'Recebo pais desesperados por conta da pedofilia na internet’

"Já recebi muitos pais desesperados, com problemas envolvendo os filhos e a pedofilia na internet." A frase, do agente de Polícia Federal de Maringá Paulo César Bandolin, é ao mesmo tempo uma revelação e um alerta em relação à pornografia infantil na internet.

Nos quase 10 anos de atuação na região, o policial federal já participou de investigações de algumas dezenas de casos envolvendo pedofilia na web – nesse trabalho, ele conta com o apoio do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e de Pornografia Infantil na Internet (Gecop), criado em maio de 2009.

O grupo é baseado em Brasília, de onde são coordenados os trabalhos de investigação. Os casos de "pais desesperados" normalmente envolvem conversas impróprias dos filhos com desconhecidos, com uso de webcam e troca de imagens eróticas ou pornográficas, muitas vezes acompanhada de tentativas de extorsão.
O agente Bandolin trabalha no Setor de Operações da PF em Maringá, atuando em mais de 80 municípios da região. Além disso, realiza trabalhos em colaboração com órgãos policiais de outros países no combate à pedofilia na rede mundial de computadores.
Numa das investigações mais recentes, um homem da região de Maringá foi preso após um minucioso trabalho de acompanhamento, em que se comprovou que ele era responsável por compartilhar imagens pornográficas de crianças e adolescentes, operação chamada de Tapete Persa (em várias das imagens, aparecia um tapete deste tipo) e que contou com a colaboração de policiais brasileiros e alemães, bem como da Interpol.
Dados da PF registram a realização de mais de duas dezenas de operações de combate à pornografia infantil entre julho de 2005 e novembro de 2010 – quase cem pedófilos foram presos, no Brasil e no exterior, nessas ações. Em sete delas, o Paraná foi um dos Estados em que a PF agiu, contabilizando 63 inquéritos e 14 indiciamentos.
No Brasil, o número de indiciamentos e inquéritos relacionados à pedofilia cresceu quase 600% em 9 anos. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente no período de 1º de dezembro de 2011 a 1º de janeiro de 2012, a organização não governamental Safernet (veja quadro) recebeu 1.181 denúncias de pornografia infantil na web – 221 delas somente na rede social Orkut.
O gigantismo da web é um dos muitos complicadores no combate à pedofilia virtual. Sites de compartilhamento, mensagens eletrônicas como e-mail ou MSN, blogs e redes sociais acessados tanto de computadores portáteis quanto de aparelhos mobile (celulares, tablets, etc...) são alguns dos instrumentos usados pelos pedófilos tanto para chegar às suas vítimas quanto para dividir esse tipo de conteúdo.
"É muito difícil esse combate, principalmente porque falta uma regulamentação específica", lamenta Bandolin. Uma das medidas que auxiliaria o trabalho de investigação dos casos seria a adoção de regras mínimas em todos os países, como a obrigatoriedade de armazenamento dos registros de conexões à web pelos servidores por um período de no mínimo 2 anos.
Combate especializado
No Brasil, a atuação das polícias e os constantes alertas à população em relação a esse tipo de crime parecem estar funcionando, já que é muito difícil encontrar sites com esse tipo de conteúdo hospedados no País utilizando-se apenas de mecanismos de busca.
Normalmente, os pedófilos fazem uso de contas no exterior, registradas em países asiáticos ou do Leste Europeu. Recebida a denúncia, a PF instaura um inquérito e pede a quebra de sigilo telefônico e de conexões de rede dos suspeitos, bem como aciona as redes de colaboração policial internacional, se for o caso.
Além disso, a PF conta com policiais especializados na investigação de crimes cometidos com uso de tecnologia da informação – alguns peritos policiais

Material apreendido; posse e compartilhamento de conteúdo são crimes
federais inclusive desenvolvem softwares específicos para esse trabalho, como os utilizados para avaliação rápida do disco rígido (HD) dos suspeitos. "Muitos deles têm doutorado em Ciência da Computação ou Análise de Sistemas em universidades do Brasil e até do exterior", conta Bandolim.
Um desses softwares foi utilizado em uma investigação na região, da qual o agente maringaense participou. "Havia uma dúvida em relação a qual computador estaria compartilhando o material ilícito, já que havia uma rede compartilhada de acesso à internet (wireless) no condomínio em que o suspeito morava", relembra Bandolin. Após diversos rastreamentos e acompanhamento dos agentes, o número de possíveis residências foi reduzido para dois.
Os agentes estiveram na primeira, analisaram o computador do morador e nada encontraram. Na segunda casa, o suspeito foi preso em flagrante – apesar de não estar compartilhando as imagens naquele momento, o software de rastreamento do disco rígido encontrou os arquivos com conteúdo de pornografia infantil.
"Não é preciso que a pessoa esteja trocando as imagens quando da chegada da polícia; basta que ele tenha esse tipo de conteúdo em seu computador para que a prisão em flagrante seja feita", esclarece o agente. A lei brasileira considera crime a divulgação e a troca de material pornográfico envolvendo menores. Guardar material dessa natureza no computador também é ilegal.
No caso da investigação do condomínio, toda a atuação dos agentes foi feita com cautela e discrição, usando inclusive viaturas descaracterizadas e dispensando o uso do colete.
"Se se espalha entre os vizinhos que duas casas foram investigadas por suspeita de pedofilia, mesmo que se divulgue que o criminoso estava na segunda casa, provavelmente o morador da primeira jamais receberia alguma criança para brincar com seus filhos novamente", explica Bandolin.
Regulamentação
O combate, no entanto, é prejudicado por conta de algumas deficiências. "Além desse tipo de crime ser de difícil investigação, os agentes ainda são sobrecarregados com serviços em outras atividades", revela Bandolin. A integração precária entre as polícias Federal e Civil nos Estados e a inexistência de delegacias com policiais destacados única e exclusivamente para o combate à pedofilia na internet também complicam.
Além disso, o próprio agente maringaense não atua apenas em casos na rede virtual, mas também em investigações de crime de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes fora da rede – uma complementação da investigação do crime virtual.
"Não temos autorização para detalhar os casos, mas posso dizer que em uma das investigações eu viajei vários Estados atrás de um homem acusado de fotografar crianças e adolescentes nus, que estavam matriculadas em uma escolinha de futebol onde ele era técnico, e compartilhar essas imagens na rede", contou.
Em outro dos casos em que Bandolin atuou, uma adolescente da região de Campo Mourão foi reconhecida pelos agentes em um lote apreendido de material envolvendo pornografia infantil. O responsável foi preso, e a garota, encaminhada aos órgãos de proteção.
Bandolin destaca que a população pode ajudar. A PF mantém um site que recebe as denúncias relativas a crimes contra os Direitos Humanos – em que a pornografia infantil está inserida – no endereço http://denuncia.pf.gov.br. Lá, basta indicar a página da internet em que o conteúdo ilícito está hospedado – há também um espaço reservado para comentários que auxiliem nas investigações. O Disque 100 também é uma opção para denunciar.
Os mecanismos de busca (Google, Bing, Yahoo) também colaboram com as investigações no Brasil, graças a vários acordos celebrados com o Ministério Público Federal.
DICAS
  • Nunca divulgue senhas, nome completo, endereços, números de telefone ou fotos íntimas;
  • Você distribui qualquer foto sua no mural da escola, no ônibus ou na praia? Porque então divulgar na internet? Pense bem antes de publicar algo. Uma vez na rede, é quase impossível controlar o uso;
Cuidado com e-mails:
  • crianças e adolescentes podem receber conteúdos impróprios e até serem aliciadas;
  • Jamais encontre “amigos virtuais” sem autorização;
  • Ao utilizar comunicadores instantâneos (messengers, por exemplo), saiba que se abrir sua câmera ou enviar fotos para desconhecidos, suas imagens podem ser compartilhadas. Pessoas mal intencionadas se passam por “amigos virtuais” e mentem para seduzir, intimidar e ofender outros internautas. Não aceite convite de estranhos, prefira se comunicar com quem conhece;
  • Não envie fotos pessoais, nome completo, telefones nem endereços nas conversas com novos amigos; nunca abra a sua webcam para desconhecidos;
Nas redes sociais:
  • Não exponha detalhes de sua vida. Mantenha o mínimo de informações em seu perfil; não comente sobre detalhes de horários e lugares onde estará. Se divulgar fotos, use as que não facilitem seu reconhecimento nem endereços ou nome de escola; o que importa é a qualidade, e não a quantidade de amigos.
Em blogs e microblogs:
  • Evite colocar endereço, telefone, nome da escola e nome completo; muito cuidado ao divulgar seus desejos, segredos e sonhos. Sua Intimidade é muito valiosa, cuide bem dela;
  • Jamais se deixe levar por pressões para produzir ou publicar imagens sensuais; quando tiver dúvidas em relação aos comportamentos sexuais, converse com seus pais e amigos(as) de confiança antes de se expor;
Pais:
  • Dialoguem com seus filhos para conhecer o que fazem online e orientá-los. Converse sobre as noções de privacidade e de comportamento de risco para construir limites como proteção, e não como proibição;
  • Os aliciadores fingem ser amigos virtuais; se passam por crianças e conhecem o mundo infantil; alguns se apresentam como adultos e enviam cenas de sexo com desenhos para estimular fantasias impróprias; elogiam para ganhar confiança e pedir informações como nome de escola, endereço, celular e fotos; manipulam fotos e colocam o rosto da vítima em cenas de sexo; ameaçam divulgar na internet as fotos manipuladas para humilhar a vítima diante de amigos e familiares em sites; e nos piores casos, podem terminar em sequestro e abuso sexual das vítimas.
SAIBA MAIS
Pornografia infantil, popularmente conhecida como pedofilia, ocorre quando há o envolvimento de menores de 18 anos em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas,ou exibição dos órgãos genitais do menor para fins sexuais. O armazenamentode imagens de conteúdo pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes resulta em pena de 1 a 4 anos. A troca destes arquivos (distribuição em mídias ou redes computacionais) eleva a pena para 3 a 6 anos. Se comprovado que o investigado foi quem produziu as imagens ou se comercializava os vídeos/imagens, a pena variade 4 a 8 anos.
Clóvis Augusto Melo
FONTE: ODIARIO.COM