Carlos Rollsing
O mistério que se arrastava por meses e inquietava os estrategistas políticos que miram as eleições de 2014 acabou: o senador Pedro Simon (PMDB), 84 anos, decidiu se retirar da vida pública. Ele não irá disputar o quinto mandato consecutivo no ano que vem, embora muitos correligionários apostassem que ele não iria desistir. Diziam que, nas andanças pelo interior para liderar atos políticos do PMDB desde as eleições municipais de 2012, o discurso de Simon era "de candidato", crítico, analítico, inflamado e empolgado. O próprio senador jamais havia admitido parar. Sempre que questionado, respondia insistentemente que estava "à disposição do partido", saindo pela tangente. Muitos avaliavam que ele apenas esperava a "hora certa" para se lançar.
Mas o líder peemedebista, que costuma se referir ao partido saudosamente como "o velho MDB de guerra", admitiu pela primeira vez que irá deixar o Congresso.
A confissão foi feita ao jornalista Geneton Moraes Neto, apresentador do Dossiê Globonews, em entrevista gravada no Senado no dia 16 de maio. O programa vai ao ar neste sábado, às 21h05min, no canal Globo News, com reprise no domingo, às 17h05min. Uma das principais grifes políticas do Estado e do país, respeitado pela trajetória, Simon se retira depois de ter sido deputado estadual, governador, ministro da Agricultura e senador. Fez oposição à ditadura, militou em defesa das Diretas, contribuiu na construção da democracia. Com 60 anos de vida pública, disse que se afasta da disputa por mandatos, mas não abre mão de seguir colaborando ativamente com o PMDB.
Conhecido pelo discurso eloquente em defesa da ética, ele garantiu, em resposta a Geneton, que dá adeus ao mandato com a sensação de dever cumprido.
– Eu saio feliz. Tive grandes missões, grandes responsabilidades. Sempre fiz o que podia fazer. Não fui herói, não fui santo. Mas, dentro da capacidade relativa que eu tinha, o que podia fazer eu fiz. Sinceramente. Duvido que tenha no Brasil um político que tenha trazido mais políticos para a classe política do que eu. É o que passei a vida fazendo, porque achava que era importante – conta Simon.
O peemedebista certamente entrará para a história das lideranças políticas que deixaram legado e se mostraram visionárias. Independentemente de preferências ideológicas, Simon, com Alceu Collares e Olívio Dutra – este um pouco mais jovem –, faz parte de uma geração da política que se retirou de cabeça erguida, com mais histórias boas do que ruins para contar.
Mas o líder peemedebista, que costuma se referir ao partido saudosamente como "o velho MDB de guerra", admitiu pela primeira vez que irá deixar o Congresso.
A confissão foi feita ao jornalista Geneton Moraes Neto, apresentador do Dossiê Globonews, em entrevista gravada no Senado no dia 16 de maio. O programa vai ao ar neste sábado, às 21h05min, no canal Globo News, com reprise no domingo, às 17h05min. Uma das principais grifes políticas do Estado e do país, respeitado pela trajetória, Simon se retira depois de ter sido deputado estadual, governador, ministro da Agricultura e senador. Fez oposição à ditadura, militou em defesa das Diretas, contribuiu na construção da democracia. Com 60 anos de vida pública, disse que se afasta da disputa por mandatos, mas não abre mão de seguir colaborando ativamente com o PMDB.
Conhecido pelo discurso eloquente em defesa da ética, ele garantiu, em resposta a Geneton, que dá adeus ao mandato com a sensação de dever cumprido.
– Eu saio feliz. Tive grandes missões, grandes responsabilidades. Sempre fiz o que podia fazer. Não fui herói, não fui santo. Mas, dentro da capacidade relativa que eu tinha, o que podia fazer eu fiz. Sinceramente. Duvido que tenha no Brasil um político que tenha trazido mais políticos para a classe política do que eu. É o que passei a vida fazendo, porque achava que era importante – conta Simon.
O peemedebista certamente entrará para a história das lideranças políticas que deixaram legado e se mostraram visionárias. Independentemente de preferências ideológicas, Simon, com Alceu Collares e Olívio Dutra – este um pouco mais jovem –, faz parte de uma geração da política que se retirou de cabeça erguida, com mais histórias boas do que ruins para contar.
Na entrevista concedida a Geneton Moraes Neto, Simon foi além do anúncio da aposentadoria política ao término do atual mandato, em 2014. Recuperou episódios históricos da política do país, como os bastidores do golpe militar de 1964, quando ele esteve reunido em Porto Alegre com o então presidente João Goulart, o Jango, e Leonel Brizola. E também falou dos seus dramas pessoais ao abordar o episódio em que contou com a ajuda do então arcebispo Dom Vicente Scherer para recuperar a fé após perder um filho. Confira trechos da entrevista abaixo.
O DIÁLOGO COM O ARCEBISPO
GMN: O então arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, passou um dia inteiro trancado com o senhor, porque, depois de perder um filho num acidente, o senhor disse que Deus não estava olhando para o senhor. Naquela conversa, o senhor foi reconvertido ?
Pedro Simon: "Perdi minha mulher e um filho num acidente de automóvel. Naquela época do registro da candidatura de Tancredo Neves na mesa do senado, estávamos na expectativa de que a Arena ia querer boicotar, porque Sarney tinha candidato da gente. Fizemos, então, um esforço concentrado aqui em Brasília. Fui dos primeiros a ficar aqui. Eu tinha marcado com minha mulher e meus três filhos - e eu devia há muito tempo- que nós iríamos descansar. Aquilo coincidia com o feriado de finados. Telefonei dizendo que não podia ir mas que iria dois dias depois. Minha mulher ficou chateada. Terminou indo. Primeiro, morreu meu filho. Depois, minha mulher teve uma depressão de tal natureza que não se recuperou.
Quando houve a missa do meu filho, Dom Vicente veio e me deu um abraço: "Firme, Dr. Pedro ! Tenho rezado muito a Deus pedindo para ele olhar pra ti". Eu disse: "Dom Vicente, agradeço ao senhor por suas orações. Só não peça para Deus olhar para mim, porque, cada vez que ele olha, ele me dá uma paulada".
Um dia depois, às seis e meia da manhã, apertam a campainha. Era Dom Vicente. Ficou comigo o dia inteiro. Dom Vicente era brilhante. Não tinha na retórica uma grande qualidade. Mas ali, não sei se era eu , não sei se era ele, eu recuperei minha fé com ele. Se ele não estivesse ali, não sei o que aconteceria. Porque eu estava de mal com o mundo. Uma das coisas que Dom Vicente me mostrou: "Dr. Pedro, o senhor perdeu o filho. Disso, o senhor não teve culpa. É o destino. Pelas informações que tenho, os seus outros dois filhos estão enlouquecidos, porque o senhor não liga, não fala, não toma conhecimento de nada. Se alguma coisa acontecer a eles, o senhor é o culpado". A primeira coisa que fiz, então, foi procurar meus dois filhos. Minha vida tomou um rumo".
GMN: O senhor teve diálogos importantes com líderes históricos do Brasil. O senhor diria que esta conversa pessoal com o arcebispo foi a mais importante que o senhor teve na vida ?
Pedro Simon: "Sob o ponto de vista da minha vida, foi. Eu estava caindo dia após dia. Estava caindo em depressão. Eu não aceitava o que tinha acontecido comigo. Não estava certo. E o arcebispo conseguiu fazer um retorno muito bonito".
OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE JANGO NA PRESIDÊNCIA
Um mês antes do golpe de março de 1964, o senhor ouviu um desabafo do ainda presidente João Goulart sobre as cobranças que ele vinha sofrendo para apressar as chamadas reformas de base. Em que termos foi feito este desabafo ?
Pedro Simon: "Já foi no final. Jango marcou com a gente às dez da noite no Palácio do Alvorada. Chegamos lá às dez. Quando ele chegou, era meia-noite. Ficamos até as seis da manhã. E ele desabafou. Começou a "chorar", magoado. Disse: "Pelo amor de Deus, será que eu mudei, será que não quero fazer as coisas ? Mas estou cercado de tudo que é lado ! É a Igreja, é o poder militar, são os empresários, é a mídia, é até a classe média - uma campanha de rebelião ! E alguns querem que eu faça tudo como projetamos ! Que eu faça cem por cento assim. Não dá! Se eu fizer, caio na hora ! O que estou propondo, o que estou discutindo é o que vamos fazer. Por exemplo: reforma agrária. Nós vamos fazer trinta por cento do que prometemos. Quando chegar a hora de implantar, eu boto mais vinte. Quem vier depois não voltará atrás. Vai ter de caminhar adiante". É o que ele dizia".
GMN: Qual era a queixa mais séria que o então presidente João Goulart fazia em relação à falta de apoio político que ele tinha ?
Pedro Simon: "Todas as forças - desde as reacionárias, as extremistas - até forças - digamos assim - conservadoras que nunca tiveram participação em radicalismo e em golpe dessa vez estavam todas fechadas. A Igreja, com aquela campanha de "Deus, pátria e família" tinha se movimentado de tal maneira que era quase uma unanimidade. A imprensa toda ! A classe empresarial, os industriais - toda. Faltou alguém ? E o Exército, as Forças Armadas.
Jango estava reduzido a uma base de esquerda, rachada em dez tipos de decisões :"Vamos fazer isso, vamos fazer aquilo" . E o outro lado estava unido e coeso de uma maneira total".
GMN :O senhor testemunhou um momento dramático : o instante em que o então presidente João Goulart decidiu que não iria lutar para permanecer na presidência. O que é que ele disse, exatamente ?
Pedro Simon: "Ficamos no aeroporto, em Porto Alegre, de meia-noite às duas e meia da madrugada, quando o avião de Jango chegou. Fomos todos para a casa do comandante do III Exército - que disse: "Presidente, estou à sua disposição. Nós - do III Exército - estamos aqui. A decisão é sua !".
Brizola já estava insistindo em fazer um movimento. Brizola queria que Jango o nomeasse ministro da Fazenda e nomeasse o general Ladário Teles, comandante do III Exército, como ministro da Guerra, para começar, naquela madrugada, a caminhar. Deu para sentir que Jango não tinha nenhuma simpatia pela nomeação de Brizola como ministro da Fazenda. Em Ladário ele confiava, mas dava para ver que Ladário não era um daqueles generais de convivência com o presidente da República. Não tinha uma credibilidade, não era um nome de força que pudesse representá-lo em muita coisa. Representava porque estava no comando do III Exército".
GMN: O senhor diz que, neste encontro com o Presidente João Goulart, Leonel Brizola pediu para ser nomeado ministro da Fazenda e o general Ladário, ministro da Guerra. Por que exatamente Brizola queria ser ministro da Fazenda, naquelas circunstâncias ?
Pedro Simon: "Você faz uma pergunta que cada um responderia de um jeito. Vou responder com a interpretação que tenho, mas com certeza absoluta : ali, naquele momento, para ser uma coisa para valer, se Brizola assumisse o ministério da Fazenda não por convite de Jango mas por imposição própria e se o general Ladário assumisse o ministério da Guerra, haveria um movimento em que Brizola é que assumiria o comando. Caso contrário, se ele fosse, por exemplo, ministro da Justiça, não iria ter um tostão, não iria ter poder nenhum. Mas ele como ministro da Fazenda, com o ministro da Guerra ao lado, poderia tentar fazer alguma coisa. Isso deve ter assustado um pouco Jango : até que ponto Brizola iria nessa caminhada".
GMN: Que reação o presidente João Goulart teve quando soube que a presidência da República tinha sido declarada vaga ?
Pedro Simon: "A reação de Jango foi de profundo abatimento. Digo uma coisa interessante: Jango não estava com fisionomia de derrotado ou de medo ou de temor. Estava com uma fisionomia firme".
GMN: Alguém tentou convencer o presidente João Goulart, além de Leonel Brizola, a resistir ?
Pedro Simon: "O ímpeto de resistir existia. O que deixava a gente preocupado era quando Jango dizia: "Eu sei que a Sétima Frota está ali do lado, pronta para intervir, querendo intervir ! Pelas informações que a gente tem, ela quer fazer tudo para intervir, porque acha que este é o momento de fazer a limpeza que quer fazer no Brasil. E não sei se temos condições de resistir". Isso deixava a gente também assustado. Uma coisa muito interessante é que, no início, a reunião foi democrática. Ficamos todos na sala de estar do comandante do III Exército. Havia um hall de entrada grande. Estava todo mundo ali. Depois, alguns foram para a sala de jantar. Em seguida, foram para o quarto do comandante. E, no fim, estavam Jango, Brizola e já não lembro quem no banheiro. E aí nunca mais vi Jango - que saiu pelos fundos e foi embora".
GMN: O senhor confirma, então, que o ainda presidente João Goulart tinha informações sobre a iminência de uma intervenção americana no Brasil, em 1964? O senhor ouviu referências de João Goulart a este perigo ?
Pedro Simon: "Nesta madrugada, na casa do comandante do III Exército, Jango foi enfático: "Estão ali - preparando". E, no Palácio do Alvorada, quando estivemos com ele, Jango disse a mesma coisa. Só não disse tão enfaticamente : "Estão aqui, esperando para entrar".
GMN: É historicamente correta a afirmação de que o então presidente João Goulart não resistiu exclusivamente porque queria evitar derramamento de sangue ?
Pedro Simon: "Absolutamente certo. Jango sentiu que as coisas estavam se precipitando. Ia ser algo muito grave - que fugiria do controle".
GMN: O senhor chegou a ouvir alguma referência do então presidente João Goulart sobre o medo que ele tinha de que houvesse derramamento de sangue no Brasil ?
Pedro Simon: "Jango disse que não estávamos preparados para um golpe de estado. Ficou convencido de que a frota americana estava "ali do lado" e a guerra civil seria uma realidade. Eu diria com toda sinceridade que Jango teve coragem. Não foi um ato de medo : teve o peito de dizer : pago um preço mas não quero ver o que pode acontecer com o Brasil".





