Uma circunstância marcou a adolescência da goianense Kênia Fernandes Moraes: a frequência com que ouvia, de amigas de sua idade, relatos de abuso sexual sofrido. “Aquilo me impressionava. Elas ficavam muito assustadas e não tinham a quem recorrer, pois as situações envolviam pessoas do ambiente familiar”, lembra.
Há mais de uma década, chegou aos seus ouvidos o caso de uma adolescente grávida, que, expulsa da casa dos pais e vinda da área rural para Rio Branco, foi envolvida num esquema de prostituição no bairro Dom Giocondo (antigo Papouco) e era obrigada a receber três ou quatro clientes por noite.
Kênia, que morava próximo ao local, ficou chocada com o fato. Resolveu buscar a moça e levá-la para sua casa. Em questão de meses, iniciou, na própria residência, a fundação da Casa Lar Ester, destinada a atender meninas de sete a 17 anos, vítimas de abuso sexual. “Estes 12 anos de trabalho foram muito intensos e rápidos, presenciei muito sofrimento”, desabafa a fundadora, atualmente com 45 anos.
Ela estima que, ao longo do tempo, por ali já tenham passado cerca de 300 jovens. Atualmente a instituição está abrigando 12 meninas.
Sabe-se que o impacto psíquico mais frequente entre as vítimas de abuso sexual recai sobre a autoestima. A atitude do agressor ofende tanto a dignidade humana que a pessoa, homem ou mulher, passa a acreditar que não tem valor próprio.
“As meninas chegam aqui com muita dor emocional. Muitas vezes são anos de abuso. Nós trabalhamos com a autovalorização de cada uma delas, principalmente pela evangelização. Por isso o nome da casa é Ester, que significa “estrela” em hebraico. Queremos que elas sejam capazes de se enxergar como estrelas”, explica Kênia.
A iniciativa se mantém por meio de doações. Por isso é aceito todo tipo de ajuda, especialmente roupas, alimentos, itens de higiene pessoal e material de construção. Os serviços de manutenção são realizados por um corpo de voluntários. As abrigadas frequentam escola e auxiliam nas tarefas domésticas.
A idealizadora do Lar Ester usa uma metáfora original para falar sobre o reestabelecimento moral das internas: “É um trabalho delicado. Se uma jarra de leite cai no chão, as pessoas normalmente dizem ‘não tem jeito, é leite derramado’. Eu aprendi que, na reestruturação da vida dessas moças, nosso trabalho é como colocar algodão sobre esse leite que está no chão, para absorvê-lo. Depois, filtrá-lo com muito cuidado, para separar os cacos de vidro, e recuperar o líquido gota a gota.” Kênia avalia que mais da metade de sua clientela obtém reintegração social.
Em tempo: a primeira gota – aquela jovem que foi resgatada da prostituição – teve seu filho e, acompanhada por uma equipe da casa, foi ao reencontro dos pais, que a aceitaram de volta. Mais tarde se casou e construiu uma família. Certamente uma perspectiva de vida mais brilhante do que os dias nebulosos que já enfrentou.





