Delegado investiga denúncia de abuso sexual contra internos em Centro Socioeducativo em MT


Delegado investiga denúncia de abuso sexual contra internos em Centro Socioeducativo em MT
Delegado investiga denúncia de abuso sexual contra internos em Centro Socioeducativo em MT
Delegado Paulo Araújo: "O caso será apurado com rigor"

O delegado Paulo Alberto Araújo, titular da DEA (Delegacia Especializada do Adolescente), coordena uma investigação para apurar denúncias de abusos sexuais contra menores dentro do Centro Socioeducativo de Cuiabá (Complexo Pomeri). 

Ele classificou as denúncias como gravíssimas. Segundo depoimentos de internos, existe um sistema de abusos sexuais, cometidos dentro do centro. Também é investigada a participação de um agente educador, que teria facilitado os abusos sexuais. 

Em entrevista ao site MidiaNews na última semana, o delegado criticou o sistema Sócioeducativo e fez uma análise de como os menores infratores são tratados. De acordo com Araújo, a violência sofrida dentro da unidade põe fim à única chance de recuperação que esses adolescentes recebem. 

A investigação surgiu depois que um adolescente de 14 anos, morador de Cáceres e detido no Pomeri, relatou ao pai dele que dentro da unidade ocorria um esquema de rodízio de abusos dos adolescentes maiores contra os menores. 

O pai passou a denúncia para a psicóloga, agentes educadores e também para técnicos que atuam dentro da unidade. Ocorre que o caso chegou ao conhecimento dos internos que praticam os abusos. Em repreensão, o adolescente “delator” também foi violentado. 

“Quando o menor, de alguma forma, foi agredido fisicamente, os agentes foram obrigados a apresentá-lo. O pai desse menor havia denunciado que estavam acontecendo abusos sexuais e violência física contra menores ali dentro. Aí partiram pra cima desse menor e também o violentaram. Esse pai ficou sabendo e cobrou uma posição. Aí foram obrigados a tomar providência”.

Segundo a apuração da DEA, os abusos eram praticados vezes seguidas, continuamente, e alguns dos menores abusados chegam a desmaiar. 

“Na segunda-feira [29] ouvimos os menores e soubemos mais detalhes desses abusos, que são constantes e praticados por vários deles. Em um dos casos que temos relatado, um menor chegou a desmaiar após ter sido violentado várias vezes seguidas. Ele contou que desmaiou no momento que era abusado pelo sexto menor”. 

O caso foi comunicado à Justiça e a juíza Gleide Bispo dos Santos, que atua na Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, determinou a retirada de dois adolescentes da Unidade Sócio Educativa. 

Um deles, o menor morador de Cáceres, foi abusado recentemente e passou a ter acesso ao coquetel de combate ao vírus HIV. 

O outro adolescente, que tem 16 anos de idade, sofria os abusos desde junho e nunca tomou a medicação. 

“Trouxeram um dos menores aqui na DEA e foi feita a ocorrência desse estupro, já que ele foi apresentado primeiro. Fizemos o pedido de exame de corpo de delito e o médico legista achou por bem encaminhá-lo para o Hospital [Universitário] Júlio Müller, onde ele recebeu os cuidados adequados”. 

Esse menor também apanhou dos colegas de cela e teve o corpo queimado com barras de ferro quente. Para esquentar as barras, os menores a passam várias vezes no chão de cimento.

Participação de agente educador 

Segundo os depoimentos dos menores, um agente educador conhecido como “Volverine” é apontado como o homem que abriu outras celas para que vários jovens se juntassem aos abusadores e torturassem os adolescentes por cerca de 40 minutos. Nesse tempo todo, os dois garotos disseram que ninguém fez nada para acabar com a violência. 

O delegado informou que os agentes deverão ser ouvidos, de acordo com a ordem estabelecida na investigação. 

“Estou aguardo a identificação desse agente orientador. A lei diz que quem deve fazer a investigação é a própria Sejudh [Secretaria de Justiça e Direitos Humanos], independentemente da apuração penal. A apuração administrativa deve ser feita pela Secretaria. Eles devem apurar ‘a falha’. E quem que falhou, foram eles mesmos, que erraram em algum momento. Era um plano individual para ser cumprido e por que esse plano não está sendo cumprido? Então é de se acreditar que eles não conhecem com quem estão lidando. Existe uma equipe multidisciplinar, que acompanha o trabalho. Esses agentes devem ser chamados e instruídos de como agir, e explicar qual é o trabalho deles”. 

Situação inadmissível 

Durante a entrevista, o delegado se mostrou revoltado com a situação e afirmou que esses casos revelam o total descontrole da unidade, que deveria apoiar os menores. 

“Apesar de não existir um local digno, porque aquele local não é digno pra ninguém, o que esses servidores públicos acabam fazendo é assegurar que a violência se perpetue. A violência nesses menores está sendo potencializada, ninguém está sendo recuperado”.

Araújo também enfatizou que a situação anula todo o trabalho feito pela Justiça, que encaminha os menores para uma reabilitação social. 

“É um absurdo o que está acontecendo. O que fazemos aqui fora, como delegados, promotores, juízes e outras instituições, para assegurar que esse menor tenha um tratamento legítimo e digno, não está sendo respeitado”. 

O delegado analisou que a situação de violência, física e psicológica, a que esses menores estão  submetidos, eles jamais serão recuperados. 

“Nestas condições, nunca teremos um adolescente recuperado. Como que esse menor vai fazer uma leitura de sua própria vida com um tratamento deste tipo? Pelo contrário, eles ficarão cada vez mais violentos. Aqui fora as pessoas dizem: esse menino tem que ir lá pra dentro mesmo. Mas não fazem a reflexão do que acontece dentro desse sistema. E ninguém sabe o que nós fazemos quanto autoridades para que ali se torne realmente um centro de recuperação”. 

Trabalho de doação 

Paulo Araújo afirma que para trabalhar com menores infratores é preciso que o servidor esteja realmente envolvido com a causa e acredite que o Centro Sócioeducativo pode mudar a vida desses menores. 

O delegado explicou que a legislação já prevê que trabalhos dessa ordem devem ser ocupados apenas com pessoas que realmente tenham vocação. 

“A lei 12.594 passou a vigorar em 18 de abril deste ano, ela diz que é para trabalhar nessa área somente as pessoas que possuem vocação. Isso não é cabide de emprego. Essa nova lei prevê a fiscalização desses profissionais. É simples, quem tem vocação que fique. Quem não tem peça transferência, vai pra outro setor. Se não der, peça desligamento e preste outro concurso. Porque se continuar assim aqui dentro, poderá ser até preso”. 

Sem escolha 

Outro ponto abordado pelo delegado é a falta de opções dos menores para os menores envolvidos com atos de violência. 

Segundo levantamentos feitos pela DEA, no Pomeri existem apenas duas alas. Uma estaria destinada aos menores estupradores e a outra aos homicidas. 

“Temos o relato de um menor que foi detido por tentativa de homicídio. Ele disse: 'Doutor imagina a minha situação, lá só tem a ala C e D, ou a sala de televisão. Em uma das alas só ficam os estupradores e na outra os homicidas. Na ala do estuprador ou você estupra ou você é estuprado. Eu prefiro ficar na ala dos matadores, lá ou eu mato ou eu morro. Eu tenho escolha?' ”, relatou o delegado.

Problema social 

Para o delegado o fato dos menores estarem dentro do Centro Socioeducativo já revela um problema social. Ele acredita que as histórias de vida desses adolescentes, geralmente oriundos das classes mais baixas, com pouco ou nenhum estudo, criados sem amor, respeito e carinho os encaminham para uma vida marginalizada. 

“Esses menores chegam ao fundo do poço com o internamento. Essa é a única oportunidade de se recuperarem. Esses casos de agressões acabam com a única chance deles se recuperarem. Ao olharmos as histórias desses internos, percebemos que eles são vitimas desde antes de nasceram. Desde quando estavam na barriga da mãe. Muitos deles foram indesejados, e mal criados. Sem amor, carinho, apoio, sem pai – a maioria deles tem apenas as mães. Eles pagam essa pena desde que nasceram. São eternos punidos pela vida. É uma maldade sem tamanho acabar com essa única oportunidade desses menores”. 

De acordo com o delegado, a violência sexual sofrida pelos internos deixam marcas que jamais serão apagadas. Ele revelou que os adolescentes estão muito traumatizados e frágeis. 

“Eu não consegui olhar para esses meninos por muito tempo. Você também não conseguiria. Não dá. Falar que eles são homens hoje em dia? Não são! São o puro reflexo da violência. Independentemente do que eles fizeram, não podia ter acontecido isso. Não era pra ser assim”.

Investigação severa 

O delegado é enfático em dizer que o caso será apurado com rigor e que os responsáveis por permitir a violência serão punidos. 

“A minha função aqui é ser delegado. E podem me tirar daqui, porque no fundo sabemos que tudo é política. Mas eu não posso ter medo da minha convicção. Se for para sair, eu saio. Mais saio com minhas vigas sustentadas e sabendo que eu fiz alguma coisa. Porque depois de tudo isso aqui, alguma coisa vai ser feita”.

“Essa apuração vai envolver outras esferas. Vamos procurar as autoridades competentes, o Ministério Público, que tem que acordar para o que está acontecendo. A Justiça também deve agir”, finalizou. 

Protesto 

Na manhã de quinta-feira (1º) os agentes orientadores do “Pomeri” fizeram um protesto em frente a unidade reclamando das condições de trabalho e alegam que ainda não foram ouvidos no inquérito. 

Eles alegam que a divulgação dos dois casos acabou prejudicando trabalho deles. “A gente gostaria de ser ouvida para esclarecer os fatos”, disse uma agente prisional. 

Atualmente a instituição abriga aproximadamente 150 adolescentes internos cumprindo medida socioeducativa. 

A unidade tem sete alas, com 69 “quartos”, dos quais 25 estão desativados, em conseqüência de banheiros entupidos e depredações ocorridas em rebeliões. 

Outro lado 

Em nota a Sejudh disse que já tinha conhecimento sobre o caso e que já foi instaurado um procedimento administrativo para apurar as denúncias. 

Veja a nota na íntegra da Sejudh:

"A Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, frente às denúncias de tortura e estupro contra adolescentes atendidos na unidade de internação masculina do Centro Socioeducativo de Cuiabá, esclarece o que segue: 

Todas as denúncias que chegaram à direção da unidade e também as equipes técnicas foram devidamente encaminhadas para as providências cabíveis imediatamente ao conhecimento do fato, conforme constam no Boletim de Ocorrência (BO 2012./ 429271), requisição de exame de corpo delito, exames laboratoriais do Hospital Júlio Muller nº 324322 e ainda, na solicitação de medicamentos, juntados ao processo; 

Os adolescentes envolvidos no episódio recente, tanto as vítimas como os supostos agressores, foram encaminhados na sexta-feira (26.10) à juíza Gleide Bispo, da Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, para serem ouvidos, conforme determina a legislação; 

Ocorre que, se durante a audiência novos depoimentos de abusos sexuais ou prática de tortura foram registrados por parte dos adolescentes, esclarecemos que essa informação, até as 15 horas desta terça-feira (31.10), não era ainda de conhecimento da direção ou equipe técnica da unidade socioeducativa, conforme recomendam os procedimentos; 

Portanto, se as autoridades envolvidas no caso receberam novos relatos de abusos sofridos pelos adolescentes, além daqueles já indicados no BO, defendemos que deveriam ter notificado imediatamente a direção da unidade para as providências cabíveis, principalmente pela urgência que os casos dessa natureza requerem; 

Nesse contexto reafirmamos que todos os casos de tortura ou abuso sexual registrados na unidade socioeducativa receberam atendimento dentro dos procedimentos legais, incluindo exame de corpo delito, encaminhamento ao Hospital Júlio Muller e recebimento de medicamentos contra o vírus HIV; 

Sobre as denúncias envolvendo servidores é oportuno esclarecer que os fatos estão em apuração. Caso se comprove envolvimento de servidores como conivência, negligência ou omissão, os responsáveis responderão criminalmente".