Violência sexual atingiu 516 vítimas


Dos 31 dias do tão esperado mês de julho, dez contaram com casos de estupro noticiados nas páginas do DIÁRIO – e houve dias com mais de um caso registrado, envolvendo crianças principalmente, e até morte de uma delas. O fato levou a equipe de reportagem a buscar órgãos competentes e outras frentes envolvidas no combate a esse horrendo crime e ainda na assistência às vítimas, para tentar entender o cenário que leva a tantas ocorrências.
Segundo dados do Pro Paz, frente do Governo do Estado que desde 2004, dentre outras ações, presta assistência social à crianças e adultos vítimas de diversos tipos de violência, já foram registrados pelo programa, em 2013, 516 casos de violência sexual no Estado, sendo que 85% das vítimas são do sexo feminino, e a faixa etária mais atingida é compreendida entre 12 e 14 anos, com 29% dos registros. “Além disso, praticamente 90% dos casos acontecem em casa, são intrafamiliares, o que torna ainda mais difícil o alcance a essa vítima”, explica. 
O Centro de Perícias Clínicas Renato Chaves recebe as amostras coletadas das vítimas e segundo a direção do CPC, a média de análises relacionadas a crianças e adolescentes chega a 92/mês de janeiro de 2013 até junho, um número considerado alto para o próprio diretor, Orlando Salgado Gouvêa. “Mesmo assim, a cada ano a gente percebe que as denúncias aumentam, mas pelo fato de que as vítimas se sentem mais seguras a nos procurar e relatar o que acontece, mesmo quando estão sendo ameaçadas pelo abusador. Quando é criança, em poucas sessões de atendimento psicosocial, uma ou duas, ela relata o que acontece, e isso permite com que o assistente social possa fazer o Boletim de Ocorrência”, explica Adriana Meira, psicóloga do Pro Paz. 
O DIÁRIO solicitou à Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup) os registros nessa categoria, mas recebeu a resposta de que “os números relativos às estatísticas da criminalidade 2013 estão sendo sistematizados e consolidados (...). Após a finalização deste estudo, (...) serão divulgados pela Secretaria, durante entrevista coletiva à imprensa (...)”.
“Quando a ética do cuidado é ferida, a violência se instala, bem como a possibilidade do dano psicológico que considera inúmeros aspectos não generalizáveis, por exemplo: idade da criança, a duração e intensidade da violência; a diferença de idade entre o agente e a criança; o grau de relacionamento; a ausência de figuras parentais protetoras, etc”, afirma a professora e doutora Adelma Pimentel, PHD em Psicologia e Psicopatia do Desenvolvimento. “A cultura ocidental não respeita crianças ao praticar o significado etimológico do termo infante: não fala; ou seja, os adultos não escutam as crianças. Tal procedimento é uma porta para a transgressão do abuso e da violência. No cerne da questão estão elaboração de relações igualitárias, equitativas, não sexistas, machistas, excludentes, preconceituosas; a superação dos mitos que pensam a família em modelo formal, ‘estruturado’ em uma lógica nuclear e heterocêntrica cujo espaço afetivo é supostamente harmônico”, analisa.
CONTRA A DIGNIDADE
Para Suzany Brasil, advogada atuante no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussen (Cedeca), os números apresentados demonstram, objetivamente, que ainda há uma violenta negação à dignidade sexual de crianças e adolescentes.
“A maioria das notificações ainda é relativa a meninas, mostrando que as violências contra os meninos acaba sendo silenciada, provavelmente pela pesada carga de preconceito e machismo, não necessariamente indicando menor ocorrência contra crianças e adolescentes do sexo masculino”, avalia. “São aproximadamente mais de duas situações por dia envolvendo crianças ou adolescentes que chegam aos serviços de referência para serem notificados, sendo ainda muito significativos os números registrados nos serviços de Saúde e demais instituições da rede de proteção nos municípios e localidades que não tem acesso ao atendimento especializado no Pro Paz”, atenta.
O programa, segundo sua assessoria de imprensa, está presente em Belém (Santa Casa e Renato Chaves), Santarém, Bragança, tendo já polos em construção em Tucuruí, Paragominas e Altamira.
Ato brutal muda emoções e vida da vítima
Desde o ano passado, o CPC Renato Chaves funciona 24 horas para a realização de exames que possam comprovar a ocorrência de violência sexual. A mudança ocorreu depois que o órgão, incluindo a unidade do Pro Paz que funciona ali dentro, passaram por uma intensa reforma. “Antes disso, a criança ou o adulto, se chegassem aqui depois das 22h, tinha de esperar até as 8h do dia seguinte para fazer o exame, e quanto mais tempo se passa entre o crime e a coleta de material, mais difícil fica evidenciar o ato violento”, justifica Gouvêa. “O laudo sai em até dez dias, mas assim que o laboratório me informa o resultado, eu já aviso ao delegado que está com o caso que depende daquele documento, para que ele fique sabendo antes”, acrescenta.
Adriana Meira, do Pro Paz, corrobora que o laudo positivo para a violência física não precisa ser necessariamente o item gerador de prisão do acusado. “Muitos dos atos libidinosos não deixam marcas, e são os laudos psicológicos, que resultam de um acompanhamento da vítima por tempo indeterminado, que auxiliam na confirmação da violência sexual. A vítima, principalmente a criança, muda bastante o comportamento, torna-se muito chorosa, por vezes agressiva, é nítido para quem convive com ela as mudanças, que podem apontar para uma situação de abuso sexual”, adverte.
(Diário do Pará)