao comportamento das crianças para identificar um possível caso de violência. Se ela apresenta um comportamento em que os tipos de jogos sexuais são habituais em crianças de sua faixa etária, ou seja, naturais para a idade, então a prevenção é primária. Nesse caso não há indícios de abuso. Mas se a criança pratica jogos sexuais problemáticos, essa já não é uma ocorrência comum, então é preciso investigar melhor para saber de fato o que é que está ocorrendo. "Muitas vezes essa criança não foi vítima de violência, mas vê os pais fazendo sexo, então desenvolve comportamentos semelhantes, mas inapropriados para sua idade", observa Alexandre.
Conforme o consultor, a violência sexual é também uma violência de gênero. "Por causa da maneira que muita gente ensina como é ser homem para os meninos, ele acaba achando que ser homem é dominar as mulheres. O machismo reforça a violência, tanto é que 95% dos casos de abusos de crianças é praticado por homens, sendo que 70% das vítimas são mulheres", afirma. Uma forma de identificar situações de abuso é através de atividades lúdicas. No curso, é disponibilizado um material para os participantes, mas cada professor pode buscar informações e elaborar seu próprio método de abordar o assunto de forma divertida.
Um dos materiais do curso mostrava as partes do corpo humano, e nesse caso o professor pode reunir os alunos para todos juntos identificarem os nomes de cada parte e a função. É um primeiro passo muito importante para falar sobre o assunto. Outro material do curso, mais para adolescentes, é um tabuleiro, com peões e dados, e onde o peão cai são feitas perguntas sobre situações relacionadas a drogas, gravidez e namoro. Em uma delas, a professora pergunta para a aluna: "um fotógrafo a convida para posar de biquíni para uma revista, promete muitas vantagens. Você então iria ao encontro marcado ou não?"
São apresentadas situações-problema em que os adolescentes têm de responder como agiriam, e depois de ouvi-los a professora os orienta. Estas são ideias para trabalhar o assunto de forma lúdica. Para a educadora Marisete Schuartz, que participou do curso, as escolas não deveriam apenas reservar algumas horas para falar sobre o tema, mas sim deveriam ter uma disciplina só para esse assunto.
O programa Claves surgiu no Uruguai, em 1995. Foi idealizado por uma organização chamada Juventude para Cristo com o objetivo de capacitar profissionais que trabalham com crianças e adolescentes através de uma metodologia de prevenção contra os maus tratos. No Brasil, o Claves teve início em 2005 com as primeiras oficinas de capacitação. "A ideia é a prevenção dos maus tratos e a promoção dos bons tratos", afirma o pastor Carlos Más, gestor da Fundação Assistencial Paz & Amor, que trouxe o curso para Sorocaba.
Tipos de jogos sexuais
Habituais: - idade semelhante; - há uma relação social entre os envolvidos (se um já é conhecido do outro, tem uma relação próxima, de amizade); - faz de forma esporádica (fez uma vez ou outra e depois não fez mais); - joga outros jogos, não apenas o sexual (ex. quis mostrar o "pipi" e ver se a amiguinha também tinha um, mas depois que matou a curiosidade foi fazer outras coisas); - ocorre à vista de todos (não é erótico, não é segredo); - tem afeto (não é para aborrecer ou causar dor ao outro)
Problemáticos: - idade e fase de desenvolvimento diferentes, por exemplo uma criança de três e outra de 12, porém é preciso observar atentamente se a de 12 não tem deficiência mental que corresponda à mesma idade da criança de 3 anos; - deixar outras atividades de lado para se concentrar em jogos sexuais; - faz isso de forma permanente; - não responder aos limites apropriados (impõe, quer beijar à força, arranca as calças do outro); - relação de poder; - comportamentos rituais ou sádicos (não tem a ver com afeto, mas com dor, sofrimento)
Formas de prevenção Primária (antes da violência -busca reduzir as vulnerabilidades e aumentar fatores de fortalecimento) - educação para a sexualidade de acordo com cada faixa etária; - fortalecimento dos vínculos familiares (na escola a obrigação dos educadores é sensibilizar os pais para isso); - informar a criança para que ela saiba que existe a violência sexual e saiba como se proteger, que ela saiba que mexer nas partes íntimas é um tipo de violência, e quando notar que isso está prestes a acontecer ela pode correr, gritar, contar para uma pessoa; - a criança não aprende sozinha, tem de ter informação dos adultos, informação correta, e os professores, por sua vez, quando forem fazer qualquer abordagem sobre esse tema, têm de avisar a família, é uma parceria entre a família e a escola
Secundária (depois do abuso sexual - visa romper o ciclo da violência e reduzir os danos causados) - ajudar a criança a dar um novo significado para a sexualidade (quando ela tem comportamentos do mundo adulto, como querer beijar de língua outras crianças e fazer movimentos sensuais), orientando como se preservar, não expor o seu corpo e aprender a cuidar do outro, valorizando e respeitando também os outros; - aliviar a culpa da criança (deve-se dizer abertamente que ela não teve culpa); - ajudá-la a se relacionar de forma saudável com outros colegas e adultos; - não tratá-la de maneira diferente das outras crianças, como vítima, e incluir nas atividades criativas, mostrar para ela que é possível se recuperar, que ela pode ser feliz mesmo depois desse problema
Como lidar com a situação na escola
Em casos que se tem a confirmação de que a criança vem sofrendo agressão física ou violência sexual, a professora deve comunicar a direção da escola. Esta, por sua vez, oficia ao Conselho Tutelar, que fará os devidos encaminhamentos. Nas escolas municipais é simultaneamente acionado o Centro de Referência em Educação, que irá determinar um assistente social e um psicólogo para que ambos, por meio de visitas à escola, desenvolvam um trabalho de observação e acompanhamento do aluno. Vale lembrar que em Sorocaba há uma rede de proteção que visa garantir os direitos da criança e do adolescente e essa rede está incumbida de tomar todas as medidas protetivas. O Conselho Tutelar fica na avenida Armando Salles de Oliveira, 211, Trujillo. Telefones (15) 3234-1704, 3232-0951 e 3232-0841. |