Chefe da PF promete punição para pedófilos


Embora já viesse trabalhando ativamente desde o mês de maio, foi somente no último dia 12 que Karen Cristina Dunder assumiu oficialmente a chefia da Delegacia da Polícia Federal (PF) de Uberaba, substituindo Carlos Henrique Cotta D'Ângelo, que hoje atua na chefia da PF em Uberlândia. É a primeira vez que uma mulher ocupa lugar de destaque na Delegacia de Uberaba, historicamente sempre chefiada por homens. Natural da cidade de São Paulo, ela tem experiência de uma década em operações da Polícia Federal em Manaus (AM), como chefe da Delegacia de Imigração em Porto Velho (RO), no Núcleo de Inteligência de Uberaba, como chefe da delegacia de Araguaína (TO), e como corregedora e delegada regional da Divisão de Combate ao Crime Organizado em Cuiabá (MT).
Na entrevista especial de hoje do Jornal da Manhã, Karen Dunder promete continuar o trabalho desenvolvido por seus antecessores, atuando diretamente nas operações, e dar um toque feminino no combate ao tráfico, ao roubo, aos delitos ambientais e também à pedofilia, sendo este último um problema ao qual ela dará atenção especial, por se tratar de um grave crime contra o ser humano. 
Jornal da Manhã – Quando foi que a senhora decidiu que queria fazer carreira na Polícia Federal?
Karen Cristina Dunder
 – Eu era advogada, trabalhei um tempo na Petrobras e resolvi prestar concursos públicos. Comecei a me preparar para a área federal. Certo dia abriu o concurso da Polícia Federal e minha mãe me perguntou o que eu queria de aniversário, eu disse: "Ah... mãe, me dá a inscrição da Polícia Federal". E ela me perguntou: "Mas você não vai passar, né, filha? É muito perigoso!". "Não, mãe, tem muito candidato, fica tranquila que não vou passar!" No fim, acabei passando e minha mãe ficou preocupada, mas, depois de conhecer a Polícia Federal, percebi que é perigoso, só que não é assim como se pensa. É possível se preparar, a instituição dá uma série de garantias e os colegas também, e acabei me apaixonando pela carreira. Era meu lugar mesmo, foi divino, providencial e deu tudo certo, nunca tive problemas. 
JM – Esta é a segunda vez que a senhora trabalha na Polícia Federal de Uberaba...
KCD
 – Sim, tenho 10 anos de serviço público e com quatro anos na PF vim para Uberaba trabalhar com o efetivo dos núcleos de inteligência e de operações, conheci a cidade e gostei muito. Depois recebi convites para ir para Tocantins e Mato Grosso e, recentemente, tive a opção de escolher para onde queria ir. Decidi que queria voltar para Uberaba. O superintendente me perguntou se eu queria voltar para ser chefe e falei que seria um prazer muito grande, então voltei muito feliz para assumir a chefia. 
JM – O fato de já conhecer a delegacia e os agentes com quem irá atuar ajuda no seu trabalho?
KCD
 – Muito, muito. O efetivo daqui é muito trabalhador, é um grupo muito disposto e comprometido com o trabalho. São pessoas que moram na cidade, que têm família aqui e que se preocupam com o bem-estar da sociedade uberabense. Isso colabora muito, porque sei que são pessoas dedicadas que vão fazer o máximo no serviço, isso é um diferencial. Em outras unidades, as pessoas não são dali e acabam não se comprometendo tanto com o serviço. É até natural. Elas não se arriscam para se preservar, mas aqui não. Aqui o efetivo muitas vezes vai bem mais além do que devem por vontade, por dom e por dedicação mesmo.  
JM – Há previsão de modificações estratégicas na equipe ou a senhora decidiu manter a que já atuava com o delegado anterior?
KCD
 – A minha proposta é manter toda a equipe e, junto com o delegado anterior, que está em Uberlândia, fazer uma parceria. Se faltar gente aqui, ele me ajuda mandando pessoal de lá; se ele precisar de efetivo em alguma situação lá, eu ajudo com pessoal daqui. A ideia é praticamente dobrar o efetivo das delegacias, porque dificilmente usamos o efetivo ao mesmo tempo, então, se está prevista uma operação flagrante por lá e ele não tem pessoal suficiente, eu mando, dessa forma ele terá o grupo que precisa para obter um bom resultado, da mesma forma aqui. Outra ideia é interligar as informações de inteligência, porque o que costumava acontecer é que as informações do núcleo de inteligência ficavam nas delegacias e elas não se comunicavam tão rápido. Com esse entrosamento, a ideia é agilizar esse processo de forma que eles lá saibam o que acontece aqui e vice-versa. Muitas vezes um ladrão rouba ou furta o correio lá e se esconde aqui, então ele já me aciona para que eu o pegue aqui.  
JM – A Polícia Federal é uma corporação que historicamente sempre foi chefiada por homens, pelo menos aqui em Uberaba. Ofato de ser a primeira mulher a ocupar um cargo importante como o de chefe da delegacia em Uberaba muda algo?
KCD 
– Creio que é uma evolução, basta ver que até a presidência da República é ocupada por uma mulher hoje. Acredito que as mulheres estão progredindo, estão tomando espaços e assumindo funções cada vez mais complexas que antes eram realizadas em um ambiente mais masculino, mas por uma questão sociológica ou histórica. Acontece que a mulher está alcançando outros cargos e o fato de eu ter chegado à chefia da Delegacia de Uberaba é um exemplo disso, e eu espero que isso sirva de motivação para outras mulheres, para que elas ingressem e passem a atuar na área policial também. Os policiais respeitam, são muito profissionais, comprometidos e, portanto, isso não é um problema. 
JM – Preconceito de colegas então não existe?
KCD
 – Como em todo lugar, há preconceito, mas dentro desse grupo isso é muito pequeno, até porque já me conhecem, trabalhei com eles e o grupo sabe como eu trabalho, então não tenho esse tipo de problema aqui, não. 
JM – A senhora vem substituir o delegado Carlos Henrique Cotta D'Ângelo, atualmente lotado em Uberlândia, que tinha como perfil uma atuação direta com as ações da Polícia Federal, como em operação que provocou a queda de um avião destinado ao abastecimento do tráfico em Uberaba. Pretende seguir a mesma linha operacional ou sua atuação deve ser focada mais na inteligência?
KCD
 – Eu gosto da parte operacional mesmo, prefiro tocar a operação, estar com a equipe e trabalhar junto. Acredito que tenho um perfil mais operacional, não serei como o D'Ângelo, porque cada um é único, mas a ideia é dar continuidade ao que ele começou e ainda ampliar os trabalhos na região, tanto aqui em Uberaba quanto em Uberlândia. Eleé meu amigo e por isso temos muita confiança um no outro, sabe da retidão do trabalho e isso facilita muito. A ideia, portanto, é continuar o trabalho operacional da delegacia, mas claro que haverá todo um toque feminino, né, uma pintura, um cuidado com o estofado, isso faz parte, não vai ficar de lado, mas a parte operacional vai ser mantida. 
JM – A senhora já se familiarizou com as principais demandas de Uberaba e região? Quais são elas?
KCD
 – Muita coisa o D'Ângelo me passou e outras coisas eu tenho conhecimento do tempo em que trabalhei aqui. Infelizmente, a criminalidade é recorrente. O criminoso volta a cometer o crime e dificilmente ele o deixa, então algumas pessoas investigadas eu até já conheço de outros tempos. E a ideia é que o D'Ângelo continue atuando aqui e eu em Uberlândia em forma de apoio, ou seja, tudo que ele tem vai ser passado para mim automaticamente, então não haverá prejuízo com relação às informações. Queremos continuar com o trabalho de repressão ao tráfico de entorpecentes, porque infelizmente o crime organizado utiliza muito essa região. Além disso, o roubo em geral, especialmente a agências bancárias e aos Correios. Queremos intensificar ainda a repressão de delitos ambientais, até porque a região, com o rio Grande, tem muita demanda ambiental.  
JM – Temos visto muitas apreensões de drogas ultimamente, o que transformou Uberaba em uma rota importante do tráfico. Quase todos os dias noticiamos uma nova ação, como a apreensão de 80kg de pasta-base em um tanque de caminhão, entre outras. A Polícia Federal tem tratado a questão do combate às drogas como prioridade?
KCD
 – Do ponto de vista logístico, Uberaba é um lugar muito bom, porque é perto de Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, que são centros de usuários de entorpecentes e, eventualmente, até de remessa para o exterior, através do Porto de Santos e aeroportos internacionais. Ainda do ponto de vista logístico, o crime organizado descobriu aqui um ponto muito bom porque está próximo três horas de avião da Bolívia, por exemplo, tem várias pistas difíceis de ser visualizadas em fazendas, onde os aviões do tráfico se confundem com os aviões agrícolas, então é uma camuflagem natural para os traficantes. E a rede viária também é muito boa. Daqui eles conseguem mandar entorpecentes para os centros de usuários sem levantar suspeitas em caminhões comuns. Tudo isso facilita a vida do crime organizado, por isso é um ponto estratégico. Essa união entre Uberaba e Uberlândia visa realmente a ampliar a atuação da Polícia Federal para diminuir o acesso ou dificultar a atuação do crime organizado na região. 
JM – A senhora afirmou que pretende investir em uma atuação integrada com a Polícia Federal de Uberlândia. Há previsão de estimular essa integração também com outras corporações locais, como as polícias Civil e Militar?
KCD
 – Isso é fundamental, até porque o efetivo da Polícia Federal é pequeno, então, por mais que eu quisesse fazer um trabalho sozinha, não teria condições de fazer. A Polícia Militar e a Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Ambiental e Ibama sempre se mostram muito abertos ao trabalho da Polícia Federal, e essa parceria é fundamental. Isso amplia o braço da nossa atuação. Já conversei com o coronel Laércio Gomes (comandante da 5ª Região de Polícia Militar de Uberaba), com o Francisco Gouveia Motta (delegado regional da Polícia Civil) e com o Ramon Tadeu Bucci (chefe do 5º Departamento de Polícia Civil). Ou seja, nós estamos bem integrados no sentido de facilitar a troca de informações e de apoio para a deflagração de operações em Uberaba. 
JM – Recentemente uma mulher que tentava descontar um cheque clonado na Caixa Econômica Federal foi presa pela Polícia Federal... Como anda a investigação a respeito desse tipo de delito?
KCD 
– A Polícia Federal fez um convênio com a Caixa Econômica Federal que chama "Operação Tentáculos". Ela é realizada em Brasília, mas tem ramificações no Brasil todo. Todas as informações e fraudes são remetidas para esse grupo em Brasília que faz uma triagem eletrônica, localiza a organização criminosa e manda a investigação para aquela unidade. Isso facilita muito e diminui o número de inquéritos, pois para cada fraude havia um inquérito desconexo entre si. Agora temos apenas inquérito com dados sólidos a respeito da atuação de uma organização. Conversando com a segurança da Caixa de Uberaba, soube que esse projeto Tentáculos, de 2005 para cá, teve uma boa produção. Em 2005, por exemplo, a Caixa tinha um prejuízo de 10% do lucro líquido com fraudes. Hoje, as fraudes são responsáveis por um prejuízo de 2%, então ela vem produzindo efeitos, embora seja um projeto silencioso. 
JM – O que pode ser feito para coibir práticas como estas?
KCD 
– Percebeu que tem alguém muito próximo do caixa eletrônico? Evite usá-lo, não deixe outras pessoas verem sua senha e evite fazer grandes saques e sair com o dinheiro, porque facilita a “saidinha de banco”. Se você for fazer um saque no caixa e o dinheiro não saiu, tente entrar em contato com algum funcionário do banco, porque às vezes o crime usa um mecanismo conhecido como régua, que cola o dinheiro. Então, a pessoa acha que não fez o saque, mas o dinheiro está preso, e depois ela descobre dois ou três saques no mesmo valor. Viu algum equipamento estranho ou errado no caixa? Desconfie da máquina, procure outra e entre em contato conosco. 
JM – Qual o caminho para o combate à violência e à criminalidade que tem se alastrado pelo país?
KCD
 – Um dos catalisadores da violência é o tráfico de drogas. Hoje ele lidera o ranking das razões de homicídio no país. Então, preservar a família e evitar financiar o tráfico através do uso de drogas. Isso facilita muito o trabalho da polícia e prejudica demais a criminalidade, porque o que movimenta o tráfico de drogas é o dinheiro do consumo. Se a sociedade começar a diminuir o número de usuários, ou seja, o número de financiadores dessas organizações, a tendência é que elas retrocedam ou mudem de atuação. Creio que a educação e o tratamento do usuário são ações muito importantes que refletem na criminalidade, porque o dependente quer tanto a droga que acaba se envolvendo com outros delitos, como roubo e furto. 
JM – Como vê a proposta de redução da maioridade penal no Brasil para 16 anos? A senhora acredita que esta poderia ser uma das soluções para a criminalidade e para coibir o tráfico de drogas?
KCD
 – Creio que a nossa execução penal foi deixada de lado, mas acredito que deveria ser uma preocupação do governo. A lei muitas vezes é linda, mas na prática ela não é aplicada, então, se diminuímos a maioridade penal e não há locais para colocar os autores dos crimes, de que adianta? Seríamos obrigados a soltar uns para prender outros, ou seja, isso não resolveria o problema. O ideal é que ficassem todos presos, mas não há local suficiente para isso, não há uma política de educação desses presos. Uberaba vinha fazendo um bom trabalho em manter um sistema de educação na penitenciária, até um trabalho pioneiro, mas no Brasil poucas unidades têm essa preocupação. Existe menor que aos 16 anos tem consciência do que faz? Sim, mas se mudarmos a lei, onde vamos colocá-lo? Essa preocupação as pessoas não têm porque acham que só a mudança na lei vai dar o efeito desejado, mas não vai. É preciso rever também a execução penal. 
JM – Como estamos rodeados por várias rodovias, a prostituição infantil é um problema em Uberaba?
KCD
 – Na verdade, o que percebo é que Uberaba tem muito problema com pedofilia. Já tenho conhecimento de alguns inquéritos que apuram o crime de pedofilia pela internet, por exemplo. E isso é algo que preocupa muito, porque o pedófilo passa por níveis, muitas vezes começa com as imagens, passa a produzir imagens, até chegar ao ponto de assediar um menor. Na região, este é o delito, entre os vários que temos, que muito me aborrece. São inquéritos que darei uma prioridade especial, porque acredito ser um crime que afeta muito a sociedade - afinal, é a vida de uma criança, de um inocente - e para o qual deve haver uma punição exemplar. Farei tudo que puder para chegar ao autor do fato.